A inteligência, a ambição e o patriotismo de Ahmed Ben Bella pareciam torná-lo naturalmente um líder. Nascido em 25 de dezembro de 1918, na cidade de Marnia, de pais marroquinos, Ben Bella demonstrou ainda jovem ter um futuro promissor.
Seu pai acreditava nisso e alterou seu ano de nascimento para 1916, para que ele pudesse logo deixar a escola e trabalhar na fazenda da família. Por consequência, contudo, entrou bastante jovem no serviço militar. Em 1936, Ben Bella foi transferido a Marselha, na França, à véspera da Segunda Guerra Mundial, onde serviu com distinção e foi laureado com a Cruz de Guerra.
Seus talentos no futebol também lhe trouxeram reconhecimento ainda em Marselha; Ben Bella, no entanto, declinou a proposta para jogar profissionalmente e preferiu retornar a Argélia para juntar-se ao regimento marroquino. De volta a seu país, combateu ao lado da então resistência francesa, liderada por Charles de Gaulle, que enfrentava do exílio os aliados do nazismo.
Enquanto a Europa comemorava o fim da guerra, em 8 de maio de 1945, quatro mil argelinos se reuniram para protestar contra a colonização francesa na cidade de Sétif. A França controlava a Argélia desde 1830. Nos dias seguintes, forças coloniais chacinaram milhares de argelinos. Para Ben Bella, foi a gota d’água: conquistar a independência logo se tornou seu objetivo de vida.
Ben Bella foi eleito vereador em sua cidade natal e logo filiou-se ao Movimento por Triunfo das Liberdades Democrática (MTLD), comandado pelo pai do nacionalismo argelino, Messali Hadj.
Os franceses passaram a vê-lo como ameaça. Em 1949, Ben Bella foi sentenciado a oito anos de prisão por assaltar os correis de Orã, com objetivo de angariar fundos a sua guerrilha. Dois anos depois, não obstante, Ben Bella conseguiu escapar com ferramentas contrabandeadas à prisão em pedaços de pão.
De seu exílio no Cairo, Ben Bella começou a dar forma ao que tornar-se-ia mais tarde a luta por independência do povo argelino. Junto de nove membros do Comitê Revolucionário por Ação e União, Ben Bella fundou a Frente de Libertação Nacional (FLN), a fim de organizar devidamente a insurgência armada contra a França. A guerra por libertação teve início em 1° de novembro de 1954.
Ben Bella coordenou o envio de armas a todo o país e foi nomeado vice-presidente do Governo Provisório da República Argelina (GPRA). Duas vezes, escapou por pouco de ser assassinado por entes coloniais – no Cairo e em Trípoli, na Líbia. Em 22 de outubro de 1956, os franceses enfim conseguiram emboscar seu foragido número um, ao desviar a rota do avião de Ben Bella, junto de outros membros da FLN.
Mantido em custódia na França pelos próximos cinco anos e meio, Ben Bella passou a ser visto como um recurso valioso nas negociações de paz com o GPRA. Em 1961, Ben Bella obteve afinal uma posição favorável para negociar a independência argelina com uma França exausta; no ano seguinte, os Acordos de Evian foram assinados. Ben Bela regressou a seu país natal – agora livre – e tornou-se o primeiro presidente da República Democrática Popular da Argélia, em 1963.
Ben Bella prometeu transformar a Argélia em uma república secular socialista não-alinhada; ou seja, sem comprometer-se nem com Estados Unidos tampouco com a União Soviética, em meio à Guerra Fria. “Castro é meu irmão, Nasser é meu professor, Tito é meu exemplo”, costumava dizer, em referência aos líderes cubano, egípcio e iugoslavo, respectivamente. No entanto, suas ambições enfrentaram veementes obstáculos. Seu programa de reforma agrária, com enfoque na autogestão campesina, mostrou-se ousado, porém economicamente desastroso.
A postura anti-imperialista e panarabista de Ben Bella abriu caminho para alianças contumazes com o mundo árabe e além. Na tentativa de arabizar o sistema de ensino, Ben Bella recorreu a nações panárabes, como Egito e Síria, e visitou Cuba para conversar com Fidel Castro e Ernesto Che Guevara.
Em último caso, porém, tornou-se um autocrata e a FLN perdeu popularidade. Ben Bella tomou medidas extremas que culminaram em sua decadência política. O Partido Comunista da Argélia e o Partido da Revolução Socialista, ambos oposicionistas, foram banidos pelo governo. Um dos principais opositores do presidente, Mohamed Chabani – acusado de um golpe malsucedido – foi então executado.
“Ben Bella sempre quis que os outros jogadores lhe passassem a bola para fazer o gol”, relatou mais tarde um colega de escola. “Foi o mesmo em sua vida política”.
O culto à sua própria personalidade alienou camaradas – Houari Boumediene, homem forte do exército, foi um deles. Certa vez, Ben Bella brincou ao apresentar o comandante em um almoço oficial como “o homem que conspira para me destituir”. Mais tarde, perguntou-lhe: “Como vão as intrigas contra mim?”. Boumedienne respondeu: “Vão muito bem, obrigado”.
Em 19 de junho de 1965, Boumedienne conseguiu de fato depor Ben Bella, ao transferi-lo a um rigoroso regime de prisão domiciliar, até a morte do chefe do exército, catorze anos depois.
A mãe de Ben Bella via o casamento como uma forma de o jovem revolucionário escapar de sua solidão e arranjou-lhe um noivado com uma guerrilheira como ele, Zohra Sellami. A união enfim foi oficializada em 1971. Após a morte de Boumedienne, Ben Bella mudou-se com a família para a Espanha e então para a Suíça, onde manteve contato com compatriotas exilados e apoiadores estrangeiros para manter sua relevância política.
Em 1984, na Suíça, Ben Bella lançou o Movimento por Democracia na Argélia (MDA). “Minha vida é uma vida de luta” declarou a um entrevistador em seus anos finais. “É uma luta que começou para mim aos 16 anos. Agora, tenho 90 anos de idade e minha motivação não mudou: o mesmo fervor ainda me move!”
Seis anos depois, Ben Bella regressou à Argélia, na expectativa de uma recepção como herói de guerra, por multidões de conterrâneos. As docas, contudo, permaneceram em silêncio. O novo governo fora bem-sucedido em remover seu nome da história.
Um nacionalista árabe que via o advento do radicalismo islâmico como “má leitura do Alcorão”, Ben Bella passou duas décadas de sua vida entre a Suíça e a Argélia, em firme campanha contra o imperialismo – desde a “globalização da pobreza” à guerra no Iraque, em 2003.
Ano após ano, seu nome reconquistou mérito, até que o quinto presidente argelino, Abdelaziz Bouteflika decidiu convidá-lo a exercer cargos públicos, a fim de concedê-lo generosa pensão e residência oficial na cidade de Argel.
Ben Bella faleceu em 11 de abril de 2012, aos 95 anos de idade. A Argélia deu adeus ao homem tão vital a sua independência e transição pós-colonial com o devido funeral de chefe-de-estado.
Perfil: Abdelaziz Bouteflika, o presidente mais antigo da Argélia (2 de março de 1937-2021)