Desde o início de suas obras, há duas décadas, em flagrante despeito à lei internacional, a barreira de segregação israelense, também conhecida como “muro do apartheid” tornou-se foco de sucessivas controvérsias. O muro separa comunidades nativas e terras férteis, impondo graves restrições e condições de miséria ao povo palestino.
Israel defende veementemente a construção de seus muros como uma demanda de segurança. Contudo, em seu vigésimo aniversário, dúvidas cada vez mais frequentes pairam sobre essa narrativa, ao passo que a ocupação lava suas mãos perante a passagem rotineira de milhares de palestinos que encontram fissuras nessa sólida muralha.
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Muitos palestinos foram baleados no passado por meramente se aproximar da barreira. Hoje, alguns grupos conseguem mover-se por seus poros e rachaduras, ao longo de 712 km de extensão, embora sobretudo nos territórios ocupados em 1967. Algumas seções invadem até mesmo 22 km adentro das fronteiras palestinas, separando comunidades e coagindo fazendeiros a implorarem por um alvará israelense que lhes deixe acessar suas próprias terras.
A campanha palestina de base “Stop the Wall” observa que, ao ser concluído, o muro israelense deve anexar cerca de 46% da Cisjordânia, isolando comunidades em “bantustões, guetos e zonas militares”. O grupo reitera que a barreira deve isolar mais de 78% das aldeias e comunidades nativas, incluindo um total de 266.442 palestinos.
Para contestar a narrativa israelense, os palestinos denunciam que o muro se trata de mais um esquema por parte da ocupação para anexar ilegalmente territórios e construir ou ampliar assentamentos ilegais exclusivamente judaicos. Em contraponto aos pretextos de segurança de Tel Aviv, e sua eficácia imediata, o jornal The Guardian publicou uma reportagem na qual observa a facilidade com que os palestinos passam clandestinamente pelo muro diante dos olhos de soldados israelenses pesadamente armados.
“O público israelense comprou este muro como necessidade de segurança”, relata Dror Etkes, que documenta construções ilegais na Cisjordânia ocupada, ,em nome da organização não-governamental Kerem Navot. “Minha compreensão é que houve uma mudança de política e que os soldados devem agora ignorar a passagem dos palestinos”. Etkes estima que há centenas de brechas na barreira israelense, que abrem caminho cotidiano a inúmeras pessoas que fogem dos checkpoints e dos postos militares israelenses.
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“Israel sabe que precisa atenuar a pressão econômica sobre a Cisjordânia para beneficiar-se de sua mão-de-obra mais barata”, acrescentou Etkes. “Isso levanta a pergunta: se o muro é somente uma construção arbitrária, por que então sequer existe?”.
A economia palestina é devastada pela ocupação israelense e os habitantes nativos, portanto, têm de buscar emprego em outros lugares. A taxa de desemprego na Cisjordânia orbita em aproximadamente 25% há anos e os salários são muito mais baixos do que em Israel. Quando enfim atravessam ao outro lado, muitos trabalhadores permanecem nas terras de 1948 — ocupadas via limpeza étnica durante a Nakba ou “catástrofe”, quando foi criado o estado sionista — por uma semana ou mais, evitando a polícia ou delatores, até que consigam angariar valores suficientes para arriscar a jornada de volta para a casa. Mesmo trabalhando sem quaisquer direitos, muitas vezes em condições perigosas, o risco parece valer a pena.
Fraturas foram escavadas ao longo do muro para facilitar o acesso ao Triângulo, um aglomerado de aldeias e cidades de maioria árabe no território considerado Israel, isto é, dentro da chamada Linha Verde. As aberturas são grandes o suficiente para que adultos atravessem com certo conforto. Paradoxalmente, alguns buracos estão situados perto de portões trancafiados, checkpoints e câmeras de vigilância. Algumas pessoas possuem autorização de Israel para atravessar os postos de controle, onde soldados costumam interrogar e revistar os trabalhadores; no entanto, diante de tais empecilhos e enormes filas, preferem aderir às aberturas improvisadas para chegar mais rapidamente a seus destinos.
Em 2004, o Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), órgão de justiça das Nações Unidas, emitiu um laudo consultivo declarando o muro da separação israelense como ilegal. Segundo o relatório, a barreira viola flagrantemente a lei internacional ao invadir terras ocupadas e deve, portanto, ser desmantelada. Os juristas constataram também que Israel deve pagar indenizações às famílias afetadas por qualquer dano causado.
Posteriormente, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou por vasta maioria uma resolução urgindo que Israel cumpra a determinação judicial. O texto sugere aos estados-membros que “não reconheçam a situação ilegal oriunda da construção do muro nos territórios ocupados, incluindo dentro e ao redor de Jerusalém Oriental”. Ademais, adverte: “Não concedam assistência para preservar a situação criada por essa construção”.