Os tunisianos votaram nesta segunda-feira – 25 de julho – em uma proposta constitucional cujo resultado previsto é fortalecer os poderes do presidente Kais Saied. A conjuntura alimenta receios de uma nova autocracia em detrimento dos ganhos democráticos da revolução popular de 2011 – que depôs com êxito o longevo ditador Zine el-Abidine Ben Ali, no contexto da Primavera Árabe. A carta proposta enfraquece o parlamento, que ganhou protagonismo sob a Constituição de 2014, restabelecendo um sistema que – alertam críticos– levou a anos de estagnação política e ineficácia do governo.
Detalhes dos principais aspectos da nova Constituição da Tunísia são mencionados abaixo:
Presidente, chefe de governo
– O Artigo 101 determina que o presidente escolherá o primeiro-ministro e outros membros do gabinete de governo, com base em indicações do premiê – ruptura veemente em relação ao sistema vigente, sob o qual o parlamento tem poderes para nomear ministros.
– O Artigo 112 atribui ao presidente “responsabilidade” sobre o governo; o Artigo 87 estabelece que o presidente exerce função executiva com assistência de seus ministros.
– O Artigo 102 prevê poderes executivos para dissolver o governo ou exonerar seus membros.
– O Artigo 115 impõe ao parlamento a demanda por maioria absoluta – dois terços dos votos – para ordenar a renúncia do governo, por meio de uma moção de censura. O Artigo 116 estabelece que, caso uma segunda moção de censura ocorra no mesmo mandato legislativo, o presidente pode aceitar o resultado ou dissolver o congresso e convocar eleições.
Parlamento mais fraco
– O Artigo 68 concede ao presidente o direito de apresentar projetos de lei ao parlamento; segundo o texto, propostas do executivo são prioritárias em relação ao legislativo.
– O Artigo 61 declara que o mandato de um parlamentar está sujeito a revogação conforme prerrogativas definidas pela lei eleitoral; contudo, sem elucidá-las.
– O Artigo 69 diz que projetos de lei e propostas de emendas à legislatura existente submetidas por parlamentares são inadmissíveis caso “perturbem o equilíbrio financeiro do estado”; entretanto, não há esclarecimentos sobre o conceito.
– A nova Constituição cria um “Conselho de Regiões”, uma segunda câmara do parlamento, cujas diretrizes operacionais ou nomeação – seja por indicação ou processo eleitoral – permanecem um mistério.
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Medidas excepcionais
– A nova Constituição se refere ao legislativo, executivo e judiciário como “funções” ao invés de poderes; críticos advertem que a linguagem reduz a influência das casas sobre o estado.
– O Artigo 90 confere ao presidente direito a uma reeleição, sob novo mandato de cinco anos. Além disso, prevê extensão do mandato por decreto caso um pleito executivo não seja realizado a tempo, devido a “guerra ou perigo iminente”.
– O Artigo 109 outorga ao presidente imunidade em todo seu mandato, de modo que não deve ser questionado sobre suas ações enquanto chefe de estado e de governo.
– O Artigo 96 assegura ao presidente direito de impor “medidas excepcionais” caso haja “perigo iminente à república, segurança nacional ou independência”, após breve consulta com o primeiro-ministro e o parlamento.
– O Artigo 106 institui poderes presidenciais para indicar nomes de liderança tanto nos serviços militares quanto civis, com base em proposta do primeiro-ministro.
– Assim como na Constituição em vigor, o presidente é considerado chefe das Forças Armadas. Contudo, embora as forças de segurança sejam subjugadas ao governo sob a legislatura anterior, agora terão de responder diretamente ao presidente.
– O Artigo 136 determina que o presidente – ou um terço dos parlamentares – tem direito de reivindicar análise ou emendas ao texto constitucional, com exceção das cláusulas concernentes aos dois mandatos de cinco anos concedidos ao executivo.
– O Artigo 140 estende a validade da ordem presidencial deferida por Saied em setembro de 2021, que lhe permitiu governar por decreto até a posse de um novo congresso.
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Poderes judiciais
– Assim como o legislativo e executivo, o judiciário é descrito como “função”; críticos alertam para redução drástica de seus poderes.
– O Artigo 120 outorga ao presidente a nomeação de juízes, após indicação do Conselho Supremo de Justiça. Membros do judiciário são proibidos de realizar greve.
Papel do Islã
– O Artigo 5 declara a Tunísia como parte da “nação islâmica” e comina ao estado o dever de trabalhar para alcançar os “objetivos do islamismo puro, ao preservar a vida, a honra, os recursos, a religião e a liberdade”. Não obstante, uma sentença na Constituição vigente que, conforme democratas islâmicos, define a Tunísia como nação islâmica foi removida.
– O Artigo 88 estabelece que o presidente deve ser muçulmano.
Liberdades e direitos
– Similar à Constituição existente, o novo texto promete proteger os direitos e as liberdades do povo tunisiano, incluindo protesto e associação – dentre os quais, o direito de formar novos partidos. Além disso, promete assegurar as liberdades de opinião, publicação e crença.
– A nova Constituição alega garantir a igualdade de gênero e promete que o estado trabalhará em nome da representação das mulheres nos órgãos eletivos, além de instituir esforços de combate à violência doméstica e formas de assédio.
– O Artigo 55 insiste que não há restrições direitos e liberdades “exceto em virtude da lei e sob a necessidade da defesa nacional e segurança pública” – texto semelhante à legislatura vigente.