Sentada na biblioteca de seu pai, que abrange centenas de livros sobre política, história e literatura árabe, Qabas Banat, de somente 17 anos, prepara-se para suas provas finais do ensino médio, em junho próximo.
Qabas é a filha mais velha do ativista palestino Nizar Banat e ainda não compreende como as posições políticas de seu pai culminaram em sua morte. A família não poderá partilhar por completo momentos de felicidade, como a iminente formatura de Qabas no ensino médio
“Sonhamos por muito tempo viver esse momento juntos”, declarou Qabas à agência Anadolu. “Meu pai me prometeu, uma e outra vez, que comemoraríamos minha formatura, que teríamos muitas fotos juntos desse evento, mas ele foi morto. Eles nunca pensam na família, jamais pensaram em mim, em meus irmãos e irmãs”.
Qabas recordou que competia com seu pai sobre a leitura de novas obras para que pudessem discutir, antes da vida tornar-se bastante difícil devido à perseguição política, quando homens desconhecidos passaram a seguí-los dia após dia, sobretudo seu pai.
Na manhã de 24 de junho de 2021, mais de uma dúzia de policiais invadiram a casa da família na cidade de Hebron (Al-Khalil), na Cisjordânia ocupada, quando agrediram e detiveram Nizar Banat, notório por suas críticas sobre a Autoridade Palestina (AP) e seu presidente Mahmoud Abbas.
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Uma necrópsia confirmou que Nizar sofreu golpes na cabeça, mãos, pescoços, peito e pernas e morreu menos de uma hora depois de ser preso. O assassinato deflagrou manifestações nos territórios palestinos. Com efeito, o primeiro-ministro Mohammed Shtayyeh sentiu-se obrigado a instruir a formação de um comitê para investigar a matéria.
Segundo sua família, Nizar vivia separado da esposa e dos filhos desde um ataque incendiário contra sua residência, sob ameaças sucessivas em virtude de sua atividade política. Nizar fora indicado como candidato às eleições para o Conselho Legislativo Palestino — posteriormente, canceladas por Abbas.
Ghassan Banat, irmão do ativista assassinado, que acompanha os procedimentos legais contra os agentes envolvidos, indica que a liderança em Ramallah não mostra qualquer compromisso com o julgamento e tenta desmantelá-lo a todo custo.
“Eles estão tentando interromper nossos atos legais, ao oferecer quantias enormes em dinheiro desde a execução de Nizar, para fecharmos o caso”, insistiu Ghassan à agência Anadolu. “Agora, tentam convencer líderes tribais a nos pressionarem para abandonarmos nossas reivindicações por justiça contra aqueles que mataram meu irmão; ainda assim, rejeitamos todos os esforços”.
Ghassan observou que a Autoridade Palestina negligencia o caso há quatro meses, ao abordar indivíduos sem nenhuma relação com o caso ou com as sucessivas audiências. “Eles usam este método para protelar a duração do julgamento. Toda sessão, surgem novas testemunhas sem qualquer vínculo com os agentes de segurança ou qualquer relacionamento com meu irmão; a sessão é assim adiada cada vez mais”.
O assassinato de Nizar tornou-se um assunto público, mas a Autoridade Palestina preferiu prender e mesmo agredir centenas de palestinos que participaram dos protestos contra o episódio.
Por meio do Facebook, Ghassan mantém o público informado sobre todos os acontecimentos referentes ao caso, incluindo avanços judiciais, a fim de globalizar a matéria.
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Segundo Ramallah, a próxima audiência será dedicada a ouvir o médico legista responsável pela necrópsia — contudo, membro do chamado Serviço de Segurança Preventiva. “Ele vai dizer que meu irmão morreu de ataque cardíaco. Porém, eu tenho comigo dois laudos médicos oficiais de dois hospitais proeminentes em Hebron, eventualmente frequentados por Nizar, que enfatizam que meu irmão não sofria de qualquer doença crônica ou fatal”, reafirmou Ghassan.
Nizar Banat era um crítico ferrenho das políticas de Abbas e da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), sob comando do presidente octogenário. Dessa maneira, o ativista político fora preso diversas vezes pelas forças de segurança.
Em sua última entrevista à agência Anadolu, duas semanas antes do assassinato, Nizar reiterou suas críticas ao regime de Abbas e seus correligionários, ao argumentar que a OLP se concentra atualmente em “coletar dinheiro ao invés de mobilizar apoio pelo fim das décadas de ocupação israelense sobre as terras palestinas”.