A Copa do Mundo FIFA de 2022 se avizinha, realizada excepcionalmente entre 20 de novembro e 18 de dezembro. Milhares de pessoas viajarão ao Catar – primeiro estado do Oriente Médio a receber o mais popular campeonato desportivo do mundo. Neste entremeio, é absolutamente natural nossa curiosidade sobre a cultura e a gastronomia tradicional catariana.
O Catar abriga tantas cozinhas quanto nacionalidades. Desde o tradicional prato filipino frango adobo, amaciado com vinagre, à crocantes dosas indianas recheadas com batata temperada. As escolhas gastronômicas do Catar representam bem a diversidade dos 2.3 milhões de imigrantes que moram no país, com restaurantes especializados em trazer os sabores do lar onde quer que o lar esteja.
Trabalhadores e empresários começaram a chegar nesta minúscula península árabe na década de 1950: primeiro, para construir uma nação; então, para fazer dela sua nova casa. Com apenas 132 km², o Catar é um dos menores países do mundo. Não obstante, é também um dos estados mais ricos, incluindo seu ostentoso circuito de gastronomia. Há cafés e restaurantes que servem arroz jollof de Gana, bolinhos mantu do Uzbequistão, nasi goreng da Indonésia e burratas com azeite trufado da culinária italiana. Em suma, pratos para todos os gostos e orçamentos.
Para além do circuito internacional, a gastronomia típica do Catar geralmente se representa por receitas de panela com ingredientes das terras e mares da região, com peixe para os menus de verão e carne para os menus de inverno. Os pratos costumam ser temperados com especiarias originárias das viagens mercantis no decorrer da história árabe, como cravo e pimenta preta da Índia, cardamomo do Sri Lanka e açafrão do Irã.
SIRVA-SE: Tamriyeh
Tradicionalmente, as mulheres da família começam a preparar as refeições na noite anterior ou no início da manhã, a fim de cozinhá-las a fogo baixo em panelas de barro sobre fogão de lenha. Os homens saem para pescar ou pastorear seus rebanhos em pequenas fazendas, antes mesmo da primeira oração da manhã. Ao meio-dia, retornam para a casa e desfrutam do almoço.
Vejamos a seguir alguns dos pratos tradicionais preparados no Catar
- Machboos
Machboos está para o Golfo como o biryani está para a Índia. Embora reivindicado por Bahrein, Kuwait e Emirados Árabes Unidos – cada qual com suas variações –, o machboos é considerado o prato nacional do Catar.
Sua base costuma ser arroz basmati lavado e cozido, acrescido de uma proteína grelhada, como frango, cordeiro, peixe ou mesmo camelo. As proteínas agregam cor à receita e são temperadas com alho, gengibre, pimentas e uma mistura de especiarias típicas conhecida como bizar.
Semelhante à mistura de temperos conhecida como baharat, o bizar reúne cominho, cúrcuma, coentro, gengibre, canela e pimenta preta, além de loomi – um ingrediente único importado ao Catar do vizinho Omã. O loomi – ou limão negro – parece com carvão, mas dá ao machboos um toque especial, ao agregar um sabor levemente azedo à receita. Após cozimento, o machboos é servido com algumas gotas de suco de limão para complementar a acidez do loomi.
- Khubs rgag
O khubs rgag é uma espécie de pão folha muito fino feito com farinha, água e sal. Sua massa é batida e então enrolada para cozinhar em um tawaah, um grande prato de ferro que costuma ir diretamente sobre o carvão em chamas.
O pão crocante, com textura semelhante à dosa indiana, é encontrado nas barracas de ruas nos principais centros turísticos da capital Doha. A prato de rua costuma ser servido com queijo kiri ou Nutella, uma reviravolta moderna a uma receita bastante tradicional.
O khubs rgag é uma espécie de pão folha parecido com dosa [Facebook/International Cuisine]Shams al-Qassab – uma das primeiras empresárias do país – administra o autêntico restaurante Shay Al Shomous, que serve o pão tradicional com ovos e za’atar, ao adaptá-lo à preferência de seus clientes.
O khubs rgag costuma servir como acompanhamento a outros pratos – ou como ingrediente, como veremos a seguir.
- Thareed
O thareed recebe seu nome da grande panela de barro em que costuma ser preparado. Trata-se de um suculento caldo de frango ou cordeiro e molho de tomate, além de vegetais frescos como batata, cenoura, cebola e ervilhas.
Para experimentar a verdadeira essência deste prato, no entanto, é preciso levar sua colher ao fundo da panela, onde encontrará camadas de khubs rgag, cortadas com cuidado para revesti-la e acrescer sabores ao ensopado.
Pratos fartos como este ganharam o coração e o estômago de cidadãos e residentes imigrantes do Catar, devido da escassez de frutas e vegetais na dieta local, em meio ao clima árido que toma o país. Algumas famílias conseguem cultivar tomates e melancias; porém, têm de aguardar que outras frutas sejam exportadas de Omã e Irã. Nos últimos dez anos, o Catar importou em torno de 90% de seus alimentos.
- Harees
O harees é um prato tradicional cujo protagonista é farinha de trigo rústica triturada, fervida ou mantida de molho durante a madrugada. Na manhã, a massa é colocada para cozinhar em fogo baixo por cinco ou seis horas e então acrescida de pedaços de frango, cordeiro ou ambos.
SIRVA-SE: Shorbet shi’iriyeh bil lahmeh (sopa de carne e vermicelli)
A mistura é então batida a uma textura levemente elástica e temperada com cominho e canela. Costuma ser servida como um mingau, com uma fina camada de manteiga clarificada.
As famílias catarianas costumam enviar panelas deste prato a seus vizinhos como gesto de boa-vontade, sobretudo durante o mês islâmico do Ramadã.
O harees é um prato feito com farinha com textura similar a um mingau [Wikimedia/CC]Outros países têm variações da receita, como o haleem no Paquistão e o congee na China. Logo ao lado, os omanenses acrescentam aveia à mistura.
- Madrouba
Este é um prato que pode ser descrito como um mingau de arroz bem-temperado e aromático, acrescido de uma proteína a gosto. O arroz é cozinhado em fogo baixo com leite e manteiga por horas e temperado com cardamomo, de modo a se tornar quase um cuscuz. Conduto, a adição de uma carne macia ou frango transforma o prato em algo novo.
Leguminosas podem ser também adicionadas à receita, batida à consistência de polpa com uma colher de madeira. Daí, surge seu nome em árabe: do verbo darb, que significa “bater”.
A chave para aperfeiçoar o preparo está na mistura precisa dos ingredientes, ao permitir que os sabores se combinem e adquiram um toque defumado. Costuma ser servido bem quente, como um alimento reconfortante para as horas de descanso.
Pratos como o madrouba são frequentemente passados de geração a geração; cada família traz seu toque particular à receita. Embora seja feito tradicionalmente com arroz, para economizar no tempo de cozimento, algumas pessoas usam trigo ou aveia.
No Catar, pratos que contém leite costumam ser fornecidos por famílias que possuem rebanhos para fazer manteiga (zibda) ou laban (soro de leite). A população gosta de saborear o laban frio como meio de refrescar-se no verão escaldante do país. Pratos leves são então preparados para acompanhamento, com peixes frescos das águas do Golfo, grelhados e servidos com arroz.
- Balaleet
Certa vez servido apenas no café da manhã, está combinação única de macarrão cabelo de anjo adocicado é cozida com manteiga, canela, açafrão e cardamomo, resultando em um sabor sem igual. Versões do prato contam ainda com água de rosas ou cúrcuma. Ao final do cozimento, é acrescido de uma omelete ou ovo frito, muitas vezes, também infundido com cardamomo.
SIRVA-SE: Baklava de pistache turco
No começo do preparo, os fios de macarrão são levemente torrados a uma coloração dourada e então fervidos até ficar al dente. Apenas então acrescemos os temperos e o acompanhamento.
A doçura dos fios de macarrão contrasta bem com o salgado dos ovos. O prato pode ser servido como café da manhã ou uma sobremesa refrescante. No entanto, costuma ser comido como um aperitivo para qualquer hora do dia. O prato vai bem com karak chai – um chá saboroso à base de leite – ou com o tradicional café árabe.
Conta a tradição que mercadores da Índia trouxeram o macarrão cabelo de anjo ao Catar; não obstante, as famílias locais clamam para si a criação da receita, devido à adição ímpar de ovos e especiarias.
- Luqaimat
Com um nome que significa “pedaço” ou “mordida”, esses pequenos bolinhos tradicionais são cozinhados ao ponto perfeito. Ao invés de revestida com açúcar de confeiteiro, essa sobremesa refrescante é frequentemente imersa em xarope de açúcar, mel ou mesmo xarope de tâmaras.
Há diversas variações da receita, sobretudo oriundas da culinária turca levada ao Catar durante o breve domínio otomano sobre a região – entre 1875 e 1914. Na Turquia, o prato é conhecido como lokma.
Esta sobremesa é feita de massa tradicional sem açúcar, de modo que seu sabor doce se origina inteiramente do xarope na qual é imersa. De fato, o preparo é razoavelmente simples. Algumas pessoas adicionam cardamomo ou açafrão à massa para conferir um sabor catariano clássico ao aperitivo. O resultado ideal é uma esfera perfeita crocante por fora e macia por dentro.
Como muitas das receitas citadas acima, a autenticidade propriamente catariana do luqaimat está em seu preparo. Os locais fazem a massa com manteiga, leite e farinha e então adicionam açafrão e cardamomo, antes de fritá-la no óleo quente. O xarope é acrescido posteriormente.
O luqaimat costuma protagonizar reuniões de família ou amigos. A iguaria do tamanho de uma mordida é bastante popular no mês sagrado do Ramadã, servida habitualmente fresca e morna.
Este artigo foi publicado originalmente em inglês pela rede Middle East Eye
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