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Relembrando Taha Hussein, ‘decano da literatura árabe’

Taha Hussein, um dos mais influentes escritores egípcios do século XX [Saburi/Wikipedia]

Segundo a maior parte dos relatos, Taha Hussein, um dos mais estimados autores e intelectuais da literatura árabe, nasceu em 14 de novembro de 1889, na aldeia de Izbet al-Kilo, na província de Minya, no Alto Egito. Seus primeiros anos foram particularmente humildes: o sétimo filho de 13 irmãos de uma família de classe média-baixa.

A adversidade, não obstante, atingiu Hussein ainda aos três anos de idade, quando uma simples conjuntivite, mal curada por um curandeiro local, o fez perder a visão. A deficiência crônica não impediu sua sede de conhecimento e sua formação intelectual. Mais tarde, cunhou o lema: “A educação é como o ar que respiramos e a água que bebemos”.

Apesar de suas dificuldades, o pai de Hussein o matriculou em uma escola tradicional conhecida como kuttab, onde aprendeu o idioma árabe e memorizou o Alcorão. Um de seus irmãos mais velhos estudou na prestigiosa Universidade de al-Azhar no Cairo e prestava visitas à família todo verão, as quais deixaram relegaram forte influência ao jovem Hussein, seja por sua educação ou pela busca por respeito de um estudante de status universitário.

Em 1902, aos 13 anos de idade, Hussein mudou-se à capital emergente para estudar na célebre instituição. Foi ali que o jovem estudante cego vivenciou um “mar sem fim” de conhecimento. Hussein descreveu seu espírito neste momento de sua história, em sua autobiografia de três volumes, Al-Ayyam (Os Dias): “[Estava] determinado a mergulhar neste oceano, a beber de suas águas, tanto quanto lhe fosse ofertado; estava preparado até mesmo para afogar-se nelas”.

Após anos de estudos religiosos, Hussein pouco a pouco passou a sentir-se em uma “atmosfera rígida de discurso anacrônico”. A virada do século XX foi certamente crucial à história moderna do Egito, à medida que os conquistadores britânicos se estabeleciam como protetorado velado no lugar dos otomanos. Novas ideia e uma classe de intelectuais modernistas emergiram, após anos de ostracismo, estagnação e forte presença religiosa nas instituições acadêmicas.

A reforma substancial do sistema de ensino de al-Azhar ocorreu algumas décadas depois, sob a liderança do sheikh Mahmud Shaltut, que – como Hussein – recebeu influência de muçulmanos modernistas como Muhammad Abduh. Hussein aludiu à questão da supervisão do estado sobre as estruturas educacionais cerca de trinta anos antes da Constituição do Egito de 1971.

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Divergências frequentes com a diretoria de al-Azhar e seu interesse cada vez maior na literatura deixaram Hussein com pouca alternativa senão avançar a estudos seculares. Hussein mudou-se para Universidade do Cairo – fundada em 1908 – e obteve seu diploma de doutorado, em 1914; de fato, o primeiro a ser consagrado pela instituição. Sua tese foi sobre Abu Al-Ala Al-Maarri, um filósofo e poeta sírio do século XI – cego como Hussein.

No ano seguinte, Hussein seguiu à França com uma bolsa de estudos, primeiro a Montpellier e então a Paris. Seus estudos passaram a se concentrar nos campos do latim, grego e da literatura francesa de sua época, e culminaram em uma pós-graduação em história em outro doutorado em Sorbonne – o primeiro conquistado por um pesquisador egípcio. Durante seus quatro anos na França, Hussein se casou.

Ao retornar o Egito em 1919, Hussein passou a lecionar história e se tornou o primeiro reitor da Universidade de Alexandria. Hussein se tornou decano da faculdade de literatura da instituição emergente em 1930. Seu mandato na universidade mais progressista e ocidentalizada do Egito, não obstante, tampouco careceu de controvérsias sobre seu ponto de vista pouco ortodoxo em torno de questões religiosas.

Em 1926, Hussein publicou seu livro mais polêmico, sob o título Poesia Pré-islâmica. A obra foi censurada e então revisada, considerada “blasfema” por autoridades religiosas, por questionar a interpretação tradicional do Alcorão e a autenticidade da poesia árabe pré-islâmica. No texto, Hussein sugere que historiadores e linguistas árabes ficcionalizaram partes da história das tribos a seu bel-prazer. Em 1932, sob tamanha controvérsia, Hussein foi exonerado de seu cargo como reitor da faculdade de artes. Pouco depois, no entanto, foi restabelecido, recebendo a alcunha que acompanhou o restante de sua vida: Hussein, o decano.

Quem sabe, o ápice de sua carreira ocorreu em 1950, designado Ministro da Educação. Hussein promoveu, no cargo, uma árdua campanha pelo ensino livre, gratuito e universal, sem qualquer discriminação de classe ou outra, antecedendo o programa adotado após a revolução de 1952, pelo presidente Gamal Abdel Nasser.

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Embora a autobiografia de Hussein seja sua obra mais conhecida no Ocidente – certamente a primeira obra da literatura árabe moderna a ser aclamada do outro lado do mundo –, o grosso de seu legado repousa em suas terras, sob o epíteto marcante de “decano da literatura árabe”. Hussein recebeu 14 indicações ao Prêmio Nobel de Literatura e foi laureado com o Prêmio das Nações Unidas em Direitos Humanos e com a Ordem do Nilo do Egito – maior honraria do país. Nagib Mahfouz, vencedor do Nobel em 1988, reconheceu Hussein como uma de suas maiores influências: “Quando li Os Dias de Taha Hussein, escrevi algumas notas, quase um livro, no qual narrei a história de minha vida ao estilo de Taha Hussein”.

Hussein continuou a escrever e lecionar até sua morte, em 28 de outubro de 1973, aos 85 anos de idade. Prevalece como inspiração a milhões que buscam superar a pobreza e a deficiência, ao tornar-se um dos mais celebrados escritores e intelectuais do mundo árabe moderno.

 

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