A revista Christian Science Monitor publicou uma reportagem de sua correspondente, Anna Jane Caesar, sobre os refugiados sírios que foram parar no Brasil e descobriram que a melhor forma de ganhar a vida seria vender sua culinária tradicional no país anfitrião.
Quatro anos após a imigração, uma família síria viu-se administrando um restaurante de comida síria em São Paulo, a maior cidade do país. Sua história ecoa a experiência de muitos refugiados sírios que chegaram ao Brasil.
Talal al-Tinawy trabalhava em Damasco como engenheiro mecânico; sua esposa, Ghazal Branbo, cuidava dos dois filhos em casa. Após ser encarcerado por três meses, devido a um erro crasso do governo de Bashar al-Assad, por mera semelhança de nomes, Talal decidiu deixar o país. A família se mudou para o Líbano; de lá, começou a registrar seu pedido de asilo nas embaixadas mundo afora e conseguiu emigrar ao Brasil.
Ghazal comentou o processo: “Passamos dez meses no Líbano, indo de uma embaixada para outra, e somente a embaixada brasileira abriu suas portas para nós. Quando vi o visto brasileiro no meu passaporte, então percebi: não sei nada sobre o Brasil”.
A família chegou a São Paulo no fim de 2013 e teve um recomeço difícil. Talal voltou a trabalhar como engenheiro mecânico; contudo, após dez meses de exílio, ficou desempregado, quando a empresa em que trabalhava faliu. Devido à recessão econômica que tomou conta do Brasil, sua esposa passou a vender roupas infantis nas ruas da metrópole.
Durante uma festa de aniversário de seus dois filhos, o casal serviu comida síria. Um voluntário de uma organização não-governamental de assistência aos refugiados no Brasil estava presente na ocasião e sugeriu a eles que vendessem comida na rua para ganhar a vida.
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Talal hesitou: “Sou engenheiro, não cozinheiro”. Todavia, ele e sua esposa aceitaram o conselho e foram chamados por uma mesquita a preparar as refeições do mês sagrado do Ramadã. Seu amigo da ong brasileira criou uma página do Facebook para o casal de refugiados e lançou uma campanha de financiamento coletivo ao seu empreendimento. O plano era arrecadar R$20 mil, meta conquistada com a doação de mais de mil pessoas.
Depois disso, o casal deu início aos trâmites legais para abrir seu restaurante. Segundo Talal, a burocracia brasileira lhe exigiu numerosos documentos e passagens por repartições públicas. Os esforços demandaram da família tempo e dinheiro. Foram cinco meses de tramitação, até que a família al-Tinawy conseguiu abrir seu próprio negócio, em abril de 2016: o Talal Culinária Síria.
Caesar visitou o restaurante em uma manhã de quinta-feira. Ghazal preparava o almoço e servia bandejas de homus, tabule, falafel e kebabs, ao organizá-los em um extenso bufê aos clientes atarefados de São Paulo. O marido conversava com o advogado sobre assuntos de trabalho, ao lembrá-lo que, ao meio-dia, teria de ajudar a esposa a arrumar as mesas enquanto alternavam os cuidados concedidos à filha de dois anos. Entre si, falavam árabe; com os clientes, português.
O empreendimento da família tornou-se parte de um novo ecossistema paulistano de negócios administrados por refugiados sírios, sobretudo recém-chegados, sem experiência prévia no setor de restaurantes, que passaram a vender comida caseira para sustentar suas famílias. De fato, o fenômeno não é novidade alguma em São Paulo: décadas atrás, ondas de imigrantes japoneses, libaneses, africanos, armênios, entre outros se assentaram na cidade, graças à política de portas abertas adotada pelo Brasil sobre novos imigrantes.
Ondas de imigração do Oriente Médio, desde o século XIX, popularizaram no Brasil pratos como a esfiha e o quibe. Estima-se que há entre sete e dez milhões de descendentes libaneses no país – cerca de 5% da população brasileira. Mais recentemente, refugiados sírios se beneficiaram do amor dos brasileiros pela comida árabe e trouxeram novos pratos pouco conhecidos até então, como o shawarma e o baklava.
Carolina Goshkin, que trabalha perto do restaurante da família al-Tinawy, reiterou durante seu horário de almoço: “Os imigrantes trazem sua influência à gastronomia paulistana, mas o sabor torna-se algo novo no paladar do brasileiro”. Segundo Goshkin, os novos refugiados retomaram um sentido de autenticidade à culinária árabe no Brasil.
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A maioria dos refugiados não planejava aventurar-se no setor de restaurantes para sobreviver. Saeed Murad, cirurgião ortopedista em Damasco, veio parar no Brasil há dois anos e percebeu que o processo de equiparação de seu diploma seria quase impossível. Devido às dificuldades, recorreu à gastronomia e abriu um café especializado em doces típicos, como baklava, kunafa e barazek. “Eu entendi que abrir um restaurante sírio seria uma boa ideia, uma maneira rápida de ganhar dinheiro, já que o povo brasileiro adora comida árabe”, comentou o médico.
Segundo um blogueiro local de gastronomia, história e cultura: “Os refugiados sírios no Brasil se beneficiaram de uma longa história de imigrantes do Oriente Médio que chegaram a São Paulo e apresentaram à cidade seus pratos tradicionais”. Tamanha diversidade não está disponível em outras regiões: São Paulo é um dos principais destinos a cidadãos estrangeiros.
Em São Paulo e em todo o Brasil, há inúmeros restaurantes árabes dos mais diversos estilos e contextos sociais. Uma popular rede de fast food vende esfihas, quibes e pastas árabes, ao lado de batata frita, hambúrguer e mesmo pizza.
Publicado originalmente em árabe pela rede Arabi21
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