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Relembrando o Rei Hussein da Jordânia (14 de novembro de 1935 – 7 de fevereiro de 1999)

Rei Hussein saúda membros de sua segurança pessoal, em Amã, Jordânia, maio de 1983 [David Hume Kennerly/Getty Images]

Dizem que o rei Hussein da Jordânia sobreviveu a ao menos sete golpes das Forças Armadas e doze tentativas de assassinato. Em sua autobiografia de 1962 – intitulada em inglês Uneasy Lies the Head – escreveu Hussein: “Por vezes, sinto que sou o personagem principal de um romance de detetive”. Hussein sobreviveu à Guerra dos Seis Dias, de Yom Kippur e do Golfo Persa. Nada mal para um monarca posto no poder pelo Mandato Britânico, que governou seu país em meio ao nacionalismo árabe de Gamal Abdel Nasser e que compartilhou suas fronteiras com a Arábia Saudita, Iraque, Síria, Palestina e Israel.

A sobrevivência, portanto, se tornou um dos grandes legados do rei Hussein, uma demanda que teve de cumprir desde muito jovem. Em 1951, o príncipe acompanhava seu avô, o Rei Abdullah I, nas orações de sexta-feira na Mesquita de Al-Aqsa, em Jerusalém Oriental, quando um atirador atingiu e matou o governante hachemita. Segundo a lenda, uma medalha no uniforme de Hussein lhe salvou a vida, ao ricochetear uma bala. O pai de Hussein abdicou do trono treze meses depois e Hussein foi nomeado Rei da Jordânia, aos 16 anos de idade, em 11 de agosto de 1952.

Relatos alegam que o assassino de Abdullah era um cidadão palestino contrário aos esforços de paz do então monarca junto de Israel, ao priorizar os interesses jordanianos em detrimento das reivindicações legítimas do povo palestino. O avô de Hussein tinha esperanças de controlar ao menos a “parte árabe” da Palestina histórica, em troca de uma desescalada frente a Israel. Com efeito, para além do incidente na mesquita, Hussein passou seu reinado de 46 anos em habitual divergência com os palestinos. Como destacou Avi Shlaim em sua biografia, The Lion of Jordan: “Nenhum problema foi maior ou mais persistente a Hussein do que a questão palestina”.

Um dos pontos baixos do relacionamento palestino-jordaniano foi o chamado Setembro Negro. Após a Guerra dos Seis Dias, quando Hussein perdeu a Cisjordânia e Jerusalém Oriental ao ente sionista, a Jordânia se tornou epicentro de uma luta para reaver a Palestina por meio da resistência armada. O reinado de Hussein se tornou instável. Em setembro de 1970, o rei jordaniano ordenou a expulsão da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) do país, processo que resultou na morte de quatro mil civis palestinos e 950 combatentes.

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Nos anos seguintes, Hussein e a OLP disputaram a representação dos palestinos no cenário internacional. A organização tentava estabelecer um estado árabe independente, enquanto o monarca buscava reafirmar sua autoridade e soberania sobre a Cisjordânia. Com efeito, a OLP foi reconhecida como única representante dos palestinos – sobretudo pelos próprios árabes nativos –, de modo que a maioria dos estados e povos da região continuaram desconfiados com Hussein no decorrer da década seguinte.

O antagonismo árabe, no entanto, não era novidade ao monarca, sobretudo dado suas relações históricas com o Ocidente. A família hachemita fora, afinal, escolhida por Londres para governar um país construído sobre os frangalhos do Império Otomano. Os laços da coroa jordaniana com seus padrinhos britânicos eram profundos: desde a própria criação do estado e ainda além.

O bisavô de Hussein e rei de Hijaz, Hussein bin Ali, comandou o levante contra os otomanos ao lado do Reino Unido. Na ocasião, a família hachemita era guardiã das cidades sagradas de Meca e Medina, ao governar sobre a região da atual Arábia Saudita há cerca de sete séculos. Após a queda do Império Otomano, Faisal, filho de bin Ali, recebeu de presente o Iraque; Abdullah, a então Transjordânia – que se tornou mais tarde o Reino da Jordânia. Conforme rumores, a árvore genealógica da família hachemita retorna até mesmo ao Profeta Mohammed.

Ao preservar a tradição familiar, valores e contatos britânicos foram instilados em Hussein desde muito jovem. Hussein foi educado na prestigiosa escola pública Harrow, na Inglaterra; em seguida, estudou em Sandhurst – academia militar que instruiu os príncipes William e Harry, e muitos outros nobres do Oriente Médio, sobretudo o Golfo de raízes coloniais. A lista de alunos de Sandhurst abarca o rei do Bahrein, o ex-emir do Kuwait, o sultão de Omã, o emir do Catar e numerosos príncipes sauditas e emiradenses.

Em março de 1956, o nacionalismo de Nasser estava por toda a parte e o relacionamento entre Hussein e o Reino Unido causavam dores de cabeça ao rei hachemita. Londres pagava milhões e milhões de libras em subsídios à Jordânia todos os anos. Hussein não teve escolha senão trocar os oficiais britânicos de suas Forças Armadas por comandantes árabes, exonerar sir John Bagot Glubb – general estrangeiro incumbido de comandar a legião árabe – e revogar o tratado anglo-jordaniano. No entanto, com pouquíssimos recursos naturais e sem petróleo, a Jordânia sempre dependeu de ajuda dos bancos das grandes potências. Foi neste contexto que Hussein recorreu aos Estados Unidos. De fato, como governante, Hussein pouco se interessava na construção de uma economia nacional independente de socorros externos.

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De certa forma, a vida privada de Hussein espelhou suas alianças políticas. Sua primeira esposa, Dina, era graduada em Cambridge; sua segunda consorte, Antoinette Gardiner, era filha de um coronel britânico – convertida ao Islã, adotou o nome de Muna. Abdullah, seu primogênito é o atual rei da Jordânia. A quarta é última esposa de Hussein era uma cidadã árabe-americana. O monarca teve quatro esposas – não-simultâneas – e doze filhos.

Em 1994, a Jordânia se tornou o segundo estado árabe – após o Egito – a assinar um tratado de paz com Israel. O pacto levou em consideração disputas por mar e terra, meios de colaboração de turismo, comércio, linhas de transporte, recursos hídricos e programas ambientais. As partes prometeram que seus respectivos territórios jamais seriam usado como plataforma para realizar ataques militares recíprocos. Para o palácio, este foi o grande momento do reinado de Hussein. Em protesto, no entanto, palestinos queimavam seu retrato ao longo do rio Jordão.

Há quem afirme que o rei Hussein sempre teve em vista os direitos palestinos. Após a criação do Estado de Israel, em 1948, e a Guerra dos Seis Dias, em 1967, muitos palestinos buscaram asilo na Jordânia. O país passou a ser descrito como um dos mais acolhedores aos refugiados, em contraste às políticas discriminatórias de outros estados árabes. De fato, muitos refugiados palestinos foram consagrados com o direito à cidadania plena.

As histórias sobre Hussein o descrevem como cortês, modesto e tolerante. Sua vida, todavia, foi marcada por um ritmo frenético. Hussein era um fumante inveterado, que gostava de corridas e de saltar de paraquedas. Avi Shlaim reconhece que Hussein deu à Jordânia “peso político” nos assuntos regionais e internacionais – “grande feito para sua população pequena, sua economia limitada e seu exército modesto, embora orgulhoso”. Hussein se vangloriava como um homem da paz e estimava seu acordo de normalização com Israel como um valoroso troféu. A quem diga, entretanto, que este foi decerto seu maior fracasso; opositores o rechaçam até hoje. No centro de Amã, manifestantes ainda se reúnem para queimar bandeiras israelenses e exigir do regime que rescinda seu tratado.

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