O Catar vive suas mil e uma noites. Certa vez um sonho no coração das pessoas; agora, realidade vista em primeira mão. O pequeno país árabe realiza uma festa colossal a todo o planeta. Dois milhões de turistas devem chegar ao Catar para a Copa do Mundo FIFA, com seus emblemas no peito e suas bandeiras em riste. Bilhões de torcedores em todos os cantos do mundo assistirão os jogos pela televisão. Gastos não poupados: trata-se da Copa do Mundo mais cara da história das Copas.
Trata-se de um verdadeiro ponto de inflexão a Doha e à relação dos povos árabes com eventos esportivos internacionais. É a primeira Copa do Mundo organizada em um país árabe e islâmico. Os anfitriões aceitaram o desafio e conquistaram o direito de receber o torneio mais popular do globo em dezembro de 2010. A cerimônia de abertura foi sofisticada e bem dirigida, como uma vitrine da engenhosidade árabe. Toda a nação demonstra entusiasmo ao evento esportivo.
Tudo isso foi feito diante de uma campanha coordenada e sem precedentes sobre acusações de abusos de direitos humanos e outras questões. Desde as preocupações sobre o clima no Golfo a alegações de propina e apoio ao “terrorismo”, uma máquina de propaganda entrou em ação no que se refere à Copa do Mundo. Reformas e recuos do governo, assim como suas conquistas ao longo dos últimos anos, parecem ser ignorados.
O bloqueio imposto ao Catar por seus vizinhos do Golfo, em 2017, somou-se à guerra midiática que clamava por boicote ao torneio ou mesmo substituição do país-sede. A campanha intensiva não terminou com a reconciliação e o acordo de al-Ula, em 2020, assinado com Arábia Saudita. Em meio à pandemia de coronavírus e a invasão russa da Ucrânia, países-irmãos aproveitaram a chance para espalhar rumores sobre o suposto cancelamento da Copa do Mundo. Suas redes de imprensa propagaram e alimentaram boatos. No entanto, ao perceber que seus chamados não teriam êxito, passaram a desdenhar do Catar por gastar tanto na Copa do Mundo.
Em último caso, o foco voltou-se às leis de equidade no Catar, sobretudo aquelas que divergem do Ocidente, em particular, referentes aos direitos da comunidade LGBTQ+. As autoridades em Doha insistem que todos são bem-vindos; reconhecem que costumes e direitos são distintos em outros países; mas pedem aos turistas que respeitem os costumes, tradições e padrões morais adotados no país.
Diante disso, o Ocidente revelou outra vez seu rosto colonial, racista e odiento. Os ataques não foram motivados por preocupações sobre terrorismo, direitos humanos, direitos das mulheres, dos homossexuais, dos trabalhadores, ou quaisquer outros. E como poderia ser se os governos ocidentais mantêm seu contundente apoio à ocupação israelense e suas violações cotidianas de direitos humanos e da lei internacional?
A verdadeira razão é que a Copa do Mundo é sediada por um estado árabe e islâmico. Trata-se de islamofobia e racismo, puro e simples.
LEIA: Copa do Mundo: Catar prefere evitar problemas em casa a capitular ao Ocidente
Todavia, começou o torneio, em meio a apelos para que futebol não se misture com política. No entanto, a justaposição entre futebol e política não é novidade e mesmo a campanha contra o Catar demonstra a politização do esporte. A Copa do Mundo FIFA não é somente um torneio de futebol, mas também uma plataforma mundial para expor diversas ideologias e representações identitárias. Contra o Catar, vemos a prática orientalista de impor valores e morais ocidentais a estados islâmicos. Ao fazê-lo, críticos estilhaçaram a própria crença de que o futebol em geral e a Copa do Mundo, em particular, podem reunir os povos de maneira absolutamente distinta de outros eventos. O Catar, neste entremeio, insiste preservar seus valores, tradições e identidade islâmica enquanto promete abertura e acolhimento a visitantes de todo o planeta.
O emir catariano Tamim Bin Hamad al-Thani lamentou a “difamação sem precedentes” que seu país enfrentou às vésperas do evento. “Receber uma Copa do Mundo é uma oportunidade para mostrar quem somos, não apenas em termos de força de nossa economia e nossas instituições, mas também em termos de nossa identidade civilizacional”, reafirmou o emir. “Aceitamos este desafio sob a fé em nosso potencial, de que nós obteremos sucesso, pois temos ciência do quão importante é receber um evento tão grande quanto a Copa do Mundo em um estado árabe”.
Por mais que tentassem, os detratores não impediram o Catar de trabalhar duro nos últimos 12 anos para construir a infraestrutura do torneio e responder a apreensões em voga, ao emendar sucessivas leis catarianas. Bilhões foram gastos para assegurar acomodação e conforto a todos os visitantes, para que possam se locomover às partidas sem atrasos ou dificuldades, apesar de numerosos problemas logísticos em torno de tamanha demanda a um país tão pequeno. Itens de tecnologia de ponta foram adotados para conceder atualizações imediatas sobre o trânsito e sugerir rotas alternativas, por exemplo. Pela primeira vez, um sistema de “cidade inteligente” foi empregue no mundo árabe, com intuito de beneficiar torcedores, equipes e residentes.
“Sempre dissemos que o Catar entregaria a melhor Copa do Mundo da história”, argumentou o presidente da FIFA Gianni Infantino. “O mundo está animado; o Catar está o pronto. Juntos, nós faremos a melhor Copa do Mundo da história, tanto dentro quanto fora de campo”.
Assim esperamos. O esporte constrói laços entre os povos. Reconciliação é fundamental. Vimos os presidentes do Egito e da Turquia apertar as mãos, apesar de um relacionamento turbulento entre as partes. Vimos Mohammed bin Salman, príncipe herdeiro saudita, se envolver com uma bandeira do Catar e ser um dos primeiros governantes árabes a visitar vizinho após rematar seu bloqueio. Bin Salman instruiu seu regime a apoiar os esforços da Copa do Mundo no Catar. Não obstante, a ausência de líderes emiradenses foi notável.
As próximas semanas representam um momento de celebração árabe, não apenas catariana. O sucesso do Catar é o sucesso de todos os povos árabes. Gostaria que apoiadores do sionismo e do colonialismo percebessem isso e se juntassem à festa.
https://www.instagram.com/p/ClR3pv0LQv-/
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.