Israel explora ruptura Marrocos-Argélia para afastá-los ainda mais

Ministro de Relações Exteriores do Marrocos Nasser Bourita (à direita) recebe o Ministro da Defesa de Israel Benny Gantz, na capital marroquina Rabat, em 24 de novembro de 2021 [Fadel Senna/AFP/Getty Images]

Desde o estabelecimento dos Acordos de Abraão, promovidos pelo ex-presidente americano Donald Trump, com intuito de normalizar laços entre a ocupação israelense e vizinhos árabes, o estado de apartheid busca explorar seus ganhos até o limite. Neste contexto, Israel projetou a si próprio como superpotência militar, ao ofertar a seus novos aliados tecnologias bélicas, muitas das quais sob financiamento direto ou produção dos Estados Unidos. Estados regionais parecem desesperados para se protegerem de ameaças infundadas e inimigos imaginários.

O melhor exemplo de tais avanços são os recentes contratos assinados entre Marrocos e Israel, concentrados no âmbito de segurança e cooperação de defesa.

Em julho, o comandante máximo do exército israelense, Aviv Kochavi, viajou ao Marrocos para encontrar-se com seu homólogo local. O Ministro da Defesa de Israel Benny Gantz visitou o país norte-africano em novembro de 2021 e assinou um acordo de segurança com Rabat, segundo o qual Tel Aviv fornecerá à monarquia diversos aparatos militares, incluindo drones armados. Na última semana, relatos surgiram de que Israel começou a entrega de sistemas aéreos ao reino, como parte dos numerosos acordos. Segundo as informações, dentre as remessas, há sistemas para aprimorar drones já adquiridos pelo Marrocos, de fabricação turca e israelense. O contrato de trinta meses é estimado em torno de US$70 milhões.

A expansão da presença militar israelense no Norte da África, não obstante, incomoda a Argélia, vizinho a leste do Marrocos e antigo adversário. Alguns observadores observam que o caráter armamentista dos laços entre Rabat e Tel Aviv deve dificultar ainda mais a reaproximação entre os países vizinhos. Para piorar, o hoje premiê israelense Yair Lapid, ao visitar o Marrocos em 11 de agosto de 2021, criticou abertamente os laços emergentes do governo argelino com Teerã. Argel manifestou indignação, não pelas críticas proferidas por Israel, mas sim por terem sido aventadas no território vizinho. A chancelaria argelina acusou a monarquia de arrastar o estado sionista à disputa entre as partes, ao descrever tais medidas como “perigosa aventura”.

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A Argélia não tem relações com Israel e considera a ocupação como inimigo contumaz de todo mundo árabe, sobretudo do povo palestino, que continua a sofrer sob o apartheid israelense. O estado argelino é um apoiador histórico da causa palestina e passou a ver o entrincheiramento de Israel do lado oeste de seu quintal como franca ameaça a sua segurança nacional.

No ano passado, diante de devastadores incêndios florestais que tomaram o Mediterrâneo, o governo argelino acusou grupos supostamente vinculados a Marrocos e Israel de atear fogo em suas matas deliberadamente e causar, portanto, dezenas de mortos e destruição de milhares de acres em suas reservas – sobretudo no leste do país.

Em agosto de 2021, dias após a visita de Lapid à capital marroquina, a Argélia cortou seus laços políticos e diplomáticos com o regime vizinho – levando as disputas regionais a um novo ápice, de modo possivelmente irreparável no futuro próximo.

Não obstante, a diplomacia argelina convidou o Rei Mohammed VI do Marrocos a participar da próxima conferência da Liga dos Estados Árabes, prevista para 1º e 2 de novembro. Um enviado de Argel entregou o convite oficial ao monarca árabe nesta terça-feira (27). Relatos da imprensa sugerem que Mohammed aceitou o convite, mas prevalece a dúvida se isso representará um avanço substancial no relacionamento dos estados africanos. Muitos acreditam que o convite ao rei marroquino é mera formalidade, sob os protocolos da Liga Árabe, que obrigam o país-sede a conclamar todos os estados-membros – incluindo o Marrocos. Não há garantias de que o rei e chefe de estado do Marrocos viajará de fato à capital argelina e, mesmo que o faça, é incerta qualquer retomada nos laços políticos e diplomáticos com seu adversário histórico.

A Argélia opôs-se veementemente à onda de normalização entre Israel e alguns estados árabes, no contexto dos Acordos de Abraão. O Marrocos capitulou, em troca do reconhecimento oficial dos Estados Unidos de sua soberania sobre o território disputado do Saara Ocidental. A Argélia, por outro lado, considera o acordo como uma traição à causa palestina sem qualquer vantagem aos palestinos nativos que vivem sob ocupação. Argel também vê a disputa no Saara Ocidental como questão regional e repudia toda e qualquer intervenção externa.

Em 2020, Marrocos, Estados Unidos e Israel assinaram uma declaração formal para normalizar laços entre os dois últimos. Em 10 de dezembro daquele mesmo ano, Trump deu sua assinatura ao reconhecimento americano do Saara Ocidental como parte integral do Marrocos. O anúncio também deflagrou a indignação argelina.

Agora, o convite de Argel a Mohammed para a cúpula da Liga Árabe é visto ora como relance de esperança, ora como grão de areia em uma ruptura que foi longe demais, de maneira que será necessária mais de uma visita do monarca marroquino para remediar relações.

Neste entremeio, o fator mais oneroso às relações já bastante árduas entre Argélia e Marrocos é justamente Israel, sobretudo em seu aspecto armado. Os argelinos creem que Rabat perturba o equilíbrio de poder ao acolher o envolvimento israelense em uma disputa própria que deveria ser solucionada por intermédio das diretrizes das Nações Unidas. A Argélia nega a reivindicação marroquina sobre o Saara Ocidental e pede que o povo do deserto decida seu próprio futuro. O governo argelino também insiste que a monarquia vizinha age de má fé ao incitar uma corrida armamentista entre as partes – em particular, sob influência e apoio direto de Israel.

De fato, o Rei Mohammed VI repetiu apelos pela eventual melhoria nas relações com a Argélia, mais recentemente em julho. Em nota para celebrar o 22º aniversário de seu reinado, declarou Mohammed: “Aspiramos trabalhar com a presidência argelina para que possamos dar as mãos e estabelecer relações normais entre nossos povos irmãos”. Os argelinos, no entanto, não deram confiança a seu discurso, ao contrapô-lo com as ações de seu governo – novamente, sob apoio direto da ocupação sionista.

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Além disso, Argel crê que Tel Aviv busca explorar sua disputa com Rabat para apartar cada vez mais ambas as nações e dificultar – ou até mesmo impossibilitar – a aproximação de ambos no futuro próximo.

Toda e qualquer presença israelense no Norte da África, aos argelinos, é condenável, a menos que a questão ampla do povo palestino seja solucionada de forma aceitável aos árabes nativos, conforme a lei internacional. Vale notar que Argel lidera esforços para revogar a integração de Tel Aviv à União Africana. Portanto, ao que parece, aceitar os laços entre a ocupação e o estado vizinho é absolutamente impensável – ao menos por ora.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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