Jair Bolsonaro foi condecorado esta semana por seu ministro da Justiça, Anderson Torres, com a Medalha do Mérito Indigenista. Grosso modo, pelas ações e o que representa, seria como o regime sionista colonial e de apartheid receber Medalha do Mérito Palestino. Uma afronta, como bem definiu a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
Em nota, a organização repudia a dita “honraria”, renomeando-a para “Medalha do genocídio indígena”. Afirma que vai contestar na justiça a condecoração, a qual deve ser repudiada fortemente por todos e todas que se opõem a genocídio, extermínio de populações nativas e limpeza étnica. A onda de indignação motivou a devolução pelo sertanista Sidney Possuelo da medalha indigenista que recebeu quando era presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai).
Quando ainda era deputado federal, Bolsonaro lamentou, em discurso no dia 16 de abril de 1988 transcrito no Diário da Câmara, que o extermínio do povo indígena não foi absoluto, propugnando o modelo estadunidense: “Até vale uma observação neste momento: realmente a cavalaria brasileira foi muito incompetente. Competente, sim, foi a cavalaria norte-americana, que dizimou seus índios no passado e hoje em dia não tem esse problema no país.”
O oportunismo de, na sequência, ele ter completado que não recomendava que se fizesse o mesmo com o índio brasileiro não reduz em nada a escandalosa declaração e suas ações voltadas a exterminar os povos originários agora como mandatário do Estado brasileiro. Sua afirmação inseria-se num discurso em que discutia a política de demarcação de terras indígenas, quando criticou o fato de não ter sido aprovado naquela Casa projeto de decreto legislativo de sua autoria que visava “tornar a reserva yanomami sem efeito”.
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Agora ele tenta completar seu projeto, ao estimular a ação criminosa de garimpeiros nas terras indígenas yanomamis e lhes impor violência, fome, doenças e morte, assim como ao conjunto dos povos originários. Isso tudo somado à defesa do Marco Temporal, maior ataque aos direitos dos indígenas dos últimos tempos, que anularia todas as demarcações feitas na última década e legitimaria a expulsão e o extermínio a que estão submetidas essas comunidades historicamente no Brasil. A recolonização do País segue em marcha acelerada – e Bolsonaro é condecorado por isso. Um escárnio.
“Bolsonaro é inimigo da saúde indígena, tanto que durante a pandemia da Covid-19 trabalhou para agravar a crise sanitária e humanitária. Ele desestruturou a saúde indígena e por isso foi denunciado internacionalmente por genocídio”, pontua a Apib em sua nota de repúdio, na qual lembra que em 2021 protocolou “um comunicado no Tribunal Penal Internacional (TPI) para denunciar Bolsonaro por genocídio. Solicitamos que a procuradoria do Tribunal de Haia examinasse os crimes praticados contra os povos indígenas pelo presidente Jair Bolsonaro, desde o início do seu mandato, com atenção ao período da pandemia da Covid-19”.
A entidade acrescenta: “Junto com sua equipe de ministros, são inimigos do povo e contra nossos biomas e políticas, tanto que autorizam os tratores e motosserras da morte a derrubar nossas casas, árvores e destruir nossa biodiversidade. A política genocida deu seguimento e fortaleceu o desmantelamento das estruturas públicas de proteção socioambiental e aos povos indígenas desencadeou invasões nas Terras Indígenas, desmatamentos e incêndios nos biomas brasileiros, aumento do garimpo e da mineração nos territórios. Com todos os esforços possíveis tentam aprovar projetos de leis anti-indígenas. Neste instante em que ele e seus aliados são homenageados com medalhas tramitam como urgência no Congresso projetos de leis (PL) que autorizam abrir nossas terras para a mineração, grilagem e uso desenfreado de agrotóxicos.”
Tributo a genocidas
Os palestinos compartilham do sentimento de indignação com a condecoração. O desrespeito com o povo indígena ao premiar o genocida Bolsonaro lembra homenagem aos carrascos dessa população nativa, que enfrenta contínua expansão colonial israelense agressiva e limpeza étnica planejada. Em janeiro de 2014, depois de permanecer oito anos em coma, o carniceiro sionista Ariel Sharon faleceu e não só foi homenageado por Israel, como também por lideranças cúmplices do apartheid.
A mídia capitalista, inclusive brasileira, apresentou-o como figura “polêmica” ou “controversa”, não o genocida que personificava o projeto colonial sionista, com contribuição decisiva à sua consolidação na Nakba (catástrofe com a autoproclamação do Estado de Israel em 15 de maio de 1948 mediante limpeza étnica planejada).
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Sharon ingressou no grupo paramilitar sionista Haganah aos 14 anos de idade e fez parte da Brigada Alexandroni, que deu sua inominável contribuição para a violenta expulsão do povo palestino e derramamento de sangue à colonização de suas terras há 74 anos. Igualmente comandou a Unidade 101, responsável por atrocidades exemplares, liderou massacre como na aldeia palestina de Qibya em 1953 e arquitetou o cometido pelas milícias falangistas libanesas, com a colaboração do governo sírio, nos campos de refugiados de Sabra e Chatila em 1982. Pela repercussão internacional com mais esse crime contra a humanidade, Sharon, que era ministro da Defesa sionista à época, chegou a ser afastado e acusado formalmente por uma comissão israelense, mas, como é de praxe, nunca foi julgado. Anos depois, já como primeiro-ministro – cargo que ocupou entre 2001 e 2006 –, seguiu a política de expansão colonial com maestria. Sob sua direção, foi iniciada a construção do muro do apartheid na Cisjordânia, que anexa mais terras férteis e aprofunda a segregação a que estão submetidos os palestinos sob colonização. Em 2005, retirou os 8 mil colonos israelenses que ocupavam terras em Gaza e essa ação serve como justificativa para afirmações falsas de que seria controverso. Só faltou mesmo lhe concederem, de forma tão abjeta quanto o que se faz agora com os indígenas no Brasil, “Medalha do Mérito Palestino”.
Na verdade, não compensava o gasto militar sionista para a manutenção desse pequeno contingente de 8 mil na estreita faixa; para essa parte da Palestina ocupada estaria reservado ser uma prisão a céu aberto, submetidas a bombardeios massivos ou a conta-gotas frequentes.
Mas à sua morte o que se viu foi o teatro armado para enaltecer um dos criminosos contra a humanidade e jogar para baixo do tapete, convenientemente, toda essa história. Vinte e dois representantes de delegações oficiais estiveram em seu funeral, dos Estados Unidos e União Europeia à Oceania, China e Rússia.
Aliás, no momento em que Putin promove agressão militar russa contra a Ucrânia, vale lembrar que este foi um dos que elogiaram o carniceiro Sharon. Em mensagem oficial de condolências enviada por ele, enaltecia “sua atividade para defender os interesses de Israel, observando o respeito que ele gozava entre seus compatriotas e internacionalmente”. Ainda, Putin enfatizou que “Ariel Sharon será lembrado na Rússia como um defensor consistente das relações amistosas entre a Rússia e Israel, que fez uma contribuição significativa para expandir a cooperação mutuamente benéfica”. Os palestinos lembram de Sharon como o monstro que merece a alcunha que lhe foi dada de “carniceiro” ou “açougueiro” por conta do massacre de Sabra e Chatila.
Os indígenas no Brasil denominam Bolsonaro como o genocida que é. Aos oprimidos e explorados, arrancar a medalha indigenista de suas mãos sujas de sangue é simbólico inclusive para mandar ao mundo mensagem clara de que estamos fartos desse escárnio. Vidas palestinas, indígenas, negras importam. Por nós e pela memória dos nossos ancestrais, não esqueceremos; resistiremos.
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