Um relatório da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas no Sudão do Sul adverte que a violência sexual generalizada a mulheres e meninas em conflito seja “alimentada pela impunidade sistêmica” que afeta o país.
O grupo de especialistas independentes foi formado há seis anos para investigar a situação no mais novo país do mundo. As funções incluem determinar e relatar fatos e circunstâncias dessas violações e abusos, além de apurar a responsabilidade pelos atos considerados crimes sob leis em níveis nacional e internacional.
Mulheres e meninas
Para produzir a nova publicação, a Comissão entrevistou vítimas e testemunhas por vários anos. De acordo com o documento, mulheres e meninas enfrentam uma “existência infernal” marcada por estupros generalizados realizados por “todos os grupos armados em todo o país.”
A violência sexual tem sido usada como recompensa e direito para jovens e homens que participam de confrontos no Sudão do Sul. O objetivo é romper no máximo “o tecido das comunidades, inclusive por meio de seu deslocamento constante”.
A comissão destaca que o estupro é frequentemente usado como uma “parte das táticas militares pelas quais o governo e os líderes militares são responsáveis, seja por não impedirem esses atos, seja por não punirem os envolvidos”.
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Ao descrever o culminar desses atos nas vítimas, os especialistas falam da maneira “ultrajante e completamente inaceitável que os corpos das mulheres são sistematicamente usados nessa escala como espólios de guerra.”
“Território”
A presidente da Comissão, Yasmin Sooka, lançou um apelo por ação urgente e visível por parte das autoridades, recomendando que os homens do Sudão do Sul “devem parar de considerar o corpo feminino como ‘território’ a ser possuído, controlado e explorado”.
De acordo com o relatório, as sobreviventes de violência sexual detalharam “estupros coletivos incrivelmente brutais e prolongados”. Os autores dos atos seriam vários homens, muitas vezes ao mesmo tempo em que maridos, pais ou filhos das vítimas “foram forçados a assistir, impotentes para intervir.
As vítimas reincidentes são “mulheres de todas as idades” que contaram ter visto outras passando pela mesma experiência ao seu redor. Um dos casos é de uma vítima de seis homens forçada a dizer aos agressores que teria apreciado o ato sob ameaça de um novo estupro se ela o recusasse.
A Comissão destaca que a situação gera traumas que “garantem a destruição completa do tecido social”.
Sobreviventes
Sobre os detalhes do relatório a chefe dos especialistas destacou que qualquer leitor do documento “só pode começar a imaginar como é a vida dos sobreviventes”, no que considera como sendo ainda “apenas a ponta do iceberg.”
A publicação ressalta que “todos, dentro e fora dos governos” devem pensar no que podem fazer para prevenir novos atos de violência sexual e fornecer cuidados adequados aos sobreviventes.
O membro Andrew Clapham descreveu relatos de uma testemunha contando que uma amiga foi estuprada por um homem na floresta. O abusador disse que queria continuar a “se divertir”, tendo praticado o ato com um pedaço de lenha até que a vítima sangrasse até à morte.
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Várias adolescentes foram deixadas para morrer pelos estupradores enquanto sangravam muito. Uma equipe médica também relata que muitos sobreviventes sofreram o tipo e abuso por várias vezes ao longo da vida.
HIV
Muitas mulheres geram filhos após sofrerem estupros e, em muitos casos, as sobreviventes contraem infecções sexualmente transmissíveis, incluindo o HIV.
Após o estupro e a gravidez, elas são frequentemente abandonadas pelos maridos e famílias vivendo na miséria. Algumas gestantes que foram vítimas do ato sofreram abortos espontâneos.
Há relatos de maridos que passam anos em busca de esposas e filhas sequestradas sem saber seu destino. Alguns deles descobrem que elas foram vítimas de abuso de integrantes de grupos étnicos rivais e forçadas a ter vários filhos. Um dos homens ficou tão traumatizado que quis tirar a própria vida.
Na avaliação dos especialistas, os ataques geralmente em aldeias não foram incidentes oportunistas aleatórios, mas geralmente envolveram soldados armados caçando ativamente mulheres e meninas.
Os peritos consideram um escândalo que altos funcionários envolvidos na violência contra mulheres e meninas, incluindo ministros e governadores, não sejam imediatamente afastados do cargo e responsabilizados pelos atos.
“Tolerância zero”
Para o integrante da comissão Barney Afako, o fim da violência generalizada em conflitos e outros contextos requer de pessoas em posições de comando e outras autoridades que adotem uma política de “tolerância zero” de forma imediata e pública em relação à questão.
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O relatório defende que para entender a violência sexual relacionada ao conflito de forma integral, também ´preciso compreender o contexto social e cultural do tipo de abuso, que se dá “sob sistemas patriarcais com base na dominação e discriminação de gênero.”
Metade das mulheres sul-sudanesas casam-se antes de completar 18 anos e o país tem a maior taxa de mortalidade materna do mundo.
Publicado originalmente em ONU News