Gramados dos estádios da Copa do Mundo têm toque brasileiro

Cinco dos oito estádios que serão utilizados na Copa do Mundo do Catar, que ocorre do dia 20 de novembro a 18 de dezembro de 2022, têm um toque brasileiro. A terraplanagem, instalação dos gramados, análises granulométricas das areias que foram utilizadas na construção (estudo da distribuição das dimensões dos grãos de um solo), manutenção dos campos, drenagem a vácuo, irrigação subterrânea, nivelamento a laser e hibridação (inclusão de fibras sintéticas que correspondem por 10% do gramado), entre outros serviços, foram desenvolvidos pela GreenLeaf Gramados, uma empresa brasileira de manutenção e construção de gramados esportivos.

A oportunidade no Catar surgiu porque os responsáveis pelos estádios estavam à procura de um parceiro que entendesse de construção e manutenção de grama natural de clima quente. “Fomos contratados primeiro pelo Al Janoub (estádio) para fazer o projeto junto com eles. Depois, a gente foi indicado por uma empresa de irrigação para uma empresa do Catar e atendemos o estádio Ahmad Bin Ali”, disse para a ANBA Flávio Piquet, um dos sócios do GreenLeaf Gramados.

Através de um engenheiro, presente em cada um dos cinco estádios (Al Janoub, Al Thumama Stadium, Education City, Al Bayt Stadium e Ahmad Bin Ali), a empresa brasileira, que forneceu inteligência de mercado, informava quantas pessoas precisaria para trabalhar em cada dia desenvolvendo as atividades.

“Preciso que você contrate o frete da grama, que vem de avião dos Estados Unidos acondicionado em caixas de papelão em ramos, para chegar no dia tal, preciso que a areia esteja nessa granulometria e a gente fazia as análises para que tudo pudesse funcionar”, conta Flávio. “No dia de fazer coisas muito específicas, como montar a irrigação e fazer o nivelamento do gramado, por exemplo, a gente mandava funcionários do Brasil porque não tinha gente especializada lá para fazer. Mas grande parte da mão de obra usada foi toda contratada no país, além de todos os equipamentos. A gente vendeu praticamente a inteligência.”

Apesar de todas as gramas usadas nos estádios serem naturais, da mesma espécie e terem como origem os Estados Unidos, os serviços prestados pela GreenLeaf nos estádios não foram todos iguais. No Al Bayt, por exemplo, foi feita a drenagem a vácuo. Flávio conta que antes disso, houve muita discussão se o serviço seria um desperdício já que só chove durante nove dias do ano no país. “Mas quando chove no Catar, chove para valer, de uma maneira que nunca tinha visto em outro lugar”, relata. “Como o estádio vai receber as semifinais, eles decidiram incluir o serviço, para que, se chovesse durante as partidas, elas não fossem canceladas.”

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A prestação de serviço durou quatro anos e foi encerrada em 2020 com a entrega do gramado do Al Thumama Stadium. Depois disso, a manutenção dos espaços ficou por conta da Federação Internacional de Futebol (Fifa) e de empresas do Catar que aprenderam com a GreenLeaf como cuidar dos locais.

Mas essa não foi a primeira vez que a empresa de gramados foi chamada para trabalhar com o país árabe. O time do Catar, que foi convidado para participar em 2019 da Copa América no Brasil, ficou hospedado em um hotel de Angra dos Reis, cujo campo de treinamento tinha sido construído em 2014 pela GreenLeaf. “A equipe do Catar nos contratou diretamente para fazer a manutenção do gramado durante os 60 dias em que ficaram treinando.”

Antes dessas experiências, a empresa brasileira foi convidada a prestar serviço para outro país árabe. Em 2015 fez um projeto para melhorar o centro de treinamento do time de futebol Al-Hilal Saudi Football Club de Riad, capital da Arábia Saudita. “Desenhamos o projeto, mas a obra não seguiu porque eles decidiram construir o espaço em outro terreno.”

Recorde no Catar

Enquanto estavam prestando serviço no Catar, a GreenLeaf bateu um recorde e entrou para o Guinness Book. Em março de 2019, a companhia instalou todo o gramado do estádio Janoub, palco da abertura dos jogos e da partida que abre a competição, entre Catar e Equador, em apenas 9h15. Antes dessa instalação, o recorde, que pertencia a outra empresa, era de 13h15. Foi nesse tempo que foi colocado o gramado no campo do Khalifa International, que receberá a final da Copa do Mundo no dia 18 de dezembro. Dois meses depois, a GreenLeaf quebrou o próprio recorde ao colocar o gramado no estádio Al Bayt. Eles fizeram o trabalho completo em 6h31.

História da empresa

Fundada em 1988 pelo sócio diretor Paulo Antônio Azeredo no Rio de Janeiro, a GreenLeaf foi criada para atender uma necessidade do mercado nacional: a manutenção de gramados esportivos. Até aquele momento, de acordo com Flávio, somente as empresas de jardinagem faziam esse tipo de serviço, mas deixavam a desejar. Paulo prestava serviço a um campo de golfe em Angra dos Reis quando teve a ideia de criar a GreenLeaf. Ele queria levar a excelência daquele gramado para dentro dos estádios.

Atualmente com 160 funcionários, entre eles 16 agrônomos, a empresa de 34 anos, faz todas as etapas do atendimento dos estádios, desde o auxílio da compra do terreno quando um time de futebol está interessado em montar um centro de treinamento, vendo onde vai ter um gasto menor com terraplanagem, até se no local tem água disponível e a localização boa. Depois disso, a empresa cuida da parte de projeto do centro de treinamento, para ver como deve ser construído para deixar os jogadores confortáveis. No final é feita a parte da drenagem, irrigação e plantio do gramado, pintura das linhas brancas, etc. Além dos estádios, a companhia presta serviço para campos de golfe (10% do total dos serviços).

“Quando o cliente mantém o serviço de manutenção contínua, os funcionários da empresa ficam no local por 24 horas, de segunda a segunda. O jogo dura 90 minutos, mas para ele acontecer, existe uma preparação, como o corte da grama, por exemplo. No Maracanã, a grama é cortada cinco vezes por semana”, conta o sócio.

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Além do Rio, a empresa está presente em outros 10 estados e no Distrito Federal: São Paulo, Santa Catarina, Goiás, Alagoas, Bahia, Ceará, Amazonas, Pernambuco, Paraíba e Minas Gerais. A GreenLeaf não têm fábrica para produzir os gramados, por isso compra o produto de fornecedores.

Inicialmente o objetivo era atender apenas a demanda do país, mas com o passar do tempo, graças ao reconhecimento do serviço pelo mercado externo, a internacionalização acabou ocorrendo de forma natural.

O primeiro país atendido foi o Paraguai entre 2005 e 2006. Na sequência a empresa ajustou o gramado do Centro de Treinamento da seleção peruana e em 2016 passou a atender as demandas da Copa do Mundo do Catar. Na lista das próximas demandas internacionais, está a Copa de 2026. Flávio diz que a empresa está prospectando para atender os estádios dos três países que vão receber a competição daqui quatro anos: Canadá, México e Estados Unidos.

“Estamos prospectando para a próxima Copa, que vai ser diferente de todas as que tivemos até hoje. Será a primeira vez que os jogos serão disputados em três países. Ao invés de 32 equipes, essa Copa vai receber 48 equipes, por isso eles vão ter mais estádios para receber os jogos.”

Copa do Mundo no Brasil

Durante a Copa do Mundo realizada no Brasil em 2014, a GreenLeaf Gramados, em parceria com uma empresa espanhola (responsável na época pela construção e manutenção do Camp Nou e da cidade desportiva de Barcelona) esteve envolvida nos trabalhos dos gramados de sete estádios, dos 12 usados na disputa: Fonte Nova (BA), Maracanã (RJ), Mineirão (MG), Mané Garrincha (DF), Estádio Governador Carlos Wilson Campos (PE), Arena Castelão (CE) e Arena da Amazônia Vivaldo Lima (AM).

Além dos estádios, a empresa foi responsável pela construção dos centros de treinamento de 14 seleções que participaram da competição. “Foi muito importante a participação da empresa espanhola, porque eles nos trouxeram uma tecnologia que nos fez crescer do patamar em que estávamos. E os 26 espanhóis que vieram nos ajudar ficaram impressionados em como a gente conseguia controlar as obras simultaneamente por todo o Brasil, estando a 4h de avião do Amazonas.”

A empresa é parceira de 21 dos 40 clubes das séries A e B e 5 da série C do Brasileirão e deseja dobrar o faturamento nos próximos anos. Tendo em vista que grande parte dos clubes têm dívidas milionárias e dispõe de uma infraestrutura não muito boa, o GreenLeaf quer construir novos campos e ser responsável pela manutenção deles.

Publicado originalmente em Anba – Reportagem de Rebecca Vettore, especial para a ANBA

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