Quinze anos se passaram desde que Israel impôs um cerco absoluto sobre a Faixa de Gaza, submetendo dois milhões de palestinos a um dos mais extensos e cruéis bloqueios de motivação política da história humana. A princípio, o governo israelense justificou o cerco como única maneira de proteger Israel de foguetes e “ataques terroristas” conduzidos pelo lado palestino. Trata-se da versão oficial da ocupação até os dias de hoje. No entanto, pouquíssimos israelenses — seja no governo, na imprensa ou mesmo na sociedade civil — argumentariam que o estado sionista é atualmente mais seguro do que nas vésperas de junho de 2007.
É senso comum que Israel impôs o cerco como resposta à tomada do poder do Hamas na Faixa de Gaza, após uma breve — porém violenta — confrontação entre o movimento islâmico, governante de facto do pequeno território, e seu principal adversário político, o Fatah, que administra a Cisjordânia ocupada por meio de sua hegemonia na Autoridade Palestina. Entretanto, o isolamento compulsório de Gaza foi planejado anos antes de ambas as partes efetivamente colidirem e ainda antes da vitória eleitoral do Hamas, em janeiro de 2006.
Na realidade, o falecido premiê israelense Ariel Sharon estava determinado a reposicionar as forças da ocupação ao redor de Gaza muito antes de tais incidentes, com o objetivo de materializar o cerco. O plano foi proposto por Sharon em 2003, aprovado por seu governo no ano seguinte e finalmente deferido pelo parlamento (Knesset) em fevereiro de 2005, culminando na retirada militar de Gaza entre agosto e setembro daquele ano.
O “desengajamento” foi a tática adotada por Tel Aviv para remover alguns milhares de colonos ilegais da Faixa de Gaza ocupada — então alocados a outros assentamentos ilegais na Cisjordânia —, ao transferir seu contingente armado dos centros superpovoados do território costeiro para as áreas de fronteira nominal. Foi assim que teve início o cerco a Gaza.
O pressuposto supracitado ficou evidente até mesmo a James Wolfensohn, então designado como enviado especial do chamado Quarteto do Oriento Médio para os esforços de desengajamento. Em 2010, concluiu Wolfensohn: “Gaza foi efetivamente isolada do mundo externo desde a retirada israelense … e as consequências humanitárias e econômicas à população palestina são bastante profundas”.
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O verdadeiro motivo deste “desengajamento” jamais foi a segurança de Israel — ou sequer a inanição dos residentes palestinos, como esforço de punição coletiva. De fato, a fome e a miséria são consequências naturais de um intuito ainda mais sinistro, enunciado até mesmo por um assessor próximo de Sharon na ocasião. Em entrevista ao jornal israelense Haaretz, em outubro de 2004, Dov Weisglass declarou de maneira bastante transparente: “A importância do desengajamento é congelar o processo de paz. Ao congelar o processo, prevenimos a criação de um estado palestino e impedimos o debate sobre refugiados, fronteiras e Jerusalém”.
Não somente tratava-se do objetivo último por trás da retirada e do consequente cerco, como também, segundo o político veterano do estado israelense, tudo ocorreu sob “a bênção da presidência e ratificação de ambas as câmaras do Congresso dos Estados Unidos”. Na época, o presidente americano era ninguém menos que George W. Bush.
Toda essa tramitação antecedeu as eleições legislativas na Palestina ocupada, que resultaram na vitória do Hamas e nos confrontos com o partido Fatah. A disputa entre as partes convenientemente serviu de pretexto para tudo aquilo que já fora debatido, aprovado por Washington e mesmo implementado em campo.
Para Tel Aviv, o cerco foi um complô político que demandou esforços retóricos e aquisição de valor no decorrer do tempo. Em resposta às acusações de punição coletiva impostas pelo bloqueio militar, Weisglass respondeu de imediato: “A ideia é colocar os palestinos em uma dieta, e não os fazer morrer de fome”.
O que foi propagandeado como uma declaração jocosa, embora imprudente, acabou sendo a verdadeira política do Estado de Israel, como revelado por um relatório de 2008 divulgado quatro anos depois. Graças à ong israelense de direitos humanos Gisha, as “diretrizes para o consumo alimentar de Gaza” — estabelecidas pela Coordenadoria de Atividades Governamentais nos Territórios Palestinos — tornaram-se conhecidas. Revelou-se que Tel Aviv calculou o mínimo de calorias necessárias para a subsistência da população local, número “ajustado à cultura e experiência” da Faixa de Gaza.
O restante é história. O sofrimento de Gaza é absoluto, com apenas 2% de água potável disponível à população carente. Os hospitais locais carecem de insumos básicos e medicamentos para salvar vidas. A liberdade de movimento — com origem ou destino de Gaza — praticamente não existe, salvo pequenas exceções.
Mesmo assim, Israel falhou miseravelmente — nenhum de seus objetivos foi alcançado. O governo israelense esperava que seu “desengajamento” convencesse a comunidade internacional a redefinir o status legal da ocupação em Gaza. Apesar da pressão de Washington, nada mudou. A Faixa de Gaza continua sob designação de território palestino ocupado, conforme a lei internacional. Em setembro de 2007, Tel Aviv rotulou Gaza como “entidade inimiga” e “território hostil”; novamente, pouco mudou — exceto como desculpa para executar uma série de guerras devastadoras contra a população local, a começar pelo fim de 2008.
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Nenhuma dessas guerras obteve êxito estratégico de longo prazo. Ao contrário, Gaza continua a resistir em maior escala do que jamais foi capaz, ao frustrar as maquinações dos líderes israelenses — fato que se tornou evidente pela linguagem aterradora adotada pelos próprios. Durante uma das mais mortais ofensivas contra Gaza, em julho de 2014, o parlamentar conservador Ayelet Shaked escreveu no Facebook: “Nossa guerra não é contra o terror, sequer contra extremistas ou a Autoridade Palestina … é uma guerra entre dois povos. Quem é o inimigo? O povo palestino”. Uma no depois, Shaked foi nomeado Ministro da Justiça de Israel.
Em suma, os governos de Ariel Sharon, Tzipi Livni, Ehud Olmert, Benjamin Netanyahu e Naftali Bennett, todos fracassaram em isolar Gaza de um organismo palestino mais abrangente. Tampouco foram capazes de subjugar a força de vontade dos residentes de Gaza ou asseverar a segurança israelense às custas dos palestinos.
Israel caiu na armadilha de sua própria arrogância. Prorrogar o cerco demonstra-se diariamente um fracasso estratégico de curto ou longo prazo. Encerrá-lo, todavia, seria equivalente a admissão de derrota, capaz de motivar os palestinos da Cisjordânia ocupada a emular o modelo de resistência adotado em Gaza. A incerteza acentua ainda a crise política em âmbito doméstico e a falta de visão que define sucessivos governos israelenses há quase duas décadas.
O experimento político imposto por Israel na Faixa de Gaza inexoravelmente saiu pela culatra. A única saída é revogar integralmente o cerco. Não atenuá-lo, mas sim encerrá-lo. Por completo. Dessa vez, de uma vez por todas.
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