A elaborada pesquisa de Tony Greenstein, compilada no livro Zionism During the Holocaust: The Weaponisation of Memory in the Service of the State and Nation – em tradução livre, Sionismo durante o Holocausto: Memória como arma a serviço do Estado-nação – não será bem-recebida pelos proponentes da propaganda que sustenta a colonização da Palestina. Numerosos autores israelenses já tocaram no assunto, ao tratar das relações entre nazismo e sionismo, mas a obra de Greenstein traz a história à tona e expõe como os líderes sionistas estavam focados em criar seu estado colonial, ao invés de impedir o assassinato de judeus durante o Holocausto.
Em sua introdução, afirma Greenstein: “Este livro serve de resposta à historiografia sionista que busca apagar o antissionismo da história e levá-lo ao estado de esquecimento”. O livro se divide em três partes, com crônicas do sionismo antes, durante e depois do Holocausto. Vale observar a insistência dos pioneiros sionistas em distinguir judeus “elegíveis” para entrada na Palestina, a fim de impor seu empreendimento colonial.
O sionismo percebeu a importância de explorar o Holocausto como suposta prova da demanda por um estado judaico, apesar do fato de que nem todas as vítimas eram judias. Não obstante, determinou que apenas judeus – alguns judeus – poderiam contribuir a seu projeto. O conceito de refugiados judeus como questão humanitária derivou de mera política e não tinha lugar nas apreensões ou planos sionistas. De fato, líderes sionistas colaboraram com o nazismo, ao firmar acordos que permitiriam o extermínio em massa de judeus, para salvar partes da elite judaica, com intuito de avalizar a migração colonial à Palestina histórica.
LEIA: O comediante britânico, David Baddiel, está errado sobre Israel e o antissemitismo
Ao citar David Ben Gurion em 1933, Greenstein observa como o sionismo não se preocupou em salvar os judeus. Conforme um dos pais-fundadores de Israel, “se houver conflito de interesse entre salvar vidas individuais judias e o bem do empreendimento sionista, devo dizer, o projeto vem em primeiro lugar”. O nazismo, argumenta Greenstein, beneficiou-se da ideologia política sionista, sem qualquer oposição de sua parte. Por exemplo, a alegação sionista de que os judeus não poderiam se assimilar em outros lugares do mundo foi adotada pelos nazistas em nome da perseguição das populações judaicas. O antissemitismo, portanto, emanou de um acordo. Para o autor, “Hitler compreendeu logo cedo que havia uma distinção entre judeus e sionistas”. As comunidades judaicas tentaram resistir ativamente, mas as elites sionistas preferiram colaborar com o nazismo e o fascismo.
A associação falaciosa entre antissionismo e antissemitismo, que ainda perdura e serve a Israel, foi empregue como necessidade pelos pioneiros sionistas. A Aliança Internacional de Memória do Holocausto (IHRA) e sua definição de antissemitismo desautoriza qualquer crítica ao estado colonial de Israel, sobretudo aquelas que comparam suas práticas com políticas nazistas. Ainda assim, observa Greenstein, os próprios israelenses notam a similaridade. Além do massacre de Kafr Qasem, comparado pelos próprios perpetradores sionistas às táticas nazistas, Greenstein menciona uma fonte israelense: “Há ampla identificação com os nazistas em nossa sociedade”.
De volta ao “esquecimento”, Greenstein destaca que as primeiras práticas neste sentido foram conduzidas pelos próprios líderes sionistas, em sua recusa de abordar denúncias de assassinato de judeus na Hungria e na Polônia. “Nenhum órgão sionista jamais debateu tais relatos”, insiste Greenstein. Em 1938, Ben Gurion corroborou tamanha indiferença ao Comitê Central do Mapai: “Se eu soubesse que seria possível salvar todas as crianças radicadas na Alemanha ao levá-las à Inglaterra e apenas metade delas ao levá-las a Eretz Yisrael, então escolheria a segunda opção. Devemos pesar não somente a vida das crianças, mas a história do povo de Israel”.
Os líderes sionistas, segundo Greenstein, também se preocupavam com o futuro de seus planos caso o mundo cooperasse em favor do resgate do povo judeu. “Pomos em risco a existência do sionismo caso permitamos que o problema dos refugiados seja separado da questão palestina”, escreveu Ben Gurion em 1938.
Todavia, Ben Gurion também adotou o trunfo do antissemitismo nas relações internacionais. O Departamento de Estado dos Estados Unidos exerceu um veemente papel em pressionar países da América Latina a negar documentos a refugiados judeus, sobretudo na fase final da Segunda Guerra Mundial. Ben Gurion receava que os sobreviventes do Holocausto deixariam de migrar à Palestina caso houvesse alternativa. “Se não quiserem um influxo de imigrantes europeus de fé judaica aos Estados Unidos, então aconselho que apoiem a reivindicação sionista da Palestina”, advertiu Ben Gurion.
O livro de Tony Greenstein possui ampla referência bibliográfica e apresenta um ponto de vista detalhado sobre como o sionismo recorreu ao Holocausto e ao antissemitismo em nome de seu empreendimento colonial na Palestina histórica. De seu aspecto ideológico à cooperação com o nazismo – mais tarde, ao vender armas a ditaduras da América Latina, muito embora asilassem criminosos de guerra –, o sionismo mostrou-se antissemita. Ademais, o projeto colonial sionista manipulou a memória do Holocausto para transferir a culpa do genocídio judeu aos palestinos nativos, que vivem até hoje sob ocupação.
“O sionismo e o Estado de Israel alegam propriedade sobre o Holocausto e um monopólio sobre sua interpretação”, reafirma o autor em sua introdução. A pesquisa de Greenstein propõe uma saída ao esquecimento como método da política sionista. A narrativa colonial controla detalhes, mas a história pode e deve ser desvelada e estudada. O livro mergulha na análise do sionismo após o Holocausto, de modo que o caráter violento de Israel possa ser analisado no contexto de seus fundadores, que colaboraram com atrocidades perpetradas contra o povo judeu e outras minorias. Empreendimento colonial cuja expropriação da terra coincide com a história – assim define Greenstein, ao introduzir um viés hediondo e pouco explorado da história do sionismo a seus leitores e desmantelar mitos sobre os quais Israel construiu sua narrativa.
LEIA: Progressistas têm ‘direito de excluir sionistas’, confirma expert em antissemitismo