A Autoridade Palestina (AP) perdeu há tempos seu aspecto de orgulho nacional, sobretudo em virtude das circunstâncias que lhe deram vazão, conforme acordo com a verdadeira autoridade hegemônica na Palestina ocupada – isto é, o estado sionista. A AP perdeu até mesmo seu pouco prestígio disciplinar, dado que o povo palestino – os jovens, em particular – não mais obedecem a suas ordens e diretrizes. Sem legitimidade, a “autoridade” é comandada pelo mesmo homem há mais de 17 anos. Mahmoud Abbas se tornou presidente em caráter vitalício, ao estender seu mandato indefinidamente sob pretexto da divisão nacional em torno da independência nativa – hoje consagrada pela prerrogativa problemática de dois estados.
A verdade é que o estado sionista, junto de seu patrono americano e outros aliados, apelou ao projeto de “estado” oriundo dos Acordos de Oslo de 1993 para domesticar a mobilização árabe após o advento da Grande Intifada de 1987 a 1993, quando os palestinos se insurgiram contra o regime de apartheid instituído pela ocupação. Não obstante, a aposta de Washington e Tel Aviv fracassou miseravelmente. O primeiro momento foi de enorme decepção, mesmo por parte do próprio fundador da Autoridade Palestina, sob ilusões de governança por meio da colaboração com as forças ocupantes na Cisjordânia. A Intifada de Al-Aqsa começou no outono de 2000 e foi absorvida politicamente por Israel com maior facilidade do que sua antecessora, pois decaiu na armadilha de pegar em armas. A resistência armada serviu de pretexto ao regime sionista para retratar sua opressão brutal como guerra entre dois iguais. Lamentavelmente, a narrativa serviu bem a Israel e sua natureza inerentemente violenta.
Todavia, após a brutal supressão da Intifada de Al-Aqsa – cujo marco derradeiro é o assassinato de Yasser Arafat, em 2004, e a eleição de Mahmoud Abbas como seu sucessor, no ano seguinte, sob a bênção de Israel e Estados Unidos –, foi conduzido um segundo esforço para amansar o povo palestino, em particular, mediante a divisão entre Cisjordânia e Faixa de Gaza desde 2007. Este processo contou com ajuda internacional para tentar eliminar o espírito de rebeldia dentre os palestinos, ao distrair alguns deles com promessas financeiras – acompanhada naturalmente por acachapante corrupção. A medida teve um breve êxito, ao dissuadir a geração derrotada da Segunda Intifada de insurgir-se coletivamente mais outra vez contra seus ocupantes.
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No entanto, uma nova geração atingiu a maioridade nos anos recentes: não devido à frustração sobre a máquina de guerra sionista e agentes nacionais colaboracionistas; tampouco em busca de dólares e enriquecimento próprio – mas sim por melhores condições de vida perante a crise global e a asfixia de décadas sob ocupação. Jovens filhotes, como eram há vinte anos, são agora bravos leões. É esta geração que passou a mover-se de maneira independente das organizações tradicionais, como Fatah, Hamas e outras facções. Sua indignação concentra-se na opressão de Israel, agravada pela derrocada da sociedade sionista à extrema-direita. O começo da mais nova Intifada – que podemos datar de Jerusalém, há cerca de um ano e meio – antevê uma onda de luta popular como nunca antes. Lamentavelmente, em 2021, o Hamas abortou novamente a iniciativa civil ao cair na arapuca de disparar foguetes e converter o processo em mais outra guerra assimétrica. O erro de pegar em armas pareceu repetir a Intifada de Al-Aqsa.
Os filhotes do passado são agora leões e seus mais corajosos indivíduos compuseram grupos de resistência independente em toda a Cisjordânia ocupada – dentre os quais, a chamada Toca do Leão, na região de Nablus, e a Brigada de Jenin. As novas associações conduziram operações de resistência contra Israel, que respondeu ao escalar a repressão em sua integralidade. Em troca, o descontentamento generalizado entre os palestinos veio à tona, dado que não é mais possível tolerar o comportamento abusivo de Tel Aviv. Agora, vemos as massas tomando as ruas, com a intenção de demonstrar sua indignação, como fizeram na última terça-feira (18).
Contudo, há uma questão crítica sobre a qual a juventude deve ter ciência: o uso de armas deve concentrar-se em motivar os palestinos à revolução popular, perante a provocação contínua do estado ocupante. Nesta lógica, a repressão serve para galvanizar a sociedade civil palestina; não o contrário. É esta a tática adotada por diversos grupos revolucionários no decorrer da história, que viram o uso de armas como meio para mobilizar espontaneamente a população. O objetivo ainda é promover uma nova Intifada, como foi a Primeira Intifada, e não mais outra ofensiva de larga escala perpetrada por Israel.
Este artigo foi publicado originalmente em árabe pela rede Al-Quds Al-Arabi, em 18 de outubro de 2022
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