A Europa enfrenta uma crise energética sem precedentes. Suas opções são pouquíssimas e distantes. Neste entremeio, a África emergiu como fonte possível de abastecimento. Entretanto, como foi que a Europa chegou até aqui? Tudo começou com as aterradoras sanções econômicas impostas sobre o Kremlin devido a sua aventura militar na Ucrânia. Altamente dependente de petróleo e gás natural da Rússia, a decisão logo pareceu precipitada. Em retaliação, Moscou pouco a pouco fechou as torneiras, além de impor condições próprias para retomar seu fornecimento. A Europa se viu então diante de um potencial abismo econômico. Na corda bamba, o continente europeu optou por explorar alternativas. Deste modo, o socorro em potencial se voltou afinal a países da África – dentre os quais, alguns dos maiores produtores de petróleo cru de todo o planeta. Agora, as capitais no Ocidente buscam uma solução súbita para sua própria ruína. Prevalece a dúvida: para a África, a que custo?
Javier Blas, especialista em política enérgica da agência Bloomberg, foi taxativo: “É um efeito dominó em queda livre”. Conforme sua avaliação, quando a poeira baixar, a fatura para resgatar o mercado europeu chegará facilmente ao índice de US$200 bilhões. O número, não obstante, é ainda uma estimativa grosseira da Agência Internacional de Energia (AIE).
Em fevereiro último, Londres anunciou um pacote multibilionário para tentar conter o impacto devastador do aumento de 54% nos custos da energia no setor de varejo. No presente momento, espera-se aumento de quase 70% no início de agosto. Os números foram divulgados pelo Departamento de Mercados de Gás e Eletricidade do Reino Unido (OFGEM) – agência regulatória sob a alçada da Secretaria de Estado para Negócios, Energia e Estratégia Industrial.
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Berlim deparou-se com uma situação análoga. O Presidente da Rússia Vladimir Putin cortou o fornecimento de gás à Alemanha em cerca de 60%. O conglomerado de energia Uniper, radicado na Bolsa de Valores de Frankfurt, registrou perdas de aproximadamente 30 milhões de euros por dia, ao ter de comprar insumos de gás natural no chamado mercado spot – conhecido também como cash market ou marcado à vista. Os dados foram corroborados pela análise publicada por Javier Blas.
O Goldman Sachs, um dos maiores bancos de investimento do mundo, confirmou que os lares da Europa terão de pagar 470 euros – cerca de R$2.600 – por mês para arcar com suas necessidades de energia e gás natural. A previsão representa um aumento de 290% em relação ao custo médio de meados de 2020. Imediatamente após a deflagração da guerra russo-ucraniana, os preços de insumos energéticos na Europa atingiram sucessivos recordes em meio a fortes ventos de inverno e acaloradas tensões geopolíticas entre o Kremlin, principal fornecedor, e seus tradicionais clientes. O preço de gás natural subiu quase 20% e chegou a 175 euros por megawatt-hora. A economia europeia fatalmente será contraída no decorrer do segundo semestre de 2022 e a recessão deve avançar à temporada de verão de 2023, com uma queda total de 1.7% no produto interno bruto (PIB) das nações afetadas.
Os estados dependentes dos insumos russos correm desesperadamente atrás de alternativas. Na segunda-feira (18), a Presidente da Comissão Europeia Ursula von der Leyen firmou um novo acordo de fornecimento com o Azerbaijão. Segundo o jornal Financial Times, o pacto verá aumento de 48% nas remessas de gás azeri à Europa, no período deste ano, com intuito de dobrar as importações até 2025. Contudo, as transferências de Baku mal arranham a demanda total da União Europeia. Naturalmente, o estado no Cáucaso é um dos muitos mercados cortejados pela Europa na atual conjuntura – dentre os postulantes, estão países africanos.
Neste entremeio, os estados da Europa e do Norte da África buscam meios de amortizar suas emissões de gás carbônico sem protelar promessas de transição energética, ao apelar aos grandes rios africanos para reinvestir na chamada energia sustentável. Durante a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2021 (COP26), os governos da França, Alemanha, Estados Unidos e Reino Unido – em colaboração com a União Europeia – anunciaram um plano de longo prazo em apoio aos esforços da África do Sul para eliminar suas emissões de carbono.
Não obstante, no presente contexto, o presidente nigeriano Muhammadu Buhari insiste que a Europa invista US$25 bilhões no maior projeto de gás natural do continente africano – o gasoduto promovido sob a alcunha de “Crescente Dourado”, devido ao formato de suas vias de transporte, que trespassam onze nações distintas. O vasto e ambicioso gasoduto nasce na Nigéria, passa por Gana, Guiné, Senegal e Mauritânia e encerra sua jornada no Marrocos, país que representa a fronteira nominal entre África e Europa. Financiar este projeto seria um redentor providencial das demandas de segurança energética do bloco ocidental.
A Itália também está à margem de expandir suas importações provenientes da Argélia, junto da corporação romana Eni e da multinacional francesa Total Energies. Na última semana, foi assinado um contrato de US$4 bilhões para desenvolver projetos de gás natural da companhia estatal argelina Sonatrach, com intuito de eventualmente de buscar novas rotas para transações de energia entre as partes em questão.
Especialistas africanos, no entanto, apontam para os riscos da presença de corporações europeias no continente para explorar em larga escala suas reservas de petróleo e gás natural. De olho nas experiências passadas, há claros indicadores de que a África precisa proteger comunidades e ecossistemas dos avanços europeus. É necessário que os governos africanos aprimorem sua abordagem. Países produtores de petróleo e gás natural – assim como territórios com reservas inexploradas – devem abrir caminho para o investimento, mas manter foco na sustentabilidade e em sua soberania. Por meio da economia verde, a África pode certamente obter seus tão sonhados objetivos socioeconômicos. Além disso, os países africanos podem criar parcerias entre si e com novos clientes que possuem considerável demanda.
Em suma, seria estrategicamente prudente colaborar com países que precisam de recursos do que aqueles que já os possuem. Na conjuntura vigente, países com enormes reservas de petróleo e gás natural – sobretudo na África – finalmente têm vantagem para exercer um papel mediador no conflito global, ao invés de insistir na função de agentes terceiros.
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