Conforme a legislação egípcia, todo cidadão tem o direito a ser contratado para servir seus conterrâneos “com base em competência e mérito”. O funcionalismo público é supostamente “confiado àqueles que desejam servir ao povo e o estado garante seus direitos, proteção e a condução de seus deveres em tratar dos interesses comuns”. Portanto, é expressamente “proibido discriminar os trabalhadores com base em sua religião, gênero ou qualquer outra razão”. Pelo menos, é esta a lei.
Contudo, o Ministério da Educação e os serviços de segurança do regime militar no Egito ignoram a constituição e uma série de compromissos que buscam prevenir atos discriminatórios de qualquer natureza. Na última semana, o governo anunciou a realização de investigações policiais sobre candidatos a vagas abertas de professores, com o objetivo de determinar seu histórico político e religioso. Candidatos que computarem qualquer tendência a discordar do presidente e general Abdel Fattah el-Sisi serão sumariamente excluídos do processo seletivo e mesmo do mercado de trabalho.
Segundo Reda Hegazy, vice-ministra da educação, um inquérito de segurança será imposto a todos os candidatos ao trabalho docente. A medida, confirmou Hegazy, é diferente da costumeira averiguação dos antecedentes criminais.
Outro funcionário do ministério indicou que o inquérito terá caráter de segurança, com o objetivo de expor vínculos dos candidatos a grupos ideológicos rotulados pelo regime militar de Sisi como “extremistas”. Os novos professores, insistiu o governo, devem exercer “comportamento normal”, tampouco serem considerados hostis ao “estado”. O pretexto – como de costume – é proteger os estudantes.
Isso significa que os serviços de segurança terão controle absoluto sobre a nomeação dos professores. O novo procedimento robustece o domínio opressivo do regime sobre a população e abre as portas para a corrupção, devido à falta de supervisão real aos serviços de segurança. Sobretudo, impõe um “critério de segurança” a competência e mérito.
A ingerência no setor da educação procedeu ações semelhantes em outras funções, para as quais a lealdade política e ideológica tornou-se pré-requisito. Para além de indicações a serviços referentes à segurança pública – incluindo no Ministério do Interior e das Forças Armadas –, nomeações ao judiciário do Egito são rigorosamente controladas pelo aparato do regime, com objetivo de comprovar anuência dos candidatos aos padrões intelectuais, políticos e sexuais adotados por Sisi e seus correligionários.
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Agentes de inteligência também abrem espaço a empresas que favorecem projetos do exército e vetam aquelas que carecem de demonstrações públicas de filiação ao regime. É assim que militares da reserva fundam e administram companhias multimilionárias, em parceria notoriamente corrupta com as Forças Armadas, sem qualquer requisito técnico.
Trata-se de uma extensão das medidas adotadas por Sisi para asseverar a exclusão de qualquer suspeito de oposição. Seu mais recente avanço foi uma legislação de agosto para exonerar funcionários públicos supostamente vinculados a “grupos terroristas” – termo deliberadamente elusivo cujo intuito é criminalizar críticas legítimas ao governo militar. Qualquer opositor – sejam membros da Irmandade Muçulmana, ativistas, juristas, sindicalistas ou mesmo jogadores de futebol, como Mohamed Aboutrika – são arbitrariamente listados como “terroristas”.
É assim que as forças de segurança implementam sua mão de ferro sobre a população, em um momento no qual o regime alega conclamar um “diálogo nacional” para solucionar as divergências e sucessivas crises políticas e socioeconômicas. Tudo isso confirma que a retórica de Sisi aponta a uma direção enquanto suas ferramentas repressivas caminham ao lado contrário. Ações falam mais alto que palavras, sobretudo no Egito de Abdel Fattah el-Sisi.
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