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A crise esquecida de Mosul: Os órfãos da guerra contra o Estado Islâmico

Omar (centro), que perdeu sua família no confronto entre tropas do governo e o grupo terrorista Estado Islâmico (Daesh), senta-se com soldados do Serviço de Contraterrorismo (CTS), após deixar a Cidade Velha de Mosul, no Iraque, em 3 de julho de 2017 [Ahmad al-Rubaye/AFP via Getty Images]

Em 2014, quando combatentes do grupo terrorista Estado Islâmico (Daesh) tomaram controle de grande parte do território iraquiano, a cidade de Mosul tornou-se o principal bastião da entidade jihadista. Após a captura, o Daesh lançou uma campanha de terror contra a comunidade civil. Em 2016, tropas iraquianas avançaram para retomar a região; após mais de nove meses de duras batalhas, enfim conseguiu libertá-la.

Cinco anos depois, o movimento retorna às ruas da cidade e as pessoas buscam reconstruir suas vidas. Porém, certas cicatrizes nunca desaparecem e a reabilitação mostra-se um desafio às crianças, muitas das quais cresceram somente com a devastação e o sofrimento.

Embora não haja dados oficiais sobre quantas crianças perderam seus pais durante a guerra contra o Daesh, estima-se dezenas de milhares. Para aqueles cujos pais foram assassinados por combatentes extremistas, ir adiante significa, muitas vezes, lidar com os traumas sem ter alguém para auxiliá-los adequadamente. Boa parte dos órfãos encontram-se em custódia de parentes distantes ou amigos da família.

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“Meu melhor era um pai solteiro que trabalhava como policial durante as operações contra o Daesh. A certa altura, os jihadistas o encontraram, levaram-no da cidade e o mataram”, recordou Muhammad, que adotou um menino órfão. Muhammad mostra fotografias que serviram como evidência para o inquérito policial sobre o caso. O homem tem as mãos atadas nas costas e foi baleado na cabeça. Muhammad tinha dois filhos; agora, tem de criar três meninos. “Ele é como meu filho, eu jamais poderia abandoná-lo. Seu pai e eu éramos muito próximos, eu tinha de fazê-lo”.

O menino à esquerda perdeu seu pai na guerra contra o Daesh [Katarzyna Rybarczyk]

Infelizmente, ao longo dos anos, o governo iraquiano ofertou pouquíssima assistência aos lares que adotaram os órfãos do conflito e nem todas as crianças encontraram novos guardiões. Centenas de crianças continuam desabrigadas e não têm escolha senão pedir dinheiro nas ruas e revirar as lixeiras em busca de alimento. Muitos menores de Mosul trabalham para ajudar a sustentar suas famílias, tradicionalmente sob a supervisão dos pais. Os órfãos, por outro lado, são vulneráveis à exploração e ao trabalho infantil, sob condições perigosas e insalubres. Muitas vezes, abandonam a escola, o que perpetua o ciclo de miséria dentre a comunidade.

Órfãos desabrigados pedem dinheiro nas ruas de Mosul [Katarzyna Rybarczyk]

As crianças carregam ainda os efeitos psicológicos da guerra por anos e anos. De maneira geral, ter uma família serve como rede de segurança a menores com depressão e transtorno de estresse pós-traumático. As crianças precisam de afeto ao longo de sua formação: perder os pais em virtude da guerra e enfrentar doenças mentais desde muito cedo mostra-se extremamente desafiador.

Apesar de algumas famílias sustentarem ou auxiliarem os órfãos do conflito, a pobreza em Mosul é generalizada. Anos de violência destruíram a economia local e muitas pessoas continuam desempregadas. Encontrar recursos para arcar com os custos cotidianos de água, comida, educação ou serviços de saúde é bastante complicado aos núcleos familiares tradicionais. Nessa situação, adotar e sustentar mais uma criança pode ser desesperador.

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Mesmo prover acomodação adequada é um problema em Mosul, dado que o Daesh destruiu boa parte da infraestrutura. Muitas casas se tornaram inabitáveis e não há dinheiro para reconstruí-las ou reformá-las. As famílias vivem entre os escombros, em condição de miséria. Frequentemente, todos dormem em um único cômodo. A superpopulação reduz ainda a qualidade de vida e as oportunidades de ensino.

O Daesh foi derrotado na cidade; todavia, a população civil – sobretudo os órfãos – ainda sente as consequências da guerra. Restabelecer um sentimento de segurança e criar um ambiente favorável ao desenvolvimento das crianças e jovens é essencial para reabilitar Mosul.

Os órfãos do conflito contra o Daesh são um verdadeiro desafio humanitário tanto ao governo iraquiano quando aos estados ocidentais e merecem mais atenção. É preciso que não se tornem a geração perdida de todo um país, condenada a viver nas ruas e lutar para sobreviver.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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