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Mochilão MEMO: Maria, mãe de Deus e o Jardim para todas as mulheres

Biblioteca de Celsius, Éfeso, Turquia [Lucas Siqueira/MEMO]

A mãe de Jesus, é talvez a mulher mais icônica da história da humanidade, e não só para o cristianismo. Assim como os cristãos, os muçulmanos também acreditam em Jesus; e claro, em sua mãe Maria, principalmente levando em consideração que o Alcorão fala mais sobre Maria do que a Bíblia cristã. Muito sabemos sobre a história de Maria, mas você já parou para pensar o que aconteceu com ela depois da crucificação de seu filho? Você sabia que em Éfeso, aqui na Turquia, está a casa onde, acompanhada do apóstolo João, ela – segundo a versão de alguns historiadores e teólogos – passou os seus últimos dias e que aqui foi fundada uma igreja em seu nome?

Antes das 8 horas da manhã, já estávamos na estação de trem em Basmane para embarcar para Selçuk; de lá, caminhar até Éfeso, uma das cidades mais importantes da antiguidade. Éfeso, tem uma história muito extensa. Estudos levam a crer que a cidade foi construída a 12 mil anos, prosperou durante a era grega clássica (século V à IV a.C) e se tornou potência durante o período romano (entre 27 a.C e 395 d.C). É impossível resumir a história e a importância de Éfeso. Portanto, decidimos nos concentrar em duas personalidades centrais desta cidade.

A cidade de Éfeso começou a ficar famosa por conta do templo dedicado à deusa Ártemis, construído por volta de 550 a.C., deusa da caça, da fertilidade, dos animais, da lua e da maternidade, conhecida pelos romanos como Diana – coincidência? Segundo a mitologia grega, Ártemis, gêmea de Apolo, nasceu primeiro e ajudou sua mãe com o parto do irmão. Seu culto se tornou tão popular que, em certos lugares, passou a ser mais importante do que outros deuses olímpicos. Na Ilíada, a guerra de Tróia narrada pelo poeta Homero, a deusa é retratada como defensora da cidade. Embora Tróia seja considerada mitológica, a arqueologia apontou diversos indícios de sua existência no território contemporâneo da Turquia. Em Éfeso, o culto à deusa Ártemis, ajudou a cidade a prosperar economicamente. Ártemis – ou Diana – é uma deusa também ligada a pureza e autonomia, pois pediu a seu pai, Zeus, que a mantivesse eternamente virgem. Neste contexto, a castidade representa o empoderamento feminino e a insubmissão ao sexo masculino; tanto que, quando um caçador tentou abusar de sua pureza, ela o transformou em cervo para que pudesse ser caçado por seus amigos.

Outra personalidade que marcou a história de Éfeso é Maria. A mãe de Jesus viveu a nove quilômetros do principal templo dedicado a Ártemis. Estávamos muito ansiosos para ver a Casa de Maria com nossos próprios olhos. Segundo o cristianismo oriental, após a crucificação de Jesus, Maria veio morar em Éfeso. A casa que João construiu se tornou lenda, até que, no início do século XIX, a freira agostiniana alemã Ana Catarina Emmerich, alegou ter visões e epifanias sobre a história do Profeta e sua mãe.

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Em 1881, o abade francês Julien Gouyet descobriu um pequeno edifício em uma montanha com vista para o mar Egeu e para as ruínas da Éfeso. Gouyet acreditava ser a casa descrita pela irmã Emmerich. O Vaticano nunca se pronunciou sobre a autenticidade da Casa de Maria; todavia, o Papa Leão XIII, em 1896, fez uma primeira peregrinação ao local, seguido pelo Papa Pio XII que elevou a casa ao status de local sagrado. Ao longo dos anos, outros papas visitaram a Casa de Maria, dentre eles, João Paulo II em 1979 e Bento XVI em 2006.

Infelizmente, devido à distância entre um ponto e outro, e ao tamanho do complexo de Éfeso, não conseguimos chegar até a Casa de Maria a tempo; tivemos que nos contentar com a visita ao Meryem Kilisesi, uma igreja do século II d.C. construída para servir aos concílios – célebres reuniões decisórias do alto clero cristão. No Concílio de Éfeso, duzentos abades discutiram a respeito da natureza divina de Jesus e a castidade de Maria. Ao final da reunião foi afirmado que Jesus era filho de Deus, e a Virgem Maria receberia o título de Teótoco – isto é, mãe de Deus.

A viagem até Éfeso foi completamente diferente do que tínhamos planejado, mas como não existe bússola em nossas viagens, deixamos os ventos nos guiar. Sem ver o templo de Ártemis – ao qual atualmente se resume a uma única pilastra de pé – e a Casa de Maria, passamos o dia seguinte com a sensação de perder dois locais símbolos das raízes do feminismo.

Hoje, 13 de janeiro, após descermos para jantar com amigos sírios, mencionados em “Mochilão MEMO: Democracia, um colete salva-vidas”, percebi uma linda mulher vindo com seu filho, olhei para ela meio de canto para não a constranger e, para minha surpresa, ela me olhava também. Ela sorriu e disfarçou, sorri de volta. O marido, que a acompanhava, puxou assunto com o Lucas que conversava com nossos amigos. Mais à vontade, a mulher me perguntou sobre minha tatuagem de Allah. Quando percebi, outro casal – com outro lindo menino – se juntou a nós. Por coincidência, palestinos de Gaza, que têm amigos em comum com Lucas. A bagunça idiomática que fizemos conversando fez a rua parar e sorrir por alguns instantes. Entre inglês, português, turco, árabe, tudo muito precário e acompanhado de boas mímicas e jogos de adivinhação, acabamos nos entendendo. Aquela sensação de perder um pouco de Ártemis e Maria logo se calou, pois acabamos conhecendo duas mulheres, mães assim como eu, uma de cada extremo do planeta. No fim, seguimos nossos caminhos com a certeza de que a vida é um mistério glorioso; em momentos de sintonia como esses, tenho a certeza de que o universo feminino transcende o idioma, as fronteiras e o tempo. Maria e Ártemis certamente estavam entre nós; o passeio estava completo.

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Nota: Todos os textos do Mochilão MEMO são produzidos em trânsito; por gentileza, peço que compreenda que pode haver falhas ou erros que serão corrigidos ao longo da viagem. Obrigado a todos pela compreensão.

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