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Soldados israelenses em Gaza ostentam má conduta

O novo esquema de Israel para anexar a Cisjordânia ocupada

Soldados israelenses reprimem protesto contra a evacuação de aldeias palestinas para dar lugar a uma ‘zona de treinamento militar’, em Yatta, na região de Hebron (Al-Khalil), no sul da Cisjordânia ocupada, em 20 de maio de 2022 [Hazem Bader/AFP via Getty Images]

Em 4 de maio, a Suprema Corte de Israel decidiu que a região de Masafer Yatta, na parte sul das colinas de Hebron (Al-Khalil), na Cisjordânia ocupada, será expropriada por completo pelo exército sionista e que a população— pouco mais de mil palestinos nativos — será expulsa de suas terras. A decisão judicial é pouquíssimo surpreendente. A ocupação militar israelense não é exercida apenas por meio de armas e soldados, mas também sob elaboradas estruturas políticas, econômicas e judiciais dedicadas à expansão dos assentamentos ilegais e à vagarosa — por vezes, nem tanto — expulsão dos palestinos.

Quando os palestinos dizem que a Nakba (“catástrofe”) — que levou à limpeza étnica de suas terras ancestrais e à criação do Estado de Israel sobre seus escombros, em 1948 — é um projeto ainda em curso, é exatamente o que querem dizer. O deslocamento forçado dos residentes palestinos de Jerusalém Oriental e o tormento sem fim dos beduínos no Negev (Naqab), e agora em Masafer Yatta, são evidências claras desta realidade.

Contudo, Masafer Yatta é particularmente único. No caso de Jerusalém Oriental, por exemplo, Israel adotou a falácia anacrônica de que se trata da capital “eterna e indivisível” do povo judeu. Então, combinou sua narrativa infundada a ações militares em campo, sucedidas por um processo sistemático de aumento da população judaica e despejo dos habitantes nativos. Conceitos como “Grande Jerusalém” e as estruturas legais e políticas que permeiam a ocupação, como o Plano-Mestre de 2000, sempre buscaram reduzir a absoluta maioria palestina em Jerusalém e uma minoria cada vez mais minguante.

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Na região do Negev, os objetivos de Israel foram postos em ação logo em 1948 e novamente três anos depois. Não obstante, o veemente processo de limpeza da população nativa permanece em vigor até os dias de hoje.

Embora Masafer Yatta seja parte do mesmo esquema colonial, sua singularidade decorre do fato de que está situado na chamada Área C da Cisjordânia ocupada. Em julho de 2020, autoridades israelenses decidiram adiar seu plano de anexar ilegalmente quase 40% da Cisjordânia ocupada, possivelmente por receio de um levante palestino e do escrutínio da comunidade internacional. O projeto, todavia, foi adiante com todas suas armas, exceto pela publicidade.

A anexação de grandes partes da Cisjordânia poderia significar que Israel quer tornar-se responsável pelo bem-estar das comunidades palestinas radicadas na região. Como entidade colonial, no entanto, o estado sionista deseja as terras, mas não o povo. Na matemática israelense, a anexação sem antes expulsar a população nativa poderia levar a um pesadelo demográfico, de modo que foi necessário reinventar o mecanismo de expropriação. A anexação de jure foi efetivamente “adiada”, mas a anexação de facto continua, com pouquíssima ou nenhuma atenção das forças políticas ou da imprensa internacional.

O veredito israelense sobre Masafer Yatta — cuja execução já teve início com a brutal expulsão da família Najjar, em 11 de maio — representa um passo categórico para a anexação da chamada Área C, sob controle absoluto da ocupação. Caso Israel possa despejar impunemente os mais de mil palestinos das doze aldeias alvejadas, outras campanhas de evacuação compulsória devem vir a seguir, não apenas em Hebron, mas em todo o território ocupado.

Idoso palestino enfrenta soldado israelense durante protesto contra a evacuação de aldeias palestinas para dar lugar a uma ‘zona de treinamento militar’, em Yatta, na região de Hebron (Al-Khalil), no sul da Cisjordânia ocupada, em 20 de maio de 2022 [Hazem Bader/AFP via Getty Images]

Os residentes palestinos de Masafer Yatta e sua representação legal sabem muito bem que não há “justiça” de verdade por parte do establishment israelense. Não obstante, continuam a travar sua batalha nos tribunais, na vaga esperança de que uma combinação de fatores, incluindo solidariedade e pressão externa, possam alimentar algum êxito em convencer Israel a postergar planos de destruição e judaização de toda a região.

Entretanto, os esforços palestinos — adotados desde 1997 — parecem ser em vão. A decisão da Suprema Corte de Israel toma como base um argumento bizarro e falacioso de que os palestinos de Masafer Yatta não podem provar sua residência antes de 1980, quando o governo israelense decidiu transformar as terras na chamada “Zona de Disparos 918”.

A defesa palestina recorre em parte a documentos do período jordaniano e documentos oficiais da Organização das Nações Unidas (ONU) que reportam ataques sionistas contra aldeias em Masafer Yatta, em 1966. O governo da Jordânia, que administrou a Cisjordânia até 1967, indenizou alguns dos residentes pela perda de suas “casas de pedra” — não tendas —, além de animais e outras propriedades, destruídas pelas tropas israelenses. Os palestinos tentaram utilizar tais provas para demonstrar sua existência, não como um grupo nômade, mas sim como uma comunidade enraizada. A corte israelense ignorou os documentos e decidiu a favor da ocupação, em detrimento dos direitos consagrados da população nativa.

As zonas de disparo de Israel ocupam quase 18% da área total da Cisjordânia ocupada. É um dos diversos mecanismos adotados por Tel Aviv para estabelecer uma reivindicação supostamente legal sobre as terras palestinas e eventualmente obter sua posse. Muitas dessas zonas de disparo estão localizadas na Área C e representam um dos métodos pelo qual a ocupação israelense expropria propriedades palestinas com apoio dos tribunais.

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Agora que o exército conseguiu “adquirir” Masafer Yatta — região estimada entre 32 e 56 km² —, com base em desculpas vagas, há uma jurisprudência para garantir a limpeza étnica de comunidades semelhantes em diversas partes da Palestina histórica.

Embora as discussões na imprensa sobre o esquema de anexação israelense da Cisjordânia e do Vale do Jordão tenham quase desaparecido, o estado colonial sionista prepara-se para uma expropriação exponencial. Ao invés de tomar 40% da Cisjordânia de uma única vez, Israel captura pequenas parcelas de terras como Masafer Yatta — um passo de cada vez. As autoridades sionistas buscam eventualmente conectar as áreas anexadas aos assentamentos ilegais instalados por toda a região, por meio de rodovias de uso exclusivamente judaico.

Essa estratégia alternativa não somente permite a Israel contornar críticas internacionais, como anexar terras enquanto gradualmente expulsa os palestinos. O pressuposto, portanto, é evitar o desequilíbrio demográfico antes mesmo que ocorra.

O que está acontecendo em Masafer Yatta não é meramente o maior esquema de limpeza étnica perpetrado por Israel desde 1967, mas também o provável primeiro passo de um esquema muito maior de expropriação ilegal de terras, expulsão das comunidades nativas e anexação em massa.

Israel não pode ter sucesso em Masafer Yatta. Caso tenha, seu esquema original de roubo de terras pode se tornar realidade no futuro próximo.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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