Todos parecem respirar futebol durante a Copa do Mundo FIFA realizada no Catar, que encerra sua fase de grupos nesta semana. O assunto domina as conversas na maioria dos países árabes. Torcedores apoiam suas seleções, algumas com chances de classificação para a próxima etapa: Arábia Saudita, Marrocos, Tunísia e os anfitriões, Catar. Artilheiros se prostraram no campo, em gesto característico das orações islâmicas, como celebração de gol ou de vitória. Torcedores de todo Oriente Médio festejaram quando a Arábia Saudita derrotou a Argentina, uma das equipes favoritas no torneio, e se entristeceram com a subsequente derrota para a Polônia.
Tudo isso ilustra o fato de que a região abriga uma única nação dividida em fronteiras artificiais por forças colonialistas. Relações de fraternidade ganharam evidência, assim como a emoção e a torcida genuína por cada uma das equipes árabes. Ninguém pode contestar o fato de que esta é a nação de Muhammad – que a paz esteja com ele.
As redes sociais viralizaram as reações à vitória saudita, ao empate tunisiano com a Dinamarca, e à notável vitória marroquina contra a famosa geração belga, uma seleção que – até então – lograva do segundo lugar no ranking da Federação Internacional de Futebol (FIFA). As seleções árabes não representam apenas seus países, mas toda a região. Quando os sauditas venceram, todos os árabes celebraram sua vitória.
O mesmo vale para a organização do torneio. O Catar obteve êxito em reunir o mundo para sua Copa do Mundo, organizada pela primeira vez em um estado árabe e islâmico – mas este sucesso pertence a todos os árabes. A bússola de nossa pátria árabe recuperou sua união, com vínculos inquebrantáveis que abarcam cultura, religião, idioma e identidade, em franca contiguidade do Oceano Atlântico aos mares do Golfo. As fronteiras se evidenciaram como um mero construto artificial imposto pelo colonialismo, mediante postos militares e arame farpado, sob bandeiras “nacionais” fabricadas pelas forças hegemônicas. Nossa história comum supera tudo isso.
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Não há nações no mundo que compartilhem de tamanho sentimento de união e pertencimento. Britânico, alemães, espanhóis, russos, indianos, chineses e japoneses, nenhum estado-nação foi capaz de construir tamanho sentimento de filiação comum entre seus povos como os árabes.
No meio de tudo isso, repousa a forte e notória presença palestina no Catar. Em contrapartida, Israel e seus colonos ilegais sumiram das telas. A conjuntura ganhou evidência com a manchete do The Guardian: “As tensões na Copa do Mundo que o Ocidente não vê: Israelenses recebem ordens para serem discretos”.
Podemos dizer, com certo grau de confiança, que a normalização com o regime ocupante teve seu fracasso exposto na Copa do Mundo do Catar, à medida que a bandeira palestina ganhou os espaços na arquibancada ao lado das bandeiras das seleções participantes. A imprensa de Israel teve de contentar-se com sucessivas recusas por entrevistas que viralizaram nas redes sociais. Tel Aviv esperava que sua presença midiática no Catar seria uma oportunidade extraordinária para abordar torcedores árabes e promover sua agenda de normalização. Tais boas-vindas, não obstante, jamais vieram.
Abordados por um repórter israelense, um grupo de rapazes libaneses respondeu à câmera: “É chamada Palestina, não Israel”. Após um jovem catariano se recusar a conceder uma entrevista à televisão sionista, muitos passaram a saudá-lo por sua posição firme e dedicada. Jornalistas de Israel foram frustrados pela veemente recusa de torcedores árabes e outros para cooperar com uma cobertura supostamente lúdica da ocupação. Estes fãs do futebol sabem muito bem que a normalização com alguns regimes árabes e islâmicos não reflete o sentimento das ruas.
Durante uma transmissão ao vivo, Tal Shorrer do Canal 13 de Israel, enfrentou atos de protesto contra a normalização e em solidariedade ao povo palestino. Imagens de Shireen Abu Akleh – jornalista da Al Jazeera morta por Israel a sangue frio – foram vistas junto da bandeira nacional palestina. Um tradicional lenço palestino – conhecido em árabe como keffiyeh – foi exibido no estádio durante uma partida que contou com a presença do Emir do Catar Tamim Bin Hamad al-Thani.
O jornal israelense Yedioth Ahronoth publicou na capa fotografias de torcedores com bandeiras palestinas e a manchete capciosa: “A Copa do Mundo do ódio”. Segundo o periódico, as ruas de Doha são perigosas aos israelenses, que sofrem hostilidade a cada esquina. “Não esperem nada do Catar”, escreveu o parlamentar ultraconservador israelense Amichai Chikli em sua página do Twitter. “Este é um estado inimigo”.
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A agenda de normalização claramente sofreu um revés com a Copa do Mundo. É notável que a vida dos palestinos tem um lugar guardado no coração dos povos árabes. Este vínculo não pode ser rompido, não importam os esforços dos agentes sionistas. Tudo isso confirma o que sempre soubemos: os povos árabes repudiam a normalização e sua bússola ética aponta para a direção correta, não importa o que seus governos façam ou pensem. As pessoas sabem que o inimigo é a ocupação israelense, mesmo que os regimes árabes corram para normalizar laços na busca de ganhos políticos e econômicos. A Copa do Mundo no Catar demonstra outra vez a centralidade da questão palestina. Quem sabe um dia seja conhecida como a Copa do Mundo da Palestina. Certamente, merece a alcunha.
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