A primeira fase da Copa do Mundo marcou uma série de momentos em que houve debate, polêmica, temas de representatividade e visibilidade de algumas bandeiras mundiais. Como era de se esperar, a correta crítica às violações de direitos humanos e do mundo do trabalho não foram proporcionais aos temas do anti-imperialismo. Mesmo com o boicote da mídia ocidentalizada, a brasileira inclusa, a chamada “teoria da brecha no jornalismo” ganhou reedição na era das redes sociais. Polêmicas, postagens, ativismo digital e embates no universo do entretenimento colocaram a Palestina na primeira, segunda e terceira telas do debate brasileiro. Discutimos o que foi emitido nas emissoras, a postagem de celebridades e os comentários posteriores de quem influencia parcela importante dos milhões de cidadãos e cidadãs árabe-brasileiros.
No Dia Internacional de Solidariedade ao Povo Palestino, em 29 de novembro, o analista que aqui escreve foi âncora e entrevistador numa live para o portal do MEMO, abordando a visibilidade da causa palestina em meio ao grande evento internacional da Copa do Mundo do Catar. A entrevista com a influenciadora brasileira de origem árabe-palestina, Hyatt Omar – radicada no Canadá –, revela ao universo do jornalismo o que ocorre com muita intensidade nas redes sociais e no ato de segunda ou terceira telas do entretenimento e da iconização das lutas contemporâneas.
Uma das passagens citadas pela estudante de psicologia da Universidade de York cita outro momento importante, da chamada segunda tela. O perfil de Mahmmud Mashni, outro influenciador árabe-brasileiro, postava uma resposta interessante. Luciano Huck, em conversa ao vivo com o repórter da rede Globo Felipe Andreoli, citou a cena emocionante do neto do treinador da seleção brasileira de futebol, Tite (Adenor Leonardo Bachi), sendo carregado nos ombros por um torcedor palestino. Vergonhosamente, Huck desconhece a bandeira da Palestina (ou seria proposital?) e afirma que “esse torcedor árabe emocionou a todos”.
LEIA: Palestinos, sírios e libaneses torcem juntos com brasileiros na Copa do Mundo
Mashni comentou em seu perfil: “Hoje dia 29/11 dia da solidariedade ao povo palestino, e não tinha data melhor pra eu postar esse vídeo do lucianohuck (meu querido Lulu) gaguejando e não falando que essa bandeira é da Palestina, o povo palestino e solidário em sua essência e nos seus gestos, somente conhecendo a Palestina ou o seu povo pra saber do que estou falando, o titecoach teve esse gostinho e pena que ainda não conseguiu retribuir, mas é vc quer saber mais?? Busque entender sobre a causa Palestina e as atrocidades que o seu povo sofre diariamente. lucianohuck se vc não sabia que essa bandeira é da Palestina agora sabe.”
Descontando a escrita típica dos ecossistemas digitais, percebemos que existe e avança uma rede de influenciadoras e influenciadores brasileiros, especificamente de origem árabe-palestina, que podem se contrapor à desinformação do grupo que detêm os direitos de transmissão da Copa. Uma contraposição é reafirmar e demandar uma agenda positiva para esta mesma emissora. Mas cabe observar algo importante: não podemos afirmar que na editoria de esportes da Globo e subsidiárias temos apenas espinhos islamofóbicos, orientalistas e antiárabes.
Cabe destacar a presença – e as excelentes reportagens – de Pedro Bassan; do âncora André Rizek e, de forma um pouco mais tímida, do experiente comentarista Carlos Eduardo Mansur. Os dois primeiros afirmam sua origem árabe e, de certa maneira, trazem uma agenda positiva que pode facilitar a compreensão da situação da Palestina ocupada.
Palestina, o 33º país na Copa
O mundial de futebol profissional masculino tem, nesta edição, a presença de 32 países. Considerando a visibilidade de seleções árabes na primeira fase da Copa e a simpatia da maior parcela do planeta com a Palestina, sob ocupação estrangeira há mais de cem anos, podemos afirmar que a Cananeia dos Filisteus é – em solidariedade e afeto – o 33º país presente.
Na matéria de Daniel Mundim para o portal GE (Globo Esporte), cujo título se refere ao enunciado acima, o repórter afirma que: “O branco, preto, vermelho e verde da bandeira palestina se mistura com as cores das bandeiras em cada jogo de uma seleção árabe no Mundial do Catar, especialmente nos da Tunísia. Torcedores de outros países da região, que não se classificaram para a Copa, prestigiam o torneio para abraçar a causa. Egípcios, argelinos, jordanianos, sírios e claro, tunisianos, marroquinos, sauditas e cataris carregam a bandeira. Muitos cachecóis com a frase ‘Liberte a Palestina’ são vistos entre os fãs.”
Ao menos neste universo, parece as ruas árabes ainda são o maior combustível do panarabismo e, evidentemente, do apoio incondicional para libertação da Palestina. Mesmo seleções nacionais de países com elites dirigentes aliadas do sionismo – caso da monarquia marroquina –, as celebrações na primeira fase da competição trazem a todo momento a bandeira palestina.
Outra condição interessante é a empatia árabe com a seleção brasileira. As vitórias do Brasil na primeira fase foram intensamente comemoradas no Líbano. Não é de se estranhar, considerando que a terra dos cedros é a origem de mais da metade dos árabe-brasileiros (incluindo este que escreve). Também houve celebração na Palestina, com ênfase na Faixa de Gaza, no chamado Campo Brasil (herdeiro da presença de tropas brasileiras na missão da ONU em Suez), bairro da cidade de Rafah, quase na fronteira com o Egito (por sinal, vergonhosamente fechada).
Em 26 de novembro último, a Globo News enfim acatou e enunciou a presença da bandeira palestina e o fato de que torcedores árabes e argentinos a carregam em sinal de solidariedade. Nas redes sociais foi possível verificar essa mesma empatia com a simbologia política da Palestina ocupada por outras torcidas, incluindo algumas latino-americanas.
É possível ganhar o debate mundial contra a ocupação da Palestina
Após o episódio da saída do estádio, o técnico Tite encontrou o torcedor palestino. Seria apenas mais um momento de empatia nas relações humanas, se não houvesse a invisibilidade forçosa citada acima. Para a grande audiência brasileira junto aos esportes em geral – e o futebol profissional em particular –, essa pode se tornar uma política permanente.
Por exemplo, uma aliança com as alas antifascistas das torcidas, com o singelo compromisso de levar uma bandeira palestina em cada partida do campeonato brasileiro da série A no ano que vem. Ou ao menos garantir a presença dos símbolos da Palestina em resistência no material digital destas milhares de pessoas comprometidas tanto com o clube como com a causa do povo brasileiro. Os exemplos da Gaviões da Fiel (Corinthians), Galoucura (Atlético Mineiro) e dezenas de outras agremiações que combateram os bloqueios promovidos pelos fascistas brasileiros – aliados estratégicos do sionismo no Brasil – anunciaram que uma nova etapa do apoio pela libertação da Palestina pode estar por vir.
LEIA: Catar entregou a Copa do Mundo; agora, que traga paz à Palestina
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.