Em meados da década de 1940, o diplomata sueco Folke Bernadotte coordenou a libertação de cerca de 31 mil prisioneiros dos campos de concentração nazista. Portanto, em 1948, quando a conjuntura pediu à incipiente Organização das Nações Unidas (ONU) por um mediados ao caos estabelecido na Palestina histórica, Bernadotte se tornou o nome ideal para a missão – dado o respeito consagrado entre sionistas e seu contundente trabalho de paz, sobretudo ao resgatar judeus dos campos de extermínio.
Contudo, em 17 de setembro, quatro meses após Israel autodeclarar seu estado, às vésperas de anunciar seu plano de paz, Bernadotte foi assassinado por agentes sionistas.
Mas quem, exatamente? Pressupõe-se atribuição de culpa ao grupo Lehi, também chamado de gangue Stern, dado que não há dúvida de que a organização paramilitar o queria morto. Porém, documentos confidenciais que recentemente vieram a público sugerem que, embora terroristas do Lehi tenham puxado o gatilho, foi o próprio Estado de Israel que encomendou o assassinato.
Naquele dia trágico, Bernadotte e seus assessores deixaram o aeroporto de Rodes em direção a Qalandiya – hoje, na Cisjordânia ocupada. A Legião Árabe então o escoltou em segurança a seu comboio de três veículos – até chegar aos limites israelenses de Jerusalém, recém tomada pelas forças sionistas. Israel, por outro lado, ciente das ameaças a sua vida, não enviou escolta.
O comboio foi parado em um checkpoint israelense e forçado a “manobrar de maneira tal a ser interpretada mais tarde como [provável] sinal [a seus assassinos] para apontar que Bernadotte estava sentado no terceiro veículo”. Logo em seguida, um jipe com homens armados obstruiu a rota; um agente sionista foi direto ao banco traseiro onde estava Bernadotte e atirou contra ele e o colega a seu lado. Mais tarde, surgiram panfletos do desconhecido grupo “Frente da Pátria”, para reivindicar responsabilidade pelo atentado.
Vale notar, a esta altura, a dinâmica política de então: a declaração de independência de Israel, em maio, pouco importaria sem seu devido reconhecimento da comunidade internacional e sua eventual admissão nas Nações Unidas. Seu fracasso em impedir o assassinato de Bernadotte – a mais infame entre as diversas execuções conduzidas por forças sionistas – chocou o mundo. No entanto, uma resposta supostamente compenetrada poderia mostrar a eventuais aliados que o estado nascente seria, a partir de então, uma nação responsável, em contraste com sua gênese notoriamente terrorista.
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Como então podemos explicar o que aconteceu?
Israel jamais isolou a cena do crime ou conduziu qualquer perícia. O veículo em que Bernadotte foi executado somente foi examinado após seu reparo; o primeiro carro não passou por análise. Nenhum esforço foi feito para identificar o jipe ou a fonte dos panfletos da “Frente da Pátria”. Suspeitos do Lehi foram convocados a depor, mas tudo parecia uma farsa, dado que prisão logo se converteu em um cenário de festa. Como relatou a revista Time: “Cerveja gelada. Sternistas abriram as portas de suas celas e desarmaram os guardas … foram acompanhados à praia para um mergulho. Outros relaxavam com seus carcereiros em um café local”.
Pouco depois do assassinato, os serviços de inteligência dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha tomaram conhecimento de que o Consulado da Tchecoslováquia em Tel Aviv havia emitido uma série de vistos para que os verdadeiros criminosos deixassem o país em direção a Praga, em um avião fretado do regime tcheco, com passaportes falsos e pseudônimos.
O caso se encerrou ali – até que, em 2005, o governo britânico removeu o sigilo do arquivo FO 371/75266, que continha uma carta assinada pelo cônsul-geral belga M. Jean Niewenhuys, com data de 1949, segundo a qual “uma fonte – considerada confiável, em contato secreto com um certo funcionário tcheco” corroborou que o assassinato foi perpetrado por agentes a serviço de Israel e não do grupo paramilitar Lehi.
Segundo a carta: “Parece que o cônsul-geral tcheco foi abordado pelo Reuven Shiloah, membro do gabinete de política externa israelense … uma semana antes do assassinato, para arranjar os vistos tchecos e as passagens aéreas a sete judeus, com destino a Praga … Shiloah, em nome do governo israelense, coordenou o assassinato”. Reuven Shiloah, pouco mais tarde, foi nomeado primeiro diretor da agência israelense de espionagem Mossad.
Conforme os relatos, um “membro sênior” do Lehi confirmou que sua organização não deteve responsabilidade pelo assassinato, “mas que seus sete agentes foram contratados pelo governo e muito bem remunerados, para evitar que a influente e poderosa figura do conde Bernadotte influenciasse a opinião global sobre os planos expansionistas de Israel”.
As palavras da fonte anônima de Niewenhuys comprovam indubitavelmente que Israel ordenou a morte de Bernadotte. Ademais, evidências circunstanciais se acrescentam à tese:
- Dois dias antes do atentado, Niewenhuys o aconselhou a não entrar em Jerusalém pelos próximos dias, sem conceder explicação. Bernadotte não acatou ao alerta, cujo sentido tornou-se claro após sua morte;
- As informações da fonte sobre a fuga dos criminosos a Praga coincidem com a análise de inteligência dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha, à qual não poderia ter acesso;
- É inverossímil que o Lehi sozinho tenha se infiltrado no consulado tcheco e assegurado a fuga mediante arranjos complexos do ponto de vista logístico e burocrático;
- Os assassinos pesadamente armados aguardaram a chegada do mediados por ao menos uma hora, sem qualquer empecilho imposto pelos checkpoints israelenses – tanto na ida quanto na volta –, bastante próximos do quartel-general que abrigava Bernhard Joseph, então governador militar do estado sionista;
- A fonte cita nominalmente Shiloah como mandante uma coincidência improvável, dado que não haveria como saber que Shiloah fundaria em breve o Mossad – notório por atos similares de assassinato político;
- O Lehi sempre assumiu crédito por seus atentados; de fato, buscou se vangloriar delas – desta vez, todavia, negou envolvimento. O nome “Frente da Pátria” continua incógnito, provavelmente um grupo ficcional.
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O rastro para solucionar definitivamente o assassinato de Folke Bernadotte esfriou há décadas. Não obstante, independente de quem contrato seus assassinos, a normalização das execuções conduzidas por grupos sionistas maculou as raízes do estado israelense. A resposta de Tel Aviv tampouco pôde ser explicada.
Bernadotte declarou apoio a três princípios diplomáticos capazes de arruinar o projeto sionista: o direito de retorno dos refugiados palestinos; o status de Jerusalém; e fronteiras permanentes – isto é, um impedimento ao expansionismo colonial israelense. Avancemos ao tempo presente e suas demandas continuam atuais. Apesar de três quartos de século de retórica internacional e sucessivas resoluções das Nações Unidas, a ocupação israelense ainda persiste.
O crime parece ter se apagado da memória coletiva: ninguém que “obedece” ao regime sionista – espontaneamente ou não – carrega em seus ombros o fantasma de Folke Bernadotte. Porém, o êxito angariado por Israel para asseverar anuência global mediante terrorismo – ao destruir reputações, manipular eleições, forçar demissões etc. – tornou-se o legado cumulativo dos atos de intimidação e morte perpetuados pela entidade sionista.
A rotina de assassinatos cometidos por Israel escalou à conjuntura atual, incluindo ícones como a jornalista palestino-americana Shireen Abu Akleh, personalidades políticas e ativistas locais e internacionais que lutam por direitos humanos fundamentais. Não obstante, o alvo favorito de Israel é notório: jovens executados diariamente, exterminados por meramente demonstrar um princípio ou talento para liderança, cujos nomes raramente sequer são mencionados na mídia.
Este artigo é baseado em um trecho do livro do autor, intitulado Palestine Hijacked
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