A Arábia Saudita terceirizou parcialmente a peregrinação do Hajj a uma companhia vinculada ao partido governista da Índia, notório por posições nacionalistas, islamofóbicas e de ultradireita. O relato remete ao conteúdo das reformas de Mohammed bin Salman, príncipe herdeiro e governante de fato da Arábia Saudita, sobre o processo de peregrinação.
Na última semana, a monarquia islâmica anunciou que peregrinos da Europa, Estados Unidos e Austrália teriam de solicitar vistos de viagem através do portal online Motawif, sob pretexto de dissuadir fraudes cometidas por agências “falsas”.
O novo processo – no qual os escolhidos ganham sua vaga via “loteria automática” e compram passagem e acomodação diretamente do governo saudita – representou uma alteração súbita sobre as décadas de uso de agências de viagem devidamente aprovadas.
A reforma de bin Salman, todavia, atraiu outra controvérsia. Segundo informações, o portal público Motawif e seu sistema de aplicação online tem ao menos um investidor próximo do partido Bharatiya Janata (BJP), que governa a Índia na figura do premiê Narendra Modi
O partido governista é conhecido pela implementação de políticas discriminatórias contra a minoria islâmica e por incitar a perseguição de muçulmanos em toda a Índia.
Conforme reportagem da rede britânica Middle East Eye, Prashant Prakash – vice-presidente e acionista da empresa Accel India – foi um dos principais investidores na contratação saudita do sistema de aplicação online do novo processo de peregrinação.
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Em 2016, Prakash levou a corretora a uma parceria com duas outras operações, que resultaram no investimento de US$7 milhões na empresa indiana Traveazy, sediada em Dubai, para que se materializasse a contratação exclusiva dos serviços referentes ao portal Motawif.
A companhia então estabeleceu uma subsidiária sob o nome-fantasia Holidayme e, em 2018, também criou a Umrahme, responsável pela indústria de turismo religioso a países islâmicos.
A revista Forbes referiu-se à Umrahme como “uma das únicas três companhias autorizadas pelo Ministério de Assuntos Religiosos a vender produtos islâmicos a agentes de viagem globais”. Em 2020, segundo a publicação, a subsidiária foi classificada em quinto lugar dentro das 50 maiores startups do Oriente Médio.
Desde 2020, Prakash é membro do Conselho Nacional Consultivo de Startups da Índia. No ano seguinte, tornou-se também conselheiro estratégico de Basavaraj Bommai, aliado próximo do premiê Modi e ministro-chefe do estado indiano de Karnataka.
Durante o mandato do Bharatiya Janata, desde 2014, em meio a políticas repressivas contra a minoria islâmica e a ascensão da islamofobia e do ultranacionalismo hindu, Prakash enalteceu diversas vezes Modi e outros agentes públicos por tais ações.
A Accel India é ainda investidora de longa data em startups israelenses. Indícios apontam investimento de mais de US$350 milhões no estado ocupante, entre 2002 e 2016.
Além das relações entre a empresa, por um lado, e o governo extremista da Índia e de Israel, por outro, seu papel na peregrinação islâmica incita outra preocupação. Críticos alertam que dados de milhões de muçulmanos registrados no portal Motawif podem ser utilizados por Prakash e seus correligionários de maneira pejorativa.
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