Fim da tarde, 29 de setembro de 2021. Minutos depois de registrar um ataque de aproximadamente cem colonos israelenses a residências palestinas em Khirbat al-Mufkara, na região de Masafer Yatta, o jornalista e ativista palestino Basel al-Adra se viu perseguido por uma multidão de extremistas mascarados, armados com paus e pedras. Os agressores destruíam janelas, vandalizavam veículos e entoavam gritos racistas.
“Foi o dia mais assustador da minha vida”, recordou Basel. “Ao menos 15 colonos correram atrás de mim e tentaram me atacar após eu conseguir filmá-los indo de casa em casa e destruindo tudo em seu caminho, incluindo caixas d’água e veículos civis”.
O palestino de 25 anos relata como os soldados da ocupação israelense agiram durante o episódio; a princípio, ao meramente observar o ataque. Então, decidiram agravá-lo ao disparar bombas de efeito moral e gás lacrimogêneo contra os residentes palestinos, no intuito de proteger os agressores.
Mães e crianças foram aterrorizadas; muitos ficaram feridos. Mohammad Hamamdah, de três anos, foi uma das vítimas. Atingido na cabeça por uma pedra, o menino passou quatro dias internado no hospital. Seu ferimento grave levou o ataque às manchetes, então considerado como uma das piores ofensivas contra a aldeia sob ocupação. Mohammad, agora com quatro anos, sofreu traumatismo craniano e hemorragia cerebral e foi transferido às pressas para a unidade de terapia intensiva (UTI) do Centro Médico de Soroka, em Beersheba. Sua mãe, contudo, foi impedida de acompanhá-lo porque as autoridades ocupantes se recusaram a autorizar sua entrada no território considerado Israel.
“Eu vi mulheres fugindo de suas casas com seus filhos, em direção à região dos vales, porque não havia qualquer lugar para se esconder”, destacou Basel. “Ficou muito pior quando os soldados israelenses vieram e agiram em apoio aos colonos. Os soldados dispararam munição real e balas de borracha contra os palestinos que tentavam somente se defender”.
Organizações de direitos humanos – locais e internacionais – documentaram múltiplos casos de escolta das tropas israelenses à investida de colonos contra terras e propriedades palestinas. Em diversas ocasiões, incluindo em Khirbat al-Mufkara, os soldados sionistas encorajam a agressão dos colonos e efetivamente os protegem ao atirar contra os palestinos. Basel reitera que os colonos extremistas não são incitados somente pela proteção do exército, mas também pelo apoio financeiro e moral outorgado por sucessivos governos israelenses, além da impunidade sistêmica consagrada pelo judiciário da ocupação.
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“Cresci acostumado em ver colonos saírem impunes de seus crimes. Mais de 81% das queixas que registramos nas delegacias de Israel são descartadas sem qualquer prisão ou mesmo investigação. Isso empodera cada vez os colonos e seus ataques, pois não há qualquer receio de que serão punidos”.
Nascido e criado em At-Tuwani, uma das aldeias de Masafer Yatta, Basel viveu em primeira mão a escalada nos ataques coloniais como parte da política israelense para expulsar os nativos palestinos e expropriar suas propriedades. “Desde que começaram a construir os assentamentos na década de 1980 e passaram a confiscar terras, sobretudo terras agrárias … as comunidades palestinas foram apartadas à força”.
Masafer Yatta fica localizada ao sul de Hebron (Al-Khalil), na chamada Área C da Cisjordânia ocupada, que compreende 60% do território palestino e recai sob controle absoluto da ocupação israelense. Como resultado, o estado ocupante reserva a maior parte da área em benefício exclusivo de colonos ilegais. A região carece de conexão com as redes de água e eletricidade, que abastecem os postos coloniais e assentamentos ilegais ao redor das aldeias palestinas. Além disso, Israel proíbe os residentes árabes de construir ou conectar suas propriedades a serviços essenciais, restringe seu acesso a terras agrárias e permite quase diariamente que os colonos cometam atos de violência. O objetivo é tornar insuportável a vida dos palestinos para que deixem a região de “vontade própria”.
“Não podemos caminhar mais de uma comunidade a outra por causa das estradas destruídas e da ameaça de violência física nas mãos dos colonos. Durante a Segunda Intifada, eles deram início a uma nova política de estabelecer postos avançados, embora sejam considerados ilegais sob a legislação israelense e a lei internacional. No entanto, sempre conseguem o querem do estado sionista, têm luz e água e podem construir seus sobrados sem qualquer empecilho”.
“Toda essa violência e abuso imposto a nós ocorre na esperança de que deixemos a comunidade em direção às Áreas A ou B – onde vivem boa parte dos palestinos. Eles desejam anexar as terras aos assentamentos israelenses. Ainda assim, eu, meus familiares, outros ativistas e toda a comunidade nos recusamos a aceitar a ocupação e resistiremos até o fim”.
Basel comentou sobre a solidariedade global aos ucranianos, após a invasão russa ao país vizinho em fevereiro:
O mundo não está realmente preocupado com a lei internacional. Tudo gira em torno de quem é atacado e quem é o agressor. Eles não se importam quando as vítimas são palestinas. Os estados internacionais continuarão a fazer negócios e vender armas a Israel.
“Isso é racismo”, reiterou o jornalista.
“Porém, espero que, com a maior consciência sobre a ocupação ilegal que enfrentamos há mais de 70 anos, a comunidade internacional imponha apenas um terço das sanções que instituiu contra a Rússia contra Israel”. Palestinos e ucranianos são todos humanos, concluiu Basel.