Malásia não é campo de batalha para Israel e Hamas – ou qualquer outro conflito

A Malásia apoia a causa palestina no Oriente Médio e se opõe à ocupação israelense posterior a 1948. O governo em Putrajaya jamais manteve relações diplomáticas com Israel, mas acatou ao plano de paz baseado na Linha Verde – ou armistício de 1949 –, isto é, ao consenso mundial de dois estados, conforme fronteiras anteriores a 1967. Por inferência, o estado malaio apoia que Jerusalém Oriental seja reconhecida como capital do estado palestino. A Malásia estende ainda sua solidariedade ao povo palestino nos fóruns internacionais, sem considerar qual facção está envolvida. Fatah e Hamas são tratados de maneira justa e respeitosa pelo governo, mesmo que a missão diplomática oficial da Palestina, em Kuala Lumpur, continue sob gestão da Autoridade Palestina (AP), controlada pelo partido Fatah e radicada em Ramallah.

A influência do Hamas aumentou na Malásia desde a fundação do movimento de resistência na década de 1980, como ramificação da Irmandade Muçulmana. Há diversos apoiadores do grupo original entre a população islâmica no estado asiático, o que torna o país um destino seguro ao Hamas e seus apoiadores – assim como Turquia, Irã e Catar. O número de estudantes palestinos na Malásia também cresceu – sobretudo intercambistas de Gaza.

Os malaios tampouco esquecem o assassinato de um professor palestino em Kuala Lumpur em 2018. Fadi Mohammed Al-Batsh, engenheiro elétrico nascido em Gaza, foi executado a tiros por dois motoqueiros. Sua família insiste que a agência de espionagem israelense Mossad agiu para executá-lo. O Hamas reconheceu que Al-Batsh era membro do movimento, considerado por seu ramo militar como “comandante”. Na ocasião, o Ministro da Defesa de Israel Avigdor Lieberman emitiu a negativa de sempre, mas acusou o professor de projetar mísseis para o Hamas.

Em 28 de setembro deste ano, um cidadão palestino de Gaza foi resgatado por policiais malaios em Selangor. Segundo o New Straits Times (NST), o Mossad coordenou também este sequestro, que levou a Polícia Real da Malásia a convocar seu editor, Farrah Naz Karim, para investigações. Relatos associados ao caso – embora não corroborados – indicaram que onze cidadãos malaios, incluindo uma mulher, foram recrutados pelo Mossad e treinados na Europa para abduzir Omar Albelbaisy Raeda, programador de software e suposto integrante do Hamas. Rumores apontam que outro palestino conseguiu escapar de seus captores e contactou a polícia. Agentes malaios então invadiram um chalé em Hulu Langat e libertaram o cidadão cativo. Mais outra vez, oficiais do Mossad foram mencionados no indiciamento.

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O NST confirmou que Raeda foi interrogado sobre sua experiência em computadores, sobre os conhecimentos detidos pelo Hamas sobre tecnologia e sobre membros conhecidos das Brigadas de al-Qassam – braço militar do grupo de resistência. O jornal israelense Haaretz reportou que Raeda trabalha como desenvolvedor de softwares para o sistema Android e morou na Turquia.

O Ministério do Interior da Malásia lançou um inquérito sobre o suposto envolvimento de Israel no sequestro. O incumbente da pasta, Hamzah Zainuddin, prometeu agir devidamente caso as suspeitas fossem confirmadas. Até então, a Polícia Real da Malásia não conseguiu determinar se agentes do Mossad estiveram efetivamente envolvidos na abdução de palestinos em território malaio. Oficiais destacam que a investigação prossegue e pedem ao público que não especulem ou perturbem a ordem pública. As redes sociais, neste entremeio, são inundadas com “notícias” sobre o Mossad e sua presença na Malásia, assim como a eventual parceria entre a agência de espionagem e a oposição política no país. Há uma enxurrada de fake News sobre o assunto. As notícias são regularmente politizadas na Malásia, à medida que se aproxima a 15ª Eleição Geral do país, sem qualquer verificação formal dos relatos divulgados pelo News Straits Times sobre operações do Mossad.

Contudo, os relatos ecoaram na mídia internacional – incluindo em Israel –, embora o inquérito continue em aberto. O premiê malaio Ismail Sabri espera um relatório da polícia e do Conselho de Segurança Nacional sobre as alegações, mas prometeu – em todo caso – que a segurança do estado prevalece resguardada.

Enquanto isso, a rede Al Jazeera afirmou que uma fonte “bem-informada” confirmou que uma “célula do Mossad” foi descoberta na Malásia, supostamente em locais sensíveis a espionagem, incluindo aeroportos, a fim de penetrar em companhias de tecnologia de caráter estatal. Nada disso foi confirmado formalmente, embora o jornal The Jerusalem Post tenha observado que a política do Mossad é intervir contra militantes do Hamas onde que estejam.

A suposta operação do Mossad na Malásia sugere que agências de inteligência operam em todo o planeta, o que significa que o conflito entre Israel e Palestina – e sobretudo a guerra de Israel contra o Hamas em Gaza – pode entornar a outras regiões. A Malásia apoia a causa legítima do povo palestino por um estado viável e independente, conforme resoluções da Organização das Nações Unidas (ONU). Trata-se da polícia oficial do estado independente de apoio ao Hamas ou Fatah. O governo tampouco reconhece o Estado de Israel e seus cidadãos não podem viajar ao estado ocupante, assim como israelenses não podem entrar na Malásia. No entanto, a política malaia não considera os israelenses como inimigos ou alimenta hostilidade ao país.

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A Malásia percebe o sionismo beligerante e as políticas de apartheid contra os palestinos como inaceitáveis e violação flagrante da lei internacional. A política externa do governo malaio pode mudar de rumo caso Israel mostre disposição em abraçar a solução de dois estados, respeitar as resoluções da ONU e colaborar honestamente com o processo de paz. Com dois estados lado a lado, em paz e tranquilidade, mesmo Israel estará mais seguro e as operações do Mossad serão coisa do passado.

A Malásia é uma nação que ama a paz e clama a outros países para respeitarem sua soberania. Sua política contra a ingerência estrangeira em seus assuntos domésticos ou atividades ilegais em seu território é bastante rigorosa. Nenhum governo ou indivíduo pode usar a Malásia como campo de batalha a seus próprios conflitos. O povo malaio espera que a questão palestina seja solucionada por meio de uma paz justa e duradoura.

O futuro da Palestina é importantíssimo à Malásia e sua política externa. Porém, sua segurança nacional não pode ser comprometida. O governo tem receios de que os ataques israelenses ao Hamas lhe imponham um dilema político, caso seja comprovado que o Mossad opera no país. É uma questão que preocupa a todos nós.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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