A Corporação Britânica de Radiodifusão – BBC – tornou-se alvo de críticas por sua “tradicional” desinformação sobre os conflitos na Palestina histórica, após difundir um artigo para comentar a mais recente agressão israelense contra a Faixa de Gaza, no último fim de semana.
Sob a manchete “Violência Israel-Gaza: O conflito explicado”, o texto forneceu aos leitores um panorama histórico sobre a ocupação sionista na Palestina e o recente massacre em Gaza, que matou 44 pessoas, incluindo 15 menores e quatro mulheres. Ao menos 360 palestinos ficaram feridos pelos bombardeios.
O ataque ao território costeiro – que teve início na sexta-feira (5) – é apenas o mais recente dentre sucessivas operações contra os 2.2 milhões de habitantes de Gaza, submetidos a um bloqueio absoluto perpetrado pelo estado de apartheid desde 2007.
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Ao menos 4.228 palestinos de Gaza foram mortos por Israel desde então. A última campanha de larga escala ocorreu em maio de 2021, após brutal perseguição e repressão israelense aos palestinos de Jerusalém Oriental – sobretudo no bairro ocupado de Sheikh Jarrah.
Em um trecho intitulado “As fronteiras de Israel hoje”, a BBC mencionou os assentamentos ilegais exclusivamente judaicos instalados nos territórios ocupados. Segundo dados oficiais, mais de 600 mil colonos vivem clandestinamente em terras palestinas.
Contudo, o texto negligenciou o fato de que tais “comunidades” representam postos avançados conectados por rodovias exclusivas a colonos judeus, cujo intuito é anexar partes da Cisjordânia ao território considerado Israel – capturado durante a Nakba ou “catástrofe”, mediante limpeza étnica da população nativa, em 1948, quando o estado sionista foi estabelecido.
“Os palestinos descrevem tais comunidades como ilegais sob a lei internacional e obstáculo à paz; Israel, todavia, nega”. A omissão do contexto histórico e este trecho em particular foram rechaçados por leitores, que reiteraram consenso de que assentamentos em terras ocupadas são considerados transgressão do direito – exceto no caso de Israel.
“Típico artigo da BBC sobre a Palestina”, comentou Chris Doyle, diretor do Conselho de Entendimento Árabe-Britânico, em sua página do Twitter.
Sobre a afirmação de ilegalidade, Doyle objetou o trecho em questão: “Não são os palestinos que dizem isso. O Conselho de Segurança das Nações Unidas diz isso, quase toda potência do mundo diz isso, o Tribunal Internacional de Justiça [TIJ] diz isso”.
Outros criticaram a BBC por deixar de reconhecer a raiz do conflito na Palestina histórica – isto é, o colonialismo de assentamentos. “Não é possível invadir o país de terceiros, com intuito de expulsá-los de suas casas e suas terras e não esperar ‘problemas’”, argumentou um usuário do Twitter. “Roubar as terras da população nativa e tentar exterminá-la, mediante limpeza étnica, tende a criar conflitos”, destacou outro.
Neste entremeio, a BBC foi denunciada como órgão estatal de imprensa que reflete políticas domésticas e internacionais do atual governo no Reino Unido – ou seja, sob aparelhamento. “Não deve restar nenhuma dúvida”, insistiu um leitor nas redes sociais.
Em referência à dupla moral adotada por Londres sobre o envio de armamentos à resistência ucraniana diante da invasão da Rússia, um outro usuário questionou: “Quando o Reino Unido enviará armas e ajuda ao povo oprimido da Palestina?”
Leitores enfatizaram que o direito à resistência contra a ocupação – como é o caso da ocupação militar de Israel sobre os territórios palestinos – é consagrado pela internacional, muito embora o governo britânico e aliados costumem rotular esforços palestinos como “terrorismo”.
Não é a primeira vez que a BBC é criticada por cobrir a agressão israelense de forma desonesta. Em maio, diversas redes da grande imprensa britânica foram rechaçadas por tentar minimizar a chamada “Marcha da Bandeira” – passeata de colonos extremistas nos bairros árabe-palestinos de Jerusalém ocupada, marcada por cantos racistas e atos de agressão.
No Portão de Damasco, acesso à Mesquita de Al-Aqsa, na Cidade Velha de Jerusalém, multidões de nacionalistas judeus – frequentemente descritos como a Ku Klux Klan sionista – ecoaram aos gritos “Shu’afat em chamas” – referência a Abu Khdair, menino palestino sequestrado em 2014; então, torturado, forçado a beber gasolina e então carbonizado vivo por colonos.
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Os israelenses também diziam: “Um judeu é uma alma, um árabe é filho da puta”; “Morte aos árabes”; “Que sua aldeia queime” e “Muhammad está morto”, em alusão ao principal profeta da religiãislâmica.
Um outro vídeo mostrou a passeata insultando Shireen Abu Akleh – correspondente da rede Al Jazeera atingida por um franco-atirador israelense durante uma invasão militar contra o campo de refugiados de Jenin. Abu Akleh vestia colete e capacete de imprensa.
Perante a cobertura da BBC sobre a “Marcha da Bandeira”, destacou Doyle: “Se houvesse uma passeata com as palavras de ordem de ‘Morte aos judeus’ e ‘Judeu bom é judeu morto’, quem imaginaria tamanha negligência? Ainda assim, nesta cobertura, não há uma única menção aos gritos de ‘Morte aos árabes’. Isso não é jornalismo, é propaganda”.