Desde a criação de Israel em terras palestinas, em 1948, os Estados Unidos exerceram um papel substancial nos assuntos regionais, incluindo na esfera política. Pela maior parte da Guerra Fria, a Casa Branca tentou preservar certo equilíbrio regional, sem contrapor os governos árabes em benefício exclusivo do estado da ocupação. Para além dessa política de contenção, Washington manteve ciência da importância de conservar cordialidade com os regimes vizinhos. Sucessivos governos na Casa Branca buscaram se engajar com os árabes como prioridade estratégica no Oriente Médio.
Contudo, o triunfo israelense na Guerra dos Seis Dias, em 1967, impôs mudanças consideráveis nesta política, dado que Washington começou a perceber o potencial de Israel como seu agente regional. A parceria estratégica entre ambos ganhou forma e a segurança de Israel passou a ser prioridade na política externa americana. Com efeito, uma aliança diplomática entre palestinos e Estados Unidos também adquiriu acuidade.
Washington vê tamanha importância em sua aliança diplomática com o partido Fatah, a fim de “solucionar” o conflito conforme sua política externa e interesses nacionais e de seus aliados – em particular, o Estado de Israel. A segurança energética e do mercado de petróleo é central; o mesmo vale ao Canal de Suez – conjunto de forças que rescindiu, em último caso, a designação de “terrorista” da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), quando Washington enfim viu em Yasser Arafat um valoroso aliado.
A parceria palestino-americana é central para que árabes locais construam um relacionamento com Tel Aviv. Boa parte do povo palestino – representado pela OLP, em um primeiro momento, sob controle do partido Fatah e então da Autoridade Palestina (AP), após os Acordos de Oslo – veio até mesmo a crer que a Casa Branca poderia mediar uma resolução do conflito através da prometida criação de um estado próprio e independente. A gestão americana de Jimmy Carter encerrou décadas de inimizade entre Egito e Israel mediante a assinatura dos Acordos de Camp David em 1978. Em 1993, o então presidente Bill Clinton promoveu os Acordos de Oslo, entre a OLP e a ocupação israelense. No ano seguinte, um novo tratado materializou a normalização de laços entre Jordânia e Israel. Neste entremeio, os palestinos aguardam até hoje por seu estado, enquanto os outros supostos benefícios de Oslo são meramente um devaneio.
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O “processo de paz” confronta múltiplos desafios: a oposição do Hamas, ataques da resistência no território designado Israel, a deflagração da Segunda Intifada em 2000, a vitória eleitoral do Hamas em 2006 – cujo resultado foi rejeitado pelo partido Fatah, pelo governo israelense e por seus aliados –, e as sucessivas mudanças na política externa dos Estados Unidos. A proposta de dois estados recebeu apoio dos presidentes George W. Bush e Barack Obama; não obstante, foi rechaçada por Donald Trump e seu chamado “acordo do século”. Em 2020, Trump promoveu a normalização entre Israel, por um lado, e Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Marrocos e Sudão, por outro. De fato, a maior parte dos palestinos sente-se frustrada com tais avanços ao retratá-los como um verdadeiro abandono a sua causa. A aliança entre Fatah e Estados Unidos, porém, decaiu desde então. De acordo com Mahmoud Abbas – que acumula a liderança da Autoridade Palestina, da OLP e do partido Fatah –, os palestinos não mais confiam na Casa Branca como um mediador honesto para o “processo de paz”.
No momento, a Autoridade Palestina tenta estabelecer uma nova parceria com a Rússia – outro agente importante na geopolítica regional. Durante a Guerra Fria, a União Soviética manifestou apoio às nações árabes contra Israel. Nos anos recentes, o engajamento de Moscou como parte do chamado Quarteto do Oriente Médio – composto ainda por Estados Unidos, União Europeia e Organização das Nações Unidas (ONU) – voltou a ganhar protagonismo estratégico. A posição do Kremlin sobre a Palestina se avolumou nos debates políticos desde a invasão da Ucrânia, em fevereiro deste ano. Israel assumiu uma postura desfavorável à política externa de Moscou, ao conservar seu alinhamento com os Estados Unidos e, portanto, suas relações estratégicas com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Tel Aviv condenou a invasão russa e cogitou enviar armas às forças ucranianas, após relatos sugerirem que Teerã emprestou aos russos seus drones armados.
Durante encontro com o presidente russo Vladimir Putin, na semana passada, Abbas expressou gratidão ao papel de Moscou no Quarteto do Oriente Médio. Abbas sugeriu ainda desconfiança sobre os esforços americanos para solucionar o conflito, ao reiterar que o Kremlin defende uma resolução de acordo conforme as diretrizes das Nações Unidas.
Porém, quão longe pode ir a Palestina ao alinhar-se com a Rússia? Moscou pode recorrer a esta aproximação para contrapor a supremacia dos Estados Unidos no Oriente Médio. O governo de Putin efetivamente aludiu à ocupação sionista na Palestina para responder à condenação de Tel Aviv a seus avanços no território ucraniano. O Kremlin reuniu também parceiros estratégicos no Oriente Médio, sobretudo Síria e Irã, à medida que a maioria das nações árabes se alinham com os Estados Unidos por interesses militares ou econômicos. Para além de tudo isso, entretanto, a Autoridade Palestina ainda depende do Quarteto do Oriente Médio para manter sua promessa de um “processo de paz”.
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Ramallah tem ainda de competir com a influência política do movimento de resistência Hamas, que antecedeu a Autoridade Palestina em sua veemente parceria com Moscou. Os laços entre o Kremlin e as forças do Hamas radicadas em Gaza são tamanhos que as forças palestinas foram capazes de obter mísseis antiaéreos Strela, fabricados na Rússia, para enfrentar as ofensivas da ocupação israelense. A colaboração entre Rússia e Hamas não é surpresa, dado o suposto “eixo de resistência” formado por Irã, Síria, Hamas e Hezbollah. O grupo radicado em Gaza pode até não ter contato direto com Moscou, mas pode abordá-lo mediante sua área de influência.
O Hamas não tem nada a perder e tudo a ganhar deste “casamento por conveniência”. Abbas e sua Autoridade, por outro lado, têm de mensurar com cuidado qualquer aliança expressa, dado o considerável apoio financeiro de Washington à gestão política em Ramallah. O Presidente dos Estados Unidos Joe Biden planeja fornecer US$235 milhões em assistência ao povo palestino na Cisjordânia ocupada por meio da administração local encabeçada pelo partido Fatah. Qualquer aliança entre Ramallah e Moscou, portanto, arrisca perder este capital político e econômico, em particular de Washington e da União Europeia.
Os palestinos devem, por conseguinte, desenvolver relações cautelosas com todas as potências em campo, tendo em vista seus objetivos próprios. É preciso um malabarismo para equilibrar as alianças internacionais. Na atual conjuntura, diplomacia é essencial, caso a luta palestina queira ter qualquer chance de sucesso.
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