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Soldados israelenses em Gaza ostentam má conduta

Oposição síria derrotará Assad, enquanto Moscou afunda-se na Ucrânia?

Protesto civil na região de Azaz, Síria, em 22 de outubro de 2021 [Bekir Kasim/Agência Anadolu]
Protesto civil na região de Azaz, Síria, em 22 de outubro de 2021 [Bekir Kasim/Agência Anadolu]

Momentos cruciais raramente se apresentam, mas quando o fazem trazem-se consigo um verdadeiro ponto de inflexão na história humana. A dinâmica dos poderes em toda uma região pode ser alterada, interesses governamentais sofrem uma reviravolta e desfavorecidos e coadjuvantes tornam-se, ao menos em parte, os protagonistas da arena geopolítica.

É esta a oportunidade apresentada pela história aos grupos da oposição síria, enfraquecidos após quase uma década de intervenção militar de Moscou. Agora, em meio à invasão ordenada por Vladimir Putin contra a vizinha Ucrânia — cujo início remonta a fevereiro e cujo final é incerto —, os rebeldes sírios podem deparar-se afinal com uma janela de resistência, perante a repressão brutal do regime de Bashar al-Assad.

Os números são contestáveis, mas estima-se que o exército russo perdeu mais de 30 mil soldados no território ucraniano até então. As baixas, no entanto, são relativamente escassas, considerando que Moscou desfruta ainda de centenas de milhares de combatentes e mercenários a seu dispor. Há relatos de que o Kremlin enviou batalhões inteiros de cadetes como bucha de canhão às vanguardas na Ucrânia, ao conservar suas tropas táticas e especializadas na reserva.

Pouco importam os rumores, é difícil negar que o exército russo permanece atolado na Ucrânia, o que constrangeu o Kremlin a remover tropas numerosas de suas operações na Síria e na Líbia. Estimativas indicam a retirada de centenas ou mesmo milhares de combatentes e mercenários. Pouco importa a escala, a retirada é um fato.

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Divisão entre rebeldes

Um dos principais fatores a ser considerado quando avaliamos a possibilidade de uma nova ofensiva oposicionista contra Assad é a divisão entre as forças rebeldes. A revolução está longe de seus dias áureos — desfrutados há cerca de dez anos —, quando o Exército Livre da Síria (ELS) reunia influência territorial, contingente armado e apoio de grande parte da comunidade internacional.

As organizações revolucionárias de fato se fragmentaram em diversas facções e movimentos — alguns islâmicos, outros nacionalistas e seculares; alguns com apoio dos Estados Unidos ou Turquia, outros com caráter etnocêntrico como as unidades da militância curda. Para agravar ainda mais a situação, o mundo já não parece mais concentrado ou mesmo cativado pelo conflito na Síria, o que relegou à resistência local pouco ou nenhum apoio internacional para restaurar sua capacidade ofensiva.

No presente contexto, as facções com maior capacidade e poderio para lançar uma ofensiva contra Assad são grupos islâmicos radicados no noroeste do país — com destaque para o Hay’at Tahrir al-Sham (HTS), dissidente da organização terrorista al-Qaeda. Nos anos recentes, a organização se tornou hegemônica na província de Idlib, ao agir como entidade militar para a frente civil denominada “Governo da Salvação”.

 

 

Assad está destruindo a economia síria? [Sabaaneh/Monitor do Oriente Médio]

Assad está destruindo a economia síria? [Sabaaneh/Monitor do Oriente Médio]

Após anos de experiência em combate contra no sul de Idlib e nas montanhas de Jabal Zawiya e arredores, o HTS angariou capacidade mínima para deflagrar ataques contra as posições do regime. Sua posse de artilharia pesada de longo alcance também favorece sua disposição.

Apresar de sua suposta destreza militar, o HTS mantém-se ocupado em reprimir facções adversárias no noroeste da Síria, o que incita ceticismo sobre seus objetivos em combater o regime. Sua liderança alega que tais esforços decorrem de metas de longo-prazo para unificar a oposição. No entanto, sua performance precária contra Assad e aliados em 2020 — cuja ofensiva resultou na perda considerável de territórios oposicionistas e cidades estratégicas a Assad — também coloca em dúvida sequer sua envergadura de defesa ou mesmo sua honestidade em priorizar a revolução.

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Assad ou os curdos?

O Exército Nacional da Síria (ENS), descendente direto do Exército Livre, que governa partes do norte e noroeste do país e que recebe apoio da Turquia, também parece ter abandonado a missão de restabelecer ataques contra Assad. Ao contrário, concentra seus esforços para coligar-se à operação turca contra grupos paramilitares curdos radicados na região.

Tamanho alinhamento deriva sobretudo do apoio efetivo de Ancara ao Exército Nacional e seus grupos por procuração. Todavia, resulta também do fato de que militantes curdos controlam áreas diretamente adjacentes aos territórios da coalizão alinhada à Turquia, o que incorre em interesses próprios na iminente operação. A questão que tais grupos da oposição têm de responder, não obstante, é quem é sua maior ameaça: os curdos ou Assad?

Parece cada vez mais evidente que a sala de operações Fath al-Mubeen — estabelecida para representar uma frente unitária para combater Damasco, cuja fundação e liderança incide sobretudo ao Hay’at Tahrir al-Sham e ao Ahrar al-Sham, filiado ao Exército Nacional — permaneça inoperante no futuro próximo.

Ainda há, obviamente, o cessar-fogo promovido por Rússia e Turquia, assinado em março de 2020, que formalmente impede as tropas de Assad e seus parceiros estrangeiros a atacar territórios rebeldes e vice-versa. No entanto, qualquer um com conhecimento mínimo sobre a situação no noroeste da Síria desde a assinatura do acordo confirma inúmeras violações — principalmente por iniciativa de Damasco ou Moscou —, de modo que o armistício supostamente em vigor é meramente nominal.

A ideia de aproveitar a oportunidade concedida pelo atoleiro russo na Ucrânia não é ignorada, contudo, por todos os segmentos da oposição síria. A edição de março da revista mensal Balagh — publicada por figuras contrárias ao HTS no noroeste da Síria, incluindo religiosos — reconheceu que o “inimigo russo está preso em uma árdua guerra de atrito, que levou à retirada de soldados de muitos lugares para empregá-los na campanha ucraniana, incluindo a transferência seus melhores soldados radicados na Síria para a Ucrânia, após adquirirem experiência de combate na região”.

O editorial lamentou que “apesar do extensivo desgaste e constrangimento dos russos, a situação [isto é, referente à liderança rebelde] na Síria continua estática. Os líderes que foram compelidos à revolução estão satisfeitos com seu papel de espectador, restrito meramente a uma variedade de exclamações”.

O texto acusou ainda o Hay’at Tahrir al-Sham e o Exército Nacional da Síria de assumir controle de recursos da revolução, ao descrevê-los como “nada mais senão escravos que operam conforme os ditames de seus mestres e não os interesses da população”. Além disso, condenou a liderança por políticas repressivas e disputas internas, em detrimento da janela de oportunidade concedida pela guerra na Ucrânia. Segundo o editorial, os grupos “tornaram-se odientos aos olhos da comunidade armada; impuseram um verdadeiro cerco sobre a população carente; e conduziram um censo completo para vigiar as comunidades, seu passado, suas atividades e todos os detalhes, como se transcendessem pouco a pouco a um aparato próprio de segurança”. Essa mesma liderança, concluiu o texto, “provavelmente trará a queda da oposição, como fez no passado, conforme o histórico de seus fracassos militares que levaram à grave perda de territórios que nos é notável e familiar”.

Caso os grupos rebeldes eventualmente decidam conduzir uma ofensiva contra Assad, enquanto Moscou permanece distraída com sua invasão na Ucrânia, no entanto, há riscos a serem considerados. Primeiro, a Rússia ainda mantém sua presença militar — embora aparentemente reduzida — no país levantino e alguns de seus jatos combatentes continuam estacionados na base aérea de Khmeimim, perto de Latakia.

Há também a presença de milícias iranianas, de modo que muitos analistas preveem a ascensão de Teerã no território sírio em meio à retirada de Moscou. Como se não bastasse, não há qualquer garantia de que a Turquia exerça seu apoio à oposição, caso conduza uma operação contra as posições de Damasco, como ocorreu dois anos atrás — na ocasião, motivada meramente pela morte de soldados turcos nas mãos de soldados do governo sírio.

Essa amálgama de realidades colidentes implica que qualquer ofensiva rebelde na Síria enfrentará obstáculos severos. Contudo, as forças da Rússia — de longe, o elemento mais decisivo para as sucessivas derrotas da oposição ao longo dos anos — estão concentradas em outro lugar. A “revolução” tem, portanto, uma rara oportunidade de voltar à vida.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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