Hoje, Luiz Inácio Lula da Silva subiu a rampa do Planalto para receber a faixa presidencial e recuperar o Brasil golpeado em 2016. Levantamos voo na mesma data. Infelizmente, eu (Lucas Siqueira) e a camarada esposa (Diana Emídio), que tanto lutamos para que poder se concretizar este dia, não pudemos participar da festa. Às 3h40, horário exato, estávamos trancados em um avião atrasado, esperando para voar rumo à Turquia. Não pudemos assistir muito da posse do novo governo, a não ser pelas poucas fotos e vídeos que vimos pelo Instagram. Percebemos também expressões de aversão nas pessoas presentes no aeroporto, por eu estar com o boné do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e Diana, com uma máscara do Partido dos Trabalhadores (PT).
Logo cedo, quando estávamos saindo para a rodoviária, para embarcar no ônibus em direção ao aeroporto, passamos em frente ao Centro Tecnológico Aeroespacial (CTA), de São José dos Campos. Ainda havia bolsonaristas acampados em frente ao local. Fiquei pensado como essas pessoas ainda podem viver tamanho delírio coletivo, mesmo após a fuga do ex-presidente de extrema-direita, Jair Bolsonaro. Por outro lado, além da empolgação de ver o retorno triunfante de Lula ao lugar que é seu por direito, confesso que estávamos ainda mais ansiosos pelo nosso momento de embarcar. Esta é nossa segunda viagem ao Oriente Médio e segunda tentativa de entrar na Palestina. Porém, antes de seguir à Palestina, temos de passar alguns dias na Turquia, local que de certa forma é o começo dessa história.
Confesso que embarcar para o Oriente Médio sempre me deixa um pouco tenso. Principalmente em relação a instabilidade política. Preciso, neste ponto, abrir um parêntese e explicar que meu receio com a região não tem nada a ver com os povos árabe, turco, persa, druso, curdo ou qualquer outra etnia regional. (Se você é brasileiro, calma! Explicarei todos esses termos e suas diferenças nos capítulos adiante). Voltando ao assunto, tudo que me transmite tensão deriva não do caráter “bárbaro” e “terrorista” propagado pela imprensa e difundido por outras fontes menores. Ao contrário, tanto eu como Di temos imensa admiração pela cultura, religião, gastronomia, arquitetura, música, literatura e tudo que díz respeito aos povos que habitam o Oriente. O medo a que me refiro se deve ao fato de potências imperialistas e neocoloniais travarem aqui suas batalhas, no lombo desses povos e suas terras. Certamente, trata-se de outro ponto que terei de abordar mais de uma vez no decorrer dos dias que estão por vir.
O tempo que passei observando a posse de Lula, não pude me concentrar em muita coisa. Lembrei-me praticamente de todas as manchetes dos últimos meses. Em relação a Israel e Palestina, há muito tempo venho me preparando, então já estava um tanto “pronto” para o que teria de enfrentar; a Turquia, no entanto, foi uma surpresa. Nos últimos meses, o país passou por diversas ocorrências que provavelmente convenceram muitas pessoas a mudarem o destino de suas férias de inverno – sim, se você está lendo isso aí do Brasil, no calor de janeiro, estarei com a Di enfrentando graus negativos do termômetro. Enfim, o que acontece no Oriente Médio é reflexo da falência da comunidade internacional em garantir, preservar e proteger os direitos humanos universais. Este é justamente um dos motivos de estarmos aqui: quebrar alguns tabus e mostrar ao povo brasileiro que muito do que conhecemos sobre o Oriente, principalmente aquelas coisas que vemos nas novelas ou nos filmes hollywoodianos, não passam de uma visão eurocentrista – ou seja, de nosso olhar ocidentalizado sobre a cultura oriental.
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Falando um pouco de Turquia e sobre os fatores externos que complicam a situação do país, há vários fatores – um deles, a guerra na Ucrânia. A Turquia faz fronteira com Síria, Iraque, Irã e, separada pelo Mar Negro, com a Ucrânia. A Turquia também integra a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), dado que Istambul repousa dividida entre Ásia e Europa. A guerra trouxe instabilidade aos turcos.
Outra coisa que parambulou por meus pensamentos foi o atentado a bomba na rua Istiklal em novembro de 2022, aqui, bem próximo do hotel de onde estou lhes escrevendo. A explosão aconteceu em plena luz do dia, em uma área bastante turística. Seis pessoas morreram e 81 ficaram feridas. Uma mulher síria foi presa, supeita de ter implantado a bomba. O presidente Recep Tayyip Erdorgan — falaremos muito sobre ele — acusou o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) de orquestrar o atentado. No dia seguinte, Erdorgan autorizou uma enxurrada de bombas no norte da Síria. O PKK, movimento nacional curdo, negou qualquer envolvimento com o atentado contra civis. Dias depois, a Turquia já bombardeava o país ao sul. Tragicamente, a Síria é tão bombardeada e há tanto tempo — sobretudo por Israel, nosso próximo destino — que ninguém se importou. Pelo andamento deste relato, acho que explicarei sobre os curdos e o PKK também mais adiante.
Tudo indica que nossas apreensões gerais são o tema deste primeiro relato de nossa jornada às Arábias – calma, amigos muçulmanos e editores do Monitor do Oriente, essa foi só uma leve provocação para os assustar, eu jamais adotaria o termo dessa maneira. Aos brasileiros, fica a dica: quem nasce na Turquia, fala turco e não árabe, o que os torna turcos. Veremos mais nos próximos capítulos.
Quem sabe, o leitor se pergunte o que viemos fazer no meio de toda essa “treta” – bombas, ataques terroristas, opressão contra mulheres, LGBTfobia etc. Sim, tudo isso existe, mas não só no Oriente Médio. Paremos um minuto para refletir: o Brasil é o país com os maiores índices de feminicídio do mundo; o mesmo vale para a violência contra os LGBTS, sem falar que massacres e genocídios acontecem todos todos os dias com pretos e pobres em nossas periferias. Ou seja, nossos índices de violência são ainda mais alarmantes do que países em guerra. Vale destacar que, com a ascensão de Bolsonaro e a radicalização de seus apoiadores diante do retorno de Lula, até mesmo atentados a bomba e desfiles de violência se tornaram comuns, inclusive praticados por jovens armados nas escolas públicas.
Entender o que realmente viemos fazer neste canto – ou melhor, neste centro do mundo – é algo que você, caro leitor e amigo que nos acompanha, só saberá caso siga os próximos relatos.
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Bem – hoje, como chegamos tarde, tivemos tempo apenas de comer uma deliciosa shawarma em um botequim de rua e nos jogar na cama. O texto se prolongou demais, mas talvez sirva de introdução a tudo que virá nos próximos dias. Espero que nossos leitores viajem conosco por essas terras, tão exploradas pelo colonialismo e injustiçadas pela cultura ocidental hegemônica. Espero que possamos aprender juntos um pouco mais sobre esse mundo que tanto tem a ensinar. Até amanhã!