O Ministro de Relações Exteriores da Autoridade Palestina (AP) Ryiad al-Maliki compareceu no domingo (1º) à cerimônia de posse do Presidente do Brasil Luiz Inácio Lula da Silva, em Brasília.
O evento contou com 73 delegações internacionais dos cinco continentes – sinal de mudanças drásticas na política externa de Lula em relação a seu antecessor extremista Jair Bolsonaro, que favoreceu o isolamento em nome de questões ideológicas e anseios autocratas.
Dias antes, na quinta-feira, 29 de dezembro de 2022, outro governo tomou posse: liderado pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, que venceu a eleição israelense em outubro – a quinta em quatro anos –, ao formar uma coalizão política com componentes da ultradireita.
Em entrevista ao jornal Correio Braziliense, o chanceler admitiu que a aliança entre Netanyahu e a extrema-direita sionista representa um obstáculo às negociações de paz.
“Acreditamos que o novo governo de Netanyahu representa o tumulto, a desrespeito às leis, o derramamento de sangue e o descumprimento da ordem”, advertiu al-Maliki, acompanhado do embaixador Ibrahim Alzeben e do intérprete Jihan Arar.
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Conforme o chanceler, os chamados Acordos de Abraão – normalização entre regimes árabes e Tel Aviv, mediada por Washington – prejudicam diretamente a “solução de dois estados”.
Sobre o Brasil, o diplomata enalteceu o papel de Lula em seus dois primeiros mandatos: “Quem estabeleceu os alicerces para nossa relação consolidada foi o presidente Lula”.
Al-Maliki cumprimentou também o novo Ministro de Relações Exteriores do Brasil Mauro Vieira, durante a solenidade de posse. “Ele me disse que a Palestina pode confiar no Brasil”, destacou.
No último sábado (30), o chanceler, junto de seu emissário em Brasília e membros do Conselho de Embaixadores Árabes, plantou uma oliveira em frente à Embaixada da Palestina. O regresso de al-Maliki à cidade de Ramallah, na Cisjordânia ocupada, está previsto para sexta-feira (6).
“Deixarei o Brasil bastante confortável e feliz por tudo que vi”.
Prospectos sob Netanyahu
Al-Maliki reiterou que nos 16 anos dos governos anteriores de Netanyahu – o primeiro-ministro mais longevo de Israel – os palestinos jamais tiveram “sequer uma proposta sobre a solução de dois estados ou um posicionamento sobre as negociações de paz”.
Segundo o ministro, Netanyahu rejeitou negociações, expandiu assentamentos ilegais e escalou violações, incluindo assassinatos e demolições de casas.
Al-Maliki mostrou ceticismo sobre uma mudança de postura e destacou que o governo recém-empossado em Tel Aviv não difere dos outros mandatos de Netanyahu, mas sim consolida sua abordagem colonial extremista.
“Netanyahu se esconde atrás dos ultradireitistas para que cumpram com a agenda que ele não conseguiu consolidar. Não só do ponto de vista palestino, mas também do israelense, acredita-se que Netanyahu vai destruir ou sabotar o ‘sistema democrático israelense’”, relatou al-Maliki.
Netanyahu deve intervir ainda no judiciário, segundo o ministro, para escapar de acusações de corrupção, propina e crimes de responsabilidade.
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“Esperamos da comunidade internacional que esgote as possibilidades para proibir Netanyahu de adotar os passos que anunciou para os territórios palestinos ocupados. Nós, como palestinos e como lideranças palestinas, acreditamos que está por vir uma fase muito difícil”.
Netanyahu prometeu intensificar a construção de assentamentos ilegais e alterar o status quo da Mesquita de Al-Aqsa, na cidade ocupada de Jerusalém. “Até mesmo o ex-premiê [Yair] Lapid alertou para esse tipo de ação”.
Prospectos sob a comunidade internacional
Al-Maliki fez coro aos alertas de que as ações de Netanyahu podem levar a uma nova Intifada e clamou por ações da comunidade internacional.
Questionado sobre a perspectiva de retomada de negociações de paz, o chanceler foi taxativo: “As perspectivas de se sentar e negociar são quase inexistentes, nulas”.
Apesar de forte ceticismo em relação à Casa Branca, al-Maliki não deixou de reforçar seu apelo aos Estados Unidos e ao Conselho de Segurança das Nações Unidas: “A iniciativa deve partir da comunidade internacional [porém] o que pode fazer com que a administração americana mude de posição é a sociedade”.
Segundo o ministro, a nova composição do regime israelense pode obrigar a gestão democrata de Joe Biden a rever a forma como aborda alguns elementos das relações com Tel Aviv.
Não obstante, destacou: “A pressão deve ocorrer de baixo para cima. É isso que começamos a fazer por meio de organizações da sociedade civil, universidades, igrejas, sindicatos, minorias – como os negros e hispânicos — e comunidades palestinas, tanto nos Estados Unidos quanto na América Latina”.
Prospectos sob Lula
“As relações entre Palestina e Brasil sempre foram históricas, firmes e consolidadas”, observou al-Maliki. “[Lula] sempre apoiou a causa palestina e os direitos do povo palestino, principalmente o direito à sua pátria e à autodeterminação, sua liberdade e sua independência”.
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O ministro destacou que, durante o governo Lula, o Brasil reconheceu o Estado da Palestina. Na gestão de Dilma Rousseff, sucessora direta, “relações se desenvolveram bastante, avançaram e se consolidaram”.
“Esperamos do presidente Lula que retome as relações do ponto em que pararam e que nos recompense, como palestinos, por tudo o que perdemos nos últimos quatro anos. Isso foi o que nós ouvimos do presidente Lula, ontem [domingo], quando disse que o Brasil se posicionará com a Palestina e apoiará os direitos do povo palestino”, prosseguiu al-Maliki.
O ministro palestino corroborou promessas do novo chefe do Itamaraty, Mauro Vieira, de que o Brasil votará a favor dos palestinos nos fóruns internacionais.
“Esperamos um acaloramento das relações entre Palestina e Brasil. Que o Brasil volte a ser um país forte e que abrace a causa palestina”, concluiu.