Do tronco de árvores nativas de regiões do Norte da África e Oriente Médio uma seiva é extraída. É com esse líquido, que endurece e se torna uma resina, que é produzido o incenso utilizado em celebrações religiosas ou apenas nas casas de apreciadores do seu aroma. A seiva é chamada de olíbano ou frankincense e ganhou destaque em nações como Omã, que é definida como a ‘Terra do Olíbano’ na Lista de Patrimônio Mundial, das Nações Unidas.
Não à toa, Omã também utilizou a árvore como símbolo para abrir seu pavilhão na exposição universal Expo 2020 Dubai, que ocorreu nos Emirados Árabes Unidos. As plantas também crescem e são emblemáticas para outros países do Oriente Médio e da África, como Etiópia, Sudão e Somália.
Na Etiópia, a extração é feita de maneira tradicional.
Elas pertencem a espécies diferentes do mesmo gênero, o Boswellia. “A existente no Oriente Médio, que é provavelmente a com exploração mais antiga, ou clássica, é a Boswellia sacra. Já aquela que hoje em dia é a principal fonte de incenso é a Boswellia papyrifera que ocorre em diversos países no continente africano”, explicou à ANBA Peter Groenendyk, professor no departamento de Biologia Vegetal da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), onde desenvolve pesquisas.
A extração da resina ainda é feita de forma tradicional em países como a Etiópia, onde Groenendyk já esteve. Lá, o pesquisador viu ser utilizado o Mngaf, um machadinho de mão, que abre pequenas áreas na casca das árvores. “Como reação a esses machucados, as árvores produzem uma seiva para basicamente selar a injúria. Após seca, a resina é coletada para uso como incenso. Acredito que a extração em outras localidades seja feita de forma similar”, explicou ele, acrescentando que em regiões do Brasil há árvores da mesma família botânica, as Burseraceae, das quais se coletam resina de uma forma similar.
Risco de extinção
Mas as árvores que produzem a matéria-prima do incenso podem desaparecer. “Há um risco eminente da “extinção comercial” da produção do incenso, isso é o que demonstramos nos estudos publicados. Com isso queremos dizer que a viabilidade da produção e extração do incenso de florestas naturais pode deixar de ser economicamente viável a médio prazo, em algumas décadas. Vimos que as populações de Boswellia estão decaindo em número e que isso é um problema que ocorre ao longo da distribuição das espécies” revelou Groenendyk, que também tem artigos publicados em veículos como o Journal of Applied Ecology.
A Boswellia papyrifera é uma das espécies que produz a resina olíbano
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A extração hoje é feita em florestas naturais, pois ainda não existem plantações comerciais. Nesse ponto, a forma como a atividade é feita impacta toda a cadeia. Os etíopes, por exemplo, mantêm ainda regras para uma exploração cuidadosa, como não fazer muitos machucados na mesma árvore.
Além disso, o pesquisador pondera que a extração da resina não é o problema central, já que perda de habitat e conversão de floresta para pasto ou para uso agrícola podem representar uma ameaça maior. Questões como essas reduziram as populações de Boswellia sacra, a espécie de incenso “original”, ao ponto de hoje já quase não haver mais produção dele na Península Arábica, onde ela ocorre. A espécie também foi incluída como ameaçada na lista da International Union for Conservation of Nature (IUCN), aponta o pesquisador.
Antes de dar origem ao incenso, o olíbano é a seiva extraída de árvores entre o Oriente Médio e o Norte da África
Em mensagem enviada a seu colega Groenendyk, o pesquisador Frans Bongers, que esteve no Omã no início deste ano, contou sobre o que viu no país. Bongers visitou várias regiões no país para fazer levantamento das populações de Boswellia e revelou que lá ainda há vários sítios com um número bom ou razoável de árvores. Há lugares onde essas plantas se tornam alimentos para camelos. Mas em áreas mais isoladas ou de acesso mais difícil, ainda há árvores que aparentam estar saudáveis. Segundo o pesquisador, no entanto, ainda falta cuidado na coleta da resina, o que pode vir a afetar as populações da planta.
Comércio milenar
O início do uso da resina para a produção de incenso é impreciso, mas a atividade é, no mínimo, milenar. “Nos tempos clássicos já se usava e havia caravanas de incenso indo da Península Arábica para Grécia ou Roma”, diz o pesquisador, lembrando que outro registro está no texto bíblico, que cita o incenso como um dos presentes dos reis magos ao menino Jesus.
Certo é que até hoje a resina tem importância econômica e social nos países que a produzem. “Para os coletores de incenso e populações locais é uma fonte importante de complementação de renda. O olíbano é usado na produção de cosméticos e perfumes, ainda é usado em rituais culturais, como a cerimônia do café, e religiosos”, destacou o pesquisador.
Também no Brasil há quem importe a resina para produzir incensos. É o caso da empresa Milagros, que produz 35 tipos de incenso com resina de diversas origens, incluindo de países árabes como Omã e Sudão e Somália.
Publicado originalmente em Anba