Nesta segunda-feira (24), a pesquisa do instituto Atlas – o que mais se aproximou dos resultados obtidos no primeiro turno das eleições brasileiras – indicou ligeira migração em favor da candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, atual líder das intenções de voto
No mesmo dia, a pesquisa do IPEC, apontou uma diferença estável que coloca Lula sete pontos à frente do adversário Jair Bolsonaro em votos totais e oito pontos em votos válidos, As oscilações são mínimas de uma semana a outra, mas abalam a campanha do atual mandatário, que vê fracassarem os malabarismos para tirar votos do ex-presidente.
A campanha de Lula, desde o início, optou por não ser apenas petista, dada a gravidade do desmonte democrático. Ameaças da extrema direita ao Supremo Tribunal Federal (STF) e à Constituição acenderam os sinais de alarme para o risco real de destruição da democracia.
Lula chocou o próprio eleitorado ao convidar Geraldo Alckmin, adversário histórico nas disputas eleitorais, para ser seu vice-presidente. A situação pela frente era mais grave do que desbancar um oponente direitista. Era preciso convocar as forças democráticas para retirar o Estado brasileiro das mãos de um extremista e belicoso, apoiado pelo projeto anticivilizatório do fascismo internacional.
Aos poucos, partidários mais renitentes perceberam a inevitabilidade de uma frente ampla. Candidatos que condenaram Lula no primeiro turno, no esforço de colocar-se como terceira via, juntaram-se a ele no segundo. Um partido como PSTU, adversário do PT pela esquerda, acabou optando pelo voto crítico em Lula, como único caminho para afastar do governo a família Bolsonaro e as milícias que o apoiam.
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Pouco aparecem, nestas eleições, discussões sobre as propostas de política externa dos candidatos. Mas a disputa coloca o Brasil entre cenários opostos de relações com o mundo. O país que historicamente defendeu o direito internacional passou a aliar-se, no atual governo, a forças que declaradamente desprezam ou violam esse direito.
No governo de Bolsonaro, é explícito o aprofundamento da subserviência aos EUA e a parceria incondicional com o apartheid israelense. O apelo ao fanatismo nacionalista ou religioso reproduz no país experiências externas, como o trumpismo que sobrevive nos Estados Unidos e a violência fanática dos colonos israelenses.
No caso de Lula, o ex-chancelar Celso Amorim deixa pistas importantes em livros como Laços de Confiança, e Teerã, Ramalá e Doha. Registra o esforço de integração sul-americana, valorização das relações sul-sul, aproximações com o Oriente Médio e respeito ao povo palestino.
O governo atual empurra a campanha para o confronto de valores e crenças enquanto a campanha de Lula procura escapar das armadilhas de uma pauta medieval de costumes, focando em políticas sociais. Denuncia especialmente o descaso federal com a pandemia de covid-19. Procura alcançar a população arrasada pela falta de emprego, alimentos e moradias e que, de outro lado, é manipulada por “bondades” eleitorais e temporárias do governo.
Há, porém, um submundo que arrasta a campanha eleitoral para ameaças de violência. Mensagens propagandas a partir de esquemas na deep web e redes sociais acessam segmentos da população com narrativas adequadas a instigar seus piores pesadelos, do castigo de Deus ao medo do comunismo associado à volta de Lula ao poder.
Essa rede de captura da população pela raiva é ainda alimentada por bravatas e factóides previsíveis na reta final da campanha e que preocupam. O último evento foi engendrado no domingo (23) por um aliado já condenado de Bolsonaro, que fez de si mesmo uma isca para criar uma cena de resistência armada à prisão – algo capaz contaminar os ânimos já exaltados de um eleitorado que se mobiliza para atacar o judiciário e a mídia. Mas o drama não funcionou. Em lugar de vítima perseguida pelo STF, defendida por uma pretensa multidão raivosa e salva por uma ilegal mediação do governo, o aliado feriu policiais com granadas e tiros, acabou encarcerado e não comoveu ninguém. Pelo contrário, chocou o país.
Lula foi rápido ao dizer que o fato é ensinamento para o Brasil “voltar a ser um país democratico” – mensagem capaz de furar a bolha e alcançar uma parte do eleitorado que ainda não se deu conta da violência embutida na política da extrema direita.
As forças democráticas pedem à sociedade brasileira para manter os olhos abertos porque o fascimo ronda, feroz e faminto. Como diz o músico brasileiro Caetano Veloso, o metabolismo da alma brasileira precisa reagir ao perigo. E está reagindo, em uma árdua batalha. Fake news estão sendo desmentidas nas redes, nas ruas e nos direitos de resposta.
“Estamos vivendo, possivelmente, a semana mais importante da nossa história. Quem teve dúvida sobre a importância de a gente reconquistar e praticar a democracia não pode (ter) mais”, disse Lula durante ato em defesa da democracia realizado na noite de segunda-feira (24) na PUC, em São Paulo.
O resultado das urnas selará o destino da democracia brasileira.Quem quer que se preocupe com ela, e tenha meios de alcançar um coração brasileiro, sabe que é preciso tocá-lo agora.
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