clear

Criando novas perspectivas desde 2019

Estupro foi usado ‘sistematicamente’ durante Guerra Civil do Líbano, confirma estudo

10 de junho de 2022, às 14h08

Combatentes cristãs do partido falangista Kataeb durante treinamento em uma área entre o porto de Jounieh e a aldeia de Zahle, no oeste do Líbano [Erich Stering/AFP via Getty Images]

Um novo estudo revelou a dimensão dos crimes cometidos contra meninas e mulheres durante os 15 anos de Guerra Civil no Líbano (1975-1990) — conflito que ceifou mais de cem mil vidas e deslocou ao menos um milhão de pessoas.

O estudo denominado “Fomos estupradas de todas as formas possíveis, formas inimagináveis: Crimes de gênero durante a Guerra Civil” foi conduzido pela organização de direitos humanos Legal Action Worldwide (LAW) e colheu testemunhos de mulheres libanesas e palestinas que sofreram violência sistêmica tanto por forças do governo quanto por milícias sectárias.

Muitas sobreviventes falaram sobre seu trauma pela primeira vez em mais de três décadas — “jamais nos perguntaram”, disseram algumas vítimas. Outras indicaram temores de que suas famílias fossem constrangidas pelas denúncias.

Outro fator para o silêncio refere-se a “décadas de amnésia coletiva” e esforços para culpar ou constranger sobreviventes e familiares, o que lhes concedeu um status de “vítimas em dobro” — primeiro, de violência sexual; então, do “fracasso irrestrito para responsabilizar indivíduos e agentes públicos por tais graves violações ou sequer para reconhecer sua ocorrência”.

Detalhes chocantes e hediondos incluem estupro coletivo, mutilação genital, tortura sexual e humilhação sistêmica. Dentre os incidentes: eletrochoques nos seios e genitais e coação para que as mulheres fossem despidas e prostituídas.

LEIA: Israel e EUA discutiram remover refugiados palestinos do Líbano, reporta Haaretz

O estupro, elucidou o relatório, foi adotado como “método de guerra para perseguir pessoas de comunidades em particular, humilhá-las, dissuadí-las de sua resistência e emascular familiares”.

Amira Radwan, agora com 54 anos, recordou testemunhar o estupro em massa de meninas da aldeia de Kfar Matta, cenário de um infame massacre contra a comunidade drusa pelas Forças Libanesas, grupo paramilitar de denominação cristã.

“Eles costumavam amarrar o pai e os irmãos e fazê-los assistir ao estupro”, declarou Radwan, ao relembrar casos de mulheres violentadas com garrafas de vidro.

O relatório reivindicou maior documentação dos crimes de gênero — “para reagir à narrativa predominantemente masculina das guerras civis e amplificar as vozes das sobreviventes e das vítimas”. Todavia, o documento reiterou que é preciso registrar também os casos de violência sexual contra meninos e homens.

Após o fim da Guerra Civil do Líbano, em 1991, uma legislação de anistia foi aprovada para conceder imunidade a crimes contra a comunidade civil. Segundo estudo, cerca de 99% da população rejeita a anistia, que perpetuou a impunidade e negou a sobreviventes o devido acesso à justiça.

ASSISTA: A invasão do Líbano em 1982