Domingo, seis de novembro, completou uma semana da derrota bolsonarista nas urnas e a vitória em segundo turno de Luiz Inácio Lula da Silva, através de uma coalizão que ultrapassa, no momento em que escrevo o artigo, mais de 13 forças políticas. Jair Messias Bolsonaro calou por 48 horas após o resultado e outras 40 horas seguintes para pedir o desbloqueio das estradas federais e estaduais. O recuo do bolsonarismo foi retomar os anos 1950 e 1960, com as chamadas vivandeiras dos quartéis. Civis motivados pela extrema direita e a realidade paralela das redes sociais conclamam militares a uma “Intervenção Federal”.
Concomitantemente, iniciam os trabalhos do governo de transição – uma etapa transitória de montagem da nova equipe da administração federal – e um gabinete conjunto com 50 membros da chapa vencedora e outros 50 do governo que perdeu a reeleição. O operador-chave deste momento – os dois meses que antecedem a posse no dia 1o de janeiro de 2023 – é o vice-presidente eleito e ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. Nominalmente filiado ao PSB, o afilhado político do falecido Mário Covas é a própria representação da centro-direita: uma inflexão neoliberal – mas regulacionista – na economia e um pleno reconhecimento do liberalismo democrático na esfera política. Junto a Geraldo, estão o ex-ministro e economista Aloizio Mercadante e a deputada federal reeleita pelo estado do Paraná, a presidenta do PT, Gleise Hoffmann. É este o triunvirato que serve de anteparo entre os poderes fáticos da sociedade de classes brasileira e o presidente eleito Lula.
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O paradoxo do Brasil agora é esse. Um estertor do bolsonarismo que, de um lado, e de forma um tanto caótica, corre para os Estados Unidos diante de uma ofensiva jurídica, utilizando os espaços digitais para a profusão de fake news. E, por outro, a ascensão do novo governo, com Lula convidado para a COP 27 – convite feito pelo anfitrião da conferência, o próprio governo do Egito – e o reconhecimento imediato de sua vitória por potências globais como EUA, China, França e Rússia.
Os laços estadunidenses no bolsonarismo defensor do golpe de Estado
Circula nas redes sociais um excelente texto apontando os laços estadunidenses e um enlace argentino – Derecha Diario, do mentiroso profissional Fernando Cerimedo – apoiando o bolsonarismo. O levantamento é da Diretora Executiva da Agência Pública, a reconhecida jornalista Natalia Viana. Em um breve resumo – ampliando-o com detalhes importantes – podemos apontar a sempre presente influência de Steve Bannon e seu potal Breitbart. Também surge uma “novidade” na política brasileira: uma espécie de YouTube alternativo, The Rumble, página de vídeos voltados para teorias conspiracionistas da extrema direita dos EUA.
Uma rede social cresce vertiginosamente após a derrota eleitoral de Donald Trump, nas eleições presidenciais da superpotência em 2020. Se trata da plataforma Gettr, criada por Jason Miller, ex-auxiliar e ex-porta voz direto do empresário picareta do ramo imobiliário dos Estados Unidos, além de apresentador de shows televisivos que elogiam a cadeia alimentar empresarial. Natalia Viana aponta a presença midiática – ao menos nas redes e esgotos do trumpismo continental – do “jornalista” Matthew Tyrmand, do conselho do Project Veritas (praticante da nefasta prática de câmara oculta sem propósito investigativo). Uma das estrelas da extrema direita gringa televisiva, apresentador Tucker Carlson, da Fox News, convidou ao citado no parágrafo acima para aumentar a temperatura da tensão protofascista. Outra liderança trumpista, Ali Alexander, o líder do movimento “Stop the Steal” (campanha para embasar a mentira da fraude contra Trump em 2020), também se alia ao discurso da fraude no Brasil. Como são sistemas de mídia e de circulação complementares, os mentirosos profissionais acima citados têm contas no Truth Social, plataforma criada pelo Trump Media & Technology Group. Um exemplo de engajamento empresarial nos Estados Unidos pode ser conferido pela posição pública de Mike Lindell, homem de negócios do mercado do sono e que sugeriu que Trump proclamasse lei marcial para evitar a derrota para Joe Biden.
Três operadores são centrais nestas correlações com a extrema direita gringa. Eduardo Bolsonaro em primeiro lugar. Não por acaso, o deputado federal reeleito é o homem de confiança da agenda da inteligência sionista operando no Brasil. Já na disputa recente, o neto de João Baptista Figueiredo Paulo Figueiredo Filho (estrela da Jovem Pan em sua pregação protofascista) e a deputada pistoleira Carla Zambelli. Esta última foi para Miami logo após a derrota eleitoral e da base compartilhada com “gusanos cubano-americanos”, faz protestos sem fim nos domínios políticos de Jeb Bush (irmão de Bush Jr, este sim um especialista em fraudar pleitos).
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A internacionalização dos protofascistas é um movimento que não cessa, e pode ser o recuo estratégico do inimigo interno, assim como a acumulação de agendas, com Trump lá e a herança política de Bolsonaro aqui.
Brasil na encruzilhada dos três terços
A encruzilhada brasileira é mais profunda do que aparenta na superfície. Vejamos os números do eleitorado. Lula ganhou com 50,9% dos votos válidos contra 49,1% da representação da máquina pública e do engajamento da extrema direita em escala mundo. A diferença foi de 1,8%, separando 2 milhões de votos entre ambos. 32 milhões de cidadãos brasileiros não compareceram às urnas, somando mais 5,6 milhões de nulos e brancos. Brasileiros que não se cadastraram para votar chegam a mais de 10 milhões de pessoas. Desse universo, se cogita que cerca de ¼ dos apoiadores de Bolsonaro são favoráveis a um golpe militar ou a uma saída autoritária coordenando um Estado policialesco, sendo a repressão social a base de apoio ao protofascismo de Bolsonaro.
No plano da política externa, Lula terá todo o respaldo possível – incluindo convites para Davos, COP 27, G-7, G-20 e a reativação do Fundo da Amazônia, nutrido com capitais nórdicos. Já em nível doméstico, a situação é mais delicada, com parcela importante do aparelho de Estado – Forças Armadas, forças policiais federais e estaduais, uma parcela ainda relevante do Partido Judicial, metade dos meios de comunicação e mais de 30% do eleitorado com alinhamento neopentecostal, sem falar na hegemonia dos capitais médios com inclinação para a extrema direita e vocação escravagista.
O futuro breve do país vai depender de uma série de fatores, muitos destes com variáveis incontroláveis. Importante observar duas situações externas: uma, o pouco espaço político do governo Alberto Fernández, pela Frente de Todos, na Argentina. Outra, ainda mais preocupante, a articulação de Donald Trump, Steve Bannon e o trumpismo dominando o Partido Republicano nos EUA. São as analogias visíveis para os próximos dois anos de governo social-democrata e liberal-democrático no Brasil, mas com uma permanente ameaça de desestabilização protofascista.
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