Israel enxerga tudo e todos como ameaça existencial porque é um estado como nenhum outro; simplesmente não consegue fechar os olhos à noite e dormir tranquilo enquanto o mundo permanece agitado. Israel foi criado após décadas e décadas de jogatina das superpotências e mantém tamanho malabarismo até os dias de hoje. Isso tornou-se particularmente óbvio durante a invasão russa na Ucrânia: sob pressão de aliados ocidentais, Tel Aviv tende a favor de Kyiv enquanto suplica compreensão por parte de Moscou.
Contudo, as relações entre Rússia e Israel se degradam aceleradamente, enquanto o estado sionista vê-se obrigado a escolher um lado. Alegar que a ocupação israelense poderia agir como mediador do conflito é fantasioso, dado que a guerra na Ucrânia não é apenas uma disputa entre vizinhos, mas sim uma confrontação entre os próprios criadores da colonização da Palestina: Europa Ocidental e Estados Unidos, de um lado; Rússia, do outro. Israel, evidentemente, possui dívidas históricas com o bloco ocidental e — não importa o quanto alegue isenção — os russos bem sabem onde repousa sua verdadeira lealdade.
A posição israelense sobre a guerra na Ucrânia revelou-se por um comentário do chanceler Yair Lapid descrito pelo Kremlin como tendencioso. “É impossível permanecer indiferente diante das imagens horríveis da cidade de Bucha, perto de Kyiv, após a saída do exército russo”, afirmou Lapid em sua página do Twitter. “Atacar deliberadamente a população civil representa um crime de guerra e eu o condeno de maneira veemente”. Civis palestinos denunciaram a notória hipocrisia do ministro. Israel, todavia, também conferiu apoio aos esforços da Assembleia Geral das Nações Unidas para suspender a filiação da Rússia no Conselho de Direitos Humanos e encaminhar assistência à Ucrânia.
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A Rússia respondeu ao descrever a abordagem israelense como “tentativa timidamente camuflada de ganhar vantagem com a situação e distrair a comunidade internacional de um de seus mais antigos conflitos em aberto — a disputa israelo-palestina”. Nesta mesma toada, o Kremlin decidiu criticar as políticas israelenses na Cisjordânia ocupada, ao mencionar as prerrogativas da lei internacional. Moscou então acusou Israel de violar resoluções do Conselho de Segurança e da Assembleia Geral ao perpetuar a ocupação e aprofundar a anexação de terras palestinas. A chancelaria russa destacou que, como resultado de tais práticas, aproximadamente 2.5 milhões de palestinos na Cisjordânia permanecem isolados do resto do mundo em bantustões. Como se não bastasse, o ministério repudiou o bloqueio militar estabelecido sobre a Faixa de Gaza há mais de 14 anos e acusou Tel Aviv de tornar o pequeno território costeiro em uma “prisão a céu aberto”.
Moscou chegou ao ponto de demandar que as autoridades da ocupação israelense registrassem a custódia da Igreja de São Alexandre Nevsky em nome do estado russo, matéria procrastinada por Tel Aviv ao ponto de o presidente Vladimir Putin submeter uma carta pessoal ao premiê Naftali Bennett para resolvê-la imediatamente. De fato, a mudança estava prevista para acontecer há dois anos, como parte de um acordo para libertar um cidadão israelo-americano detido na Rússia por tráfico de drogas. Putin rechaçou ainda a recente escalada sionista na Mesquita de Al-Aqsa, em Jerusalém ocupada, e prometeu manter apoio na arena internacional ao Presidente da Autoridade Palestina Mahmoud Abbas.
Israel sabe que o estado russo possui diversos trunfos na mão e reconhece o preço a pagar em perder a conivência do Kremlin, sobretudo em sua fronteira com a Síria. Vasily Nebenzya, representante permanente da Rússia nas Nações Unidas, advertiu Israel durante encontro do Conselho de Segurança que seus “planos de assentamento nas Colinas de Golã ameaçam prejudicar a estabilidade regional”. Obviamente, a abordagem do Kremlin sobre os territórios ocupados pertencentes à Síria não representa novidade, mas o alerta de Nebenzya assumiu um contexto absolutamente diferente dessa última vez.
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Israel participa ainda de uma cúpula liderada pelos Estados Unidos em defesa da Ucrânia, onde não será representado pelo Ministro da Defesa Benny Gantz, ex-comandante máximo do exército sionista, mas sim por um general em exercício. Segundo o jornal israelense Jerusalem Post, ao invés de colaborar com o encontro de alto-escalão em política externa, Gantz participará de um evento do Dia de Memória do Holocausto
Previamente, Gantz anunciou que seu país enviaria roupas de proteção e capacetes a equipes de resgate e emergência que operam na Ucrânia e insistiu que as remessas não fossem entregues aos soldados. Entretanto, há sinais de que Israel não cumpriu sua palavra, não apenas porque Volodymyr Zelenskyy impôs enorme pressão ao estado sionista por não enviar itens de defesa, mas também porque o objetivo declarado da cúpula é armar a resistência ucraniana contra a invasão russa. O general Mark Milley, presidente do Estado-Maior Conjunto dos Estados Unidos, afirmou a repórteres que o “objetivo fundamental” das discussões em curso é coordenar a assistência de segurança a Kyiv, incluindo armamentos pesados.
À medida que Israel seja eventualmente obrigado a escolher um lado, as objeções russas aos abusos sionistas sobre as resoluções da ONU e a lei internacional podem deixar de ser meramente retórica, como acontece há mais de cinco décadas. De fato, isso pode levar Moscou a permitir que Teerã e o Hezbollah se beneficiem de seu descontentamento com Israel, ao expandirem sua presença na Síria. A influência do Kremlin pode ainda estender-se aos movimentos Hamas e Jihad Islâmica. Nada disso é apenas ficção. Todos sabem que a troca de lados é algo comum no Oriente Médio; contudo, há sempre um preço.
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