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Candidato jordaniano ao Oscar confere voz à diáspora palestina

Giuseppe Tornatore e Rob Raco entregam Prêmio de Menção Extraordinária a Darin Sallam (centro) por “Farha”, na noite de encerramento do Festival de Cinema Internacional do Mar Vermelho, em Jeddah, Arábia Saudita, 13 de dezembro de 2021 [Daniele Venturelli/Getty Images]
Giuseppe Tornatore e Rob Raco entregam Prêmio de Menção Extraordinária a Darin Sallam (centro) por “Farha”, na noite de encerramento do Festival de Cinema Internacional do Mar Vermelho, em Jeddah, Arábia Saudita, 13 de dezembro de 2021 [Daniele Venturelli/Getty Images]

No dia 1º de dezembro, o Netflix lançou em sua plataforma internacional de streaming o filme jordaniano Farha, apesar de enorme pressão para impedir a exibição da obra. A diretora é Darin J. Sallam, em seu primeiro longa-metragem, com um romance de formação sobre a protagonista homônima, uma jovem palestina de 14 anos com voraz apetite por livros e aprendizado. Farha vive em uma aldeia comum. Seu dialeto árabe é profundamente autêntico, comumente ligado a seus avós e a geração nascida na década que antecedeu a Nakba – ou “catástrofe” palestina, via limpeza étnica, em 1948.

Ainda assim, o que torna a heroína de Farha tão diferente não é sua veracidade linguística, mas sim sua coragem e seu desejo pela educação em uma instituição na cidade vizinha a sua aldeia. No começo da história, Farha é retratada como parte da terra, ao coletar água da fonte, colher amêndoas e comer figos das árvores locais. Farha caminha por tarefas cotidianas. No entanto, sua mente viaja aos mundos ficcionais de suas leituras, romances presenteados por sua melhor amiga, Fareeda, que mora com sua família nos arredores a aldeia.

As primeiras cenas mostram Farha como uma sonhadora, uma menina que demanda de seu pai, um homem tradicional que detém uma posição administrativa de destaque, que a matricule na escola municipal. Seu pai hesita, pois crê que há maior garantia de subsistência caso arranje um casamento a Farha, de modo que o catecismo corânico possa bastar à filha como educação.

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De todo modo, Farha luta para participar das aulas e receber o apoio de sua família estendida e sua comunidade, para enfim convencer seu pai das virtudes da educação. Na véspera da Nakba, seu pai assina o certificado de matrícula da protagonista. No decorrer do filme, há significantes periféricos e latentes de quão perturbadora se tornou a situação na Palestina.

Conversas sobre táticas de resistência e reuniões entre rebeldes e oficiais sugerem que a Nakba e sua tragédia estão à margem da erupção. Personagens politizados caminham dentro e fora de campo, impondo lembranças às cenas, para abrir caminho à experiência hegemônica de Farha. Devagar – embora certo –, a compreensão do público se expande organicamente junto dela vemos essa menina curiosa, com pouco entendimento da árdua conjuntura, ter de responder à brutalidade tanto como testemunha quanto sobrevivente de violência, perda e expropriação. O pai de Farha decide escondê-la em um armário, onde permanece sob boa parte dos momentos de violência que tomaram sua aldeia. Farha tem então de lidar sozinha com as repercussões da catástrofe.

O filme é uma produção da empresa TaleBoz, cofundada por Sallam e pelo produtor executivo Deema Azar. Ayah Jardaneh coproduziu a obra, com apoio da Laika Film & Television, Chimney, do Fundo de Cinema da Jordânia (Comissão Real), do Instituto de Cinema da Suécia e do Fundo de Cinema do Mar Vermelho. Trata-se de um empreendimento sobretudo jordaniano, com foco na experiência em campo da Palestina histórica e seu povo nativo. A produção ainda recebeu o apoio de organizações radicadas na Europa.

Em âmbito político, Farha retrata a tragédia da Nakba pela primeira vez no cinema e emprega o conceito do historiador palestino-americano Edward Said de “permissão para narrar”, ao contar sobre a experiência palestina contra todas as chances.

Em resposta à invasão israelense do Líbano e suas repercussões, escreveu Said um ensaio sob o título “Permissão para Narrar”, publicado pelo Diário de Estados Palestinos, em 1984. No texto, afirma Said: “Um aparato disciplinar de comunicação existe no Ocidente tanto para monitorar a maior parte da existência básica capaz de representar Israel de modo desfavorável e para punir aqueles que tentam contar a verdade”. Em suma, Said argumenta que, apesar dos documentos públicos, dos incontáveis relatórios de direitos humanos, dos inquéritos de entes internacionais e dos relatos oficiais e etnográficos da luta e da marginalização devido à diáspora e à ocupação militar, os palestinos continuam sem acesso ao direito de narrar suas próprias histórias.

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Os palestinos tampouco podem ver sua experiência refletida em filmes e livros; por extensão, são privados da catarse oriunda do reconhecimento estético e da representação. Farha deferiu aos palestinos na diáspora permissão para narrar sua história em uma das maiores plataformas de entretenimento do planeta. Ademais, a história da protagonista foi recordada, em múltiplas interações e manifestações, ao menos 700 mil vezes, pela primeira vez dos palestinos expulsos. O trauma se perpetua no âmago dos descendentes dos deslocados à força – uma população na diáspora de quase seis milhões de pessoas; quase metade da totalidade de palestinos tanto em sua terra ancestral quanto no exterior. A população é designada pela comunidade internacional – a despeito de seus muitos fracassos em relação a ela – como efetivamente apátrida.

Cultura palestina como arma de resistência contra a ocupação [Sabaaneh/MEMO]

Cultura palestina como arma de resistência contra a ocupação [Sabaaneh/MEMO]

Por um lado, Farha é celebrada por expectadores como um feito extraordinário; por outro, não surpreende que se torne alvo de agentes sionistas enfurecidos. O Ministro da Finanças de Israel Avigdor Lieberman emitiu uma nota de repúdio ao Netflix, na qual afirmou: “É uma loucura que o Netflix decidiu divulgar um filme cujo único propósito é criar uma mentira e incitar hostilidade aos soldados israelenses”. Farha foi exibido em todo o mundo, em festivais de cinema e outros eventos, desde o lançamento em 2021. Plataformas incluem o Festival de Cinema Akil de Dubai, o Festival Internacional de Cinema de Toronto (TIFF), o Festival de Cinema do Mar Vermelho, e outros. No entanto, foi sua chegada ao Netflix e sua exibição nas salas de cinema de Saraya, em Jaffa, que causou maior indignação contra a película.

O governo israelense ameaçou retaliar Saraya e encorajou o êxodo em massa de assinaturas do Netflix. Embora muitas redes de notícias regionais e internacionais tenham reconhecido o filme por seus méritos históricos e artísticos, há uma verdadeira cacofonia de opiniões sobre o texto. Agências como a Fox News e o Times of Israel descreveram a obra como “terrível” ou “mentiras e calúnias”; outras mídias de destaque, como o New York Times, escolheram suas palavras com maior cautela, a fim de manter seu público. Sites como IMDb e Rotten Tomates foram tomados por resenhas divergentes: por um lado, recomendações enérgicas de cinco estrelas pelos fãs da obra; por outro, comentários iracundos e descrentes de seus detratores.

Em toda a conversa sobre o filme, há pouca menção sobre The Parrot, curta-metragem de 2016 codirigido por Sallam com Amjad Al-Rasheed. Em 18 minutos intensos, a obra segue o relato de uma família judia da Tunísia que chega a Haifa e toma como residência uma casa pertencente a uma família greco-ortodoxa palestina. Suas vestes, suas paredes azuis e sua iconografia cristã – emprestada da estética e da cartela de cores das igrejas locais – têm de ser abandonadas pela família expulsa de seu lar. O café da manhã e o chá sobre a mesa ainda estão quentes, quando os novos ocupantes – interpretados pela atriz tunisiana Hend Sabry e pelo “cidadão palestino-israelense” Ashraf Barhom – são assombrados pelo espectro da família que outrora residiu ali e pelos ecos constantes de um papagaio deixado para trás. O pássaro repete “onde estão vocês?” e “por que vocês me olham assim?”.

Para o público comum, que desconhece a Nakba, tais imagens e a história de deslocamento do povo palestino são quase invisíveis. Em contraponto, a obra de Sallam dá uma nova centralidade a judeus orientais que se veem perante a uma mais modernidade eurocêntrica – um aspecto do moderno que pouco conseguem compreender. No fim de The Parrot, o público se vê envolvido em uma conversa sobre a representação do conflituoso encontro entre a família judia tunisiana e seus vizinhos asquenazes, que enxergam a arquitetura e mesma a estrutura da residência em Haifa com inveja – em detrimento da “sorte” de judeus mais orientalizados.

A obra é uma crítica das relações étnicas entre os próprios israelenses, assim como uma análise sobre os laços estabelecidos com o êxodo palestino. Como Farha, trata-se de um relato trágico reportado mediante uma cinematografia extraordinária, assim como seus cenários e figurinos. A natureza aprazível do uso de tons pastéis por Sallam trabalha quase como um antídoto contra o golpe emocional que resulta de seus contos cinemáticos. A obra de Sallam parece viajar longe e continuar a fazê-lo no futuro próximo.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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Palestina: quatro mil anos de história
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