Quando jovem, Osman Ghazi sonhou com uma árvore tão grande que suas raízes se estendiam por três continentes para beber da água de quatro rios diferentes. A majestosa árvore era tão vasta que seus ramos faziam sombra em quatro cadeias de montanhas orientais. Ontem, a chegada em Izmir foi literalmente um sonho. Assim como Osman, eu sonhava com uma grande árvore, mas minha árvore era minha avó. Sonhei até que o Lucas me acordou e disse “chegamos”. Acordar em uma cidade como Izmir, descer ainda zonza, e ser recebida como fomos, não tem como não se apaixonar.
Assim que entramos no hotel, fomos abraçados pela cordialidade e hospitalidade do povo turco. Os senhores que nos receberam no hotel Konak Saray literalmente nos receberam de braços abertos. Mesmo chegando horas antes do check-in, eles nos entregaram as chaves do quarto e nos convidaram a tomar um café. Depois de passar uma noite desconfortável em um ônibus da Capadócia a Izmir (catorze horas de viagem), tomamos um maravilhoso café da manhã oferecido por nossos anfitriões do Konak, descarregamos as mochilas e saímos para explorar a cidade.
Izmir chegou tomando toda licença poética que meu coração lhe concedia. No primeiro passeio, já conquistou nossos corações. Ruas limpas, locais movimentados e aquela atmosfera gostosa. Depois de uma boa caminhada resolvemos conhecer Alaçati, uma cidade charmosa, destino obrigatório para quem passa por Izmir. Após um passeio vagaroso pelas ruas de Alaçati, voltamos a nosso lar, mais uma vez, com uma recepção de aquecer a alma.
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Hoje, ao acordamos, conferimos que a previsão do tempo era para um dia chuvoso. Decidimos ficar por perto do hotel e passear pela região, começando pela ágora e, depois, perambulando pelo tradicional mercado de Konak.
As ágoras eram grandes áreas públicas nas antigas cidades gregas onde aconteciam todo tipo de atividades políticas, religiosas e comerciais. As construções que abarcavam todos os prédios públicos se tornaram precursoras dos fóruns romanos. A Ágora de Izmir é uma das mais antigas e bem preservadas do mundo, devido ao excelente trabalho arqueológico e de restauração aplicado no local. O passeio, feito por turistas normais, não levaria mais de trinta minutos, mas não tínhamos pressa e o local estava vazio, portanto, nos perdemos nas horas. A parte aberta a visitação é impressionante, com peças e galerias bem cuidadas e restauradas. No entanto, o mais fantástico é saber que as escavações não pararam e que ainda tem muito a ser descoberto, já que no local existem algumas áreas restritas, ao qual só podemos observar – e não fotografar –através de alambrados. A Ágora de Izmir foi construída por Alexandre, o Grande, no século 4 a.C., e posteriormente reconstruída pelo imperador romano Marco Aurélio, após um terremoto em 174 d.C. Durante o período otomano a Ágora foi usada como cemitério e sala de orações.
Antes da viagem, costumamos baixar os níveis de ansiedade estudando a cultura local, mas as coisas geralmente são bem diferentes ao chegarmos ali. Quando escolhemos a Turquia como destino, uma particularidade me chamou muito a atenção. Aqui, quando um membro da família morre, a família do costuma oferecer alguns bolinhos – parecidos com nossos famosos bolinhos de chuva – em homenagem ao falecido. Não sei dizer se apenas esses bolinhos são oferecidos, mas os carrinhos ficam nas ruas exibindo as fotos do ente querido que partiu enquanto filas de estranhos se formam para comer os bolinhos.
Chegando à praça do relógio, cruzamos algumas vezes com esses carrinhos. Lucas não conseguiu entrar na fila – achei melhor não perguntar –, mas eu entrei e ele acompanhou do lado e até comeu alguns. Entendo que cada cultura tem uma maneira diferente de lidar com o luto, no entanto, a maneira turca foi a mais bela que já vi – e vimos muitas maneiras diferente por aí. Explico: Os bolinhos, são muito simbólicos. Algumas pessoas – como eu – entram na fila como uma experiência de compartilhar do costume local e isso acaba se tornando um momento para pensar em alguém que faleceu, mesmo sem o conhecermos. Por outro lado, como no bairro de Konak, onde existem muitas pessoas em situação de refúgio, aqueles bolinhos são uma refeição grátis.
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Eu achei a maneira turca, a mais extraordinária que se pode fazer em memória de alguém querido que partiu: alimentando desconhecidos!
Depois de passear pela ágora e comer os bolinhos na praça do relógio, andamos por todas as vielas do mercado local de Konak, onde cada mercadoria simboliza um pedacinho da cultura otomana e do sonho de Osman. Hoje não existe mais um Império Otomano, grande parte do seu território foi repartido entre potências europeias – por exemplo, a Palestina. No entanto, desde o nascer ao pôr do sol, tudo: hábitos, cultura, religião, decoração, culinária arquitetura derivam da imponente árvore que Osman sonhou quando jovem, incluindo a gentileza e simpatia dos recepcionistas do hotel Konak. A árvore de Osman pode até ter sido derrubada e dividida entre colonizadores; suas raízes, porém, continuam vivas no coração desse país maravilhoso chamado Turquia.
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Nota: Todos os textos do Mochilão MEMO são produzidos em trânsito; por gentileza, peço que compreenda que pode haver falhas ou erros que serão corrigidos ao longo da viagem. Obrigado a todos pela compreensão.
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