O Catar fez bem em gastar US$220 bilhões para a Copa do Mundo?

Em 2009, o Catar se candidatou para sediar a Copa do Mundo FIFA de 2022. Muitos reservaram dúvidas de que o minúsculo estado árabe, de caráter conservador, pudesse fazê-lo. É a primeira vez que um país árabe e islâmico recebe o maior campeonato de futebol do planeta, desde sua edição inaugural no Uruguai, em 1930. Os olhos do mundo, para além dos fanáticos por futebol, voltaram-se ao Catar.

Logo após ser eleito para receber a Copa do Mundo, em 2010, dúvidas sobre o Catar tomaram os mecanismos de busca na internet. O que é o Catar? Por que ele vai sediar a Copa do Mundo? E sobretudo: O Catar tem o que é preciso para fazer um evento bem-sucedido?

De fato, a candidatura é parte do projeto Visão Nacional 2030, estabelecido por pesquisadores catarianos em 2008. O plano prevê que, até 2030, o Catar se torne uma nação avançada, capaz de equilibrar desenvolvimento com alto padrão de vida de sua população.

Historicamente, o cinema mainstream ignora cenários brilhantes da região árabe e sua ciência e cultura avançada, exportada a todo o planeta, para representá-lo como um deserto primitivo, cujos habitantes andam de camelo e brigam entre si. Essa imagem negativa enraizou-se em boa parte da mentalidade ocidental sobre os árabes e sua cultura.

Além da missão de mudar a imagem da região árabe, o Catar decidiu combater estereótipos da islamofobia adotados por diversas nações não-islâmicas da comunidade internacional. Foi assim que o Catar escolheu sediar a Copa do Mundo FIFA de 2022, mas promovê-la como um evento de todos os árabes e muçulmanos.

Doha gastou entre US$220 e US$230 bilhões nos preparativos do torneio. As arenas destinadas às partidas das 32 seleções participantes foram estimadas, contudo, em “apenas” US$7 bilhões. A maioria dos recursos foram gastos em projetos de desenvolvimento e infraestrutura.

O Catar construiu uma das mais modernas redes de hospedagem, transporte e outros serviços de todo o mundo, destinados a torcedores e turistas que aportarem no país durante o torneio. As instalações, no entanto, devem ser empregues posteriormente no projeto de modernização nacional, enquanto o pequeno estado busca equilibrar tradições, demandas das gerações atuais e futuras, crescimento econômico e assistência social.

Ao longo do torneio, o Catar buscou aumentar sua influência perante o público internacional e ampliar o nível de suas relações diplomáticas. Para tanto, gastou tanto quanto pôde em nome de um ambiente supostamente amistoso para os fãs do esporte.

Paul Michael Brannagan – pesquisador de Gestão de Esportes da Universidade Metropolitana de Manchester – e Danyel Reiche – professor visitante da Universidade de Georgetown no Catar – passaram boa parte dos últimos 12 anos, desde a vitória da candidatura catariana para a Copa do Mundo, analisando os acertos e erros de todo o processo. Ambos disseram que o Catar pode realizar um dos “megaeventos esportivos mais ecológicos de todos os tempos”.

De fato, o Catar recorre ao esporte para promover uma autoimagem mais moderna, apesar de uma campanha de boicote de regimes vizinhos – encerrada no ano passado – sob alegações de patrocinar o “terrorismo”. Em 2011, o emir Tamim bin Hamad comprou a maioria das ações do clube francês Paris Saint-Germain (PSG), mediante Fundo de Investimentos Esportivos do Catar, tornando-se, em março do ano seguinte, o único proprietário da equipe.

Sob a presidência de Nasser al-Khalaifi, o PSG se transformou no clube mais abastado do globo, após declarar falência. A equipe está entre as mais lucrativas do planeta. A aquisição catariana levou o nome do país – sua cultura, sua religião, suas tradições – ao público francês e europeu.

A Copa do Mundo no Catar e seus problemas [Sabaaneh/Monitor do Oriente Médio]

Os preparativos para a Copa do Mundo no Catar levaram países árabes que lhe impuseram um embargo a reatar relações.

James Montague, autor de “The Billionaires Club: The Unstoppable Rise of Football’s Super-rich Owners”, afirmou à rede CNN: “Ser dono de um time de futebol, patrocinar um estádio, ter seu nome na camiseta, ser visto por 200 países do mundo semanalmente, sem qualquer conotação negativa: trata-se de uma ferramenta incrivelmente poderosa para moldar sua imagem em todo o cenário internacional”.

“Estar na cabeceira da mesa do futebol europeu, assinar com os melhores jogadores no auge de suas carreiras e se projetar como uma alternativa tão atrativa quanto Barcelona e Real Madrid, tudo isso agrega ao poder do PSG como marca e, em último caso, ajuda a promover a imagem internacional do Catar”.

O Catar buscou retratar a preparação de sua Copa do Mundo como um evento de união árabe, desde o princípio, e oportunidade para construir pontes entre o Ocidente e Oriente Médio. No entanto, deixou claro que não abandonaria suas tradições.

O major-general Abdulaziz Abdullah al-Ansari – chefe de segurança para os 28 dias de Copa do Mundo – insistiu que o torneio jamais coagiria o estado a abdicar de sua fé. O Comitê Supremo para Legado e Realização, responsável por supervisionar os projetos de infraestrutura e os atos de planejamento para a Copa do Mundo, advertiu: “Todos são bem-vindos no Catar, mas somos um país conservador e qualquer exibição pública de afeto, não importa orientação sexual, não é recomendada. Pedimos apenas às pessoas que respeitem nossa cultura”.

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Neste entremeio, Doha convidou renomados pregadores muçulmanos – como Zakir Naik, Omar Abdul Kafi, Said Al Kamali e outros – para preservar uma imagem positiva do Islã aos turistas e fãs do esporte que chegarem no país. O Catar abriu suas maravilhosas mesquitas aos visitantes e distribuiu panfletos nos estádios, nos hotéis e nas zonas de torcida.

Pela primeira vez, o chamado islâmico à oração é ouvido durante partidas da Copa do Mundo; o horário dos jogos leva em conta o cronograma religioso. O Catar advertiu, não obstante, contra símbolos alusivos à comunidade LGBTQ e proibiu o consumo de álcool nos estádios. É também a primeira vez que uma recitação do Alcorão deu início ao torneio.

De fato, haverá um campeão dentre as 32 seleções da Copa do Mundo FIFA de 2022. Todavia, o Catar construiu uma vitória sua – e não apenas: em nome de árabes e muçulmanos.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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