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Relembrando a queda de Cabul, no Afeganistão

Pouco após as 22 horas de 15 de agosto de 2021, uma pequena tropa de combatentes talibãs entrou no Palácio Presidencial de Cabul, capital do Afeganistão, e tomou o poder

Há um ano – 15 de agosto de 2021 – tropas do movimento Talibã chegaram a Cabul, capital do Afeganistão, enquanto desmoronava o regime aliado dos Estados Unidos e as duas décadas de ocupação americana no país centro-asiático.

O que: A queda de Cabul

Quando: 15 de agosto de 2021

Onde: Afeganistão

O que aconteceu?

Pouco após as 22 horas de 15 de agosto de 2021, uma pequena tropa de combatentes talibãs entrou no Palácio Presidencial de Cabul, capital do Afeganistão, e tomou o poder. Os combatentes estavam acompanhados por câmeras de televisão, que transmitiram as imagens ao vivo para todo o mundo. Ashraf Ghani – ex-presidente do governo aliado da ocupação americana – havia fugido horas antes, de modo que os combatentes sabiam muito bem que a batalha já estava ganha. Contudo, as imagens dos militantes islâmicos sentados na vasta cadeira de Ghani com seus rifles AK-47 e seus trajes de batalha se tornaram símbolos notórios da vitória irrefutável do movimento Talibã.

Naquele mesmo dia, mais cedo, Ghani tentou minimizar os avanços do Talibã e chegou a alegar que haveria uma transferência ordeira de poder. As horas se passaram e suas promessas políticas se tornaram notavelmente impossíveis. Ghani então fugiu para o Uzbequistão com sua família e – segundo o embaixador afegão no Tadjiquistão – US$170 milhões em maletas de negócios, expropriados dos cofres públicos do Afeganistão.

Momentos de caos tomavam as ruas da capital Cabul, sobretudo no caminho entre a embaixada dos Estados Unidos e o aeroporto internacional. Diplomatas voavam de helicóptero de um ponto a outro, após Washington conduzir nos bastidores uma negociação com o movimento islâmico para que as tropas ocidentais restantes assumissem provisoriamente o controle do aeroporto para as evacuações. Caberia ao Talibã deferir salvo-conduto aos cidadãos americanos ainda na cidade.

À noite, fotografias surgiram dos últimos helicópteros Chinook deixando o telhado da embaixada em Cabul, enquanto cidadãos americanos se amontoavam na porta dos aviões. Tornou-se então inevitável recordar das imagens da retirada apressada dos Estados Unidos de Saigon, após a icônica derrota de sua potência militar no Vietnã.

Como isso aconteceu?

A retirada americana do Afeganistão teve início em 2020, quando um acordo de paz foi firmado entre o então governo nacional e a liderança talibã em Doha. Representantes de política externa do então Presidente dos Estados Unidos Donald Trump mediaram o tratado, que incluía a promessa de que as tropas ocidentais deixariam o Afeganistão até 1° de maio de 2021. Quando chegou a data, Joe Biden era o presidente em Washington e, apesar de suas promessas para encerrar a “mais longa guerra da América”, decidiu prorrogar a retirada para o prazo simbólico de 11 de setembro – vinte anos após os atentados terroristas contra as Torres Gêmeas em Nova York e outras localidades. O Talibã, porém, possuía outros planos – conforme relatos, maquinações de meses, senão anos –, para assumir o controle do Afeganistão e restabelecer seu Emirado Islâmico.

Já em 2020, o Talibã controlava quase metade das províncias afegãs. Em muitos casos, o movimento já conquistara controle sobre as áreas rurais e aguardava somente o momento oportuno para seu xeque-mate, ao capturar as respectivas capitais e as principais cidades no leste e oeste do país.

A retirada dos Estados Unidos era o momento perfeito para executar este plano. Em 6 de julho do último ano, os avanços do Talibã eram tão céleres que a coalizão americana decidiu se retirar da base aérea de Bagram. Quando imagens surgiram da maior e mais célebre base aérea americana no Afeganistão, ocupado por vinte anos, carregada de caminhonetes do Talibã, muitos comentaristas começaram a prestar atenção e questionar as promessas de que haveria uma transferência pacífica do poder, muito menos uma coalizão de governo no Afeganistão.

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Conforme o noticiário da época, mesmo o movimento Talibã ficou surpreso com a rapidez de seu progresso. Apesar de certa resistência por parte do exército formal – com melhor treinamento do que os militantes afegãos, incluindo as forças especiais treinadas pela Agência Central de Inteligência (CIA), ou “unidades-zero” –, muitos soldados permaneciam sem pagamento há meses e sequer apareciam para trabalhar, sem qualquer prontidão para arriscar suas vidas por um governo sem credibilidade. Com efeito, um vasto número de postos avançados e bases do exército afegão foram esvaziados sob deserção, sem qualquer resposta à chegada dos combatentes talibãs. O movimento efetivamente tomou controle de diversas aldeias e cidades sem disparar um tiro sequer.

Em somente um mês, o movimento Talibã capturou Kandahar – localidade estratégica no leste do território – e então a província ocidental de Herat. Em 14 de agosto, seus combatentes cercaram Cabul e passaram a aguardar as ordens da liderança para entrar na cidade.

O que aconteceu a seguir?

As notícias dos avanços do Talibã se espalharam por Cabul. Houve pânico entre membros da classe média urbana, muitos dos quais empregados pelos Estados Unidos e por ongs internacionais, cujo local de trabalho remetia à chamada Zona Verde da capital – fortificada como em Bagdá. Na noite de 15 de agosto, multidões tomaram as ruas e estradas entre a Zona Verde e o aeroporto da capital e a cerca externa foi abarrotada por pessoas desesperadas. Quem teve sorte de entrar embarcava pouco a pouco em enormes aviões de carga com destino a Doha – capital do Catar.

O mundo demonstrou choque pelos eventos a seguir e pelo caos que tomou a semana seguinte ao triunfo do Talibã. Imagens de celular mostravam rapazes pendurados na lateral das aeronaves de carga que, ao invés de esperar, decolavam às pressas com 15 ou 20 homens na lataria externa. Os vídeos a seguir mostravam pequenos pontos caindo dos céus, imagens análogas às figuras diminutas que pularam das Torres Gêmeas em Manhattan vinte anos atrás.

A multidão se tornou mais e mais desesperada; pessoas erguiam passaportes europeus; um telefone celular registrou um bebê passado de mão em mão até chegar aos soldados americanos por trás do arame farpado. A multidão não foi poupada quando os fuzileiros navais dos Estados Unidos abriram fogo contra o caos – ao menos três civis foram mortos. Então, um homem-bomba detonou seu aparato nos arredores do aeroporto – dezenas de pessoas desesperadas foram mortas e feridas.

Após duas semanas, o major-general Christopher T. Donahue embarcou em uma aeronave C-17 pouco depois da meia noite do horário local, em 31 de agosto de 2021. Donahue foi o último cidadão americano a deixar a capital afegã e se tornou marco do fim das duas décadas consecutivas de ocupação militar de Washington sobre o território centro-asiático.

Qual a situação um ano depois?

O Afeganistão contemporâneo sofre de uma profunda crise financeira. Muitos cidadãos estão à margem da fome. O antigo regime em Cabul dependia imensamente da ajuda internacional, cuja maior parte foi suspensa por governos ocidentais que divergem dos valores adotados pelo Talibã. Até então, nenhum estado reconheceu de maneira formal o Emirado Islâmico do Afeganistão – nome adotado pelo novo regime para seu país. Washington congelou ainda cerca de US$9 bilhões em recursos afegãos no exterior. Uma corte americana chegou ao ponto de ordenar que familiares das vítimas dos atentados de 11 de setembro de 2001 fossem indenizados com US$7 bilhões oriundos das reservas nacionais do Afeganistão – os recursos efetivamente pertencem ao povo afegão.

Muitos dos piores aspectos do Emirado Islâmico da década de 1990 retornaram, incluindo a proibição de que meninas fossem matriculadas na escola e outras restrições severas aos direitos das mulheres – incluindo imposição do véu islâmico sobre todo o rosto. As restrições foram então executadas por uma temida polícia de caráter moral.

O Talibã herdou uma nação profundamente dividida e empobrecida. Apesar dos trilhões de dólares gastos por Washington em armas e meios assistenciais durante sua ocupação, aparentemente a maior parte do valor foi repassada a contas particulares de parlamentares afegãos alinhados à intervenção internacional. Não há infraestrutura material em funcionamento ou qualquer indústria no país e muitas das rodovias que conectam as cidades afegãs não recebem manutenção desde a ocupação soviética, entre 1979 e 1989.

Os recursos americanos certamente não chegaram às áreas rurais e cidades menores para além de Cabul, onde avanços nos direitos das mulheres e acesso a saúde e oportunidades simplesmente não existem. A guerra trouxe ainda outras tribulações a meninas e mulheres, que se tornaram órfãs ou viúvas – vítimas de violência sexual por todos os lados.

Os Estados Unidos entraram no Afeganistão sob o pretexto de derrotar a Al-Qaeda e o Talibã e sob a promessa de ajudar o governo a “construir uma nação”. Após um ano do colapso do projeto americano, é evidente que o Talibã está muito longe de deixar o poder. As duas décadas de ocupação dos Estados Unidos sobre o Afeganistão foram um absoluto fracasso.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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