A Questão Palestina esteve entre os principais temas debatidos ontem (23), em Porto Alegre/RS, no primeiro dia de atividades do Fórum Social Mundial, que transcorre na capital gaúcha até o dia 28, sábado. A principal atividade de ontem, intitulada “Convergência: a luta dos povos no contexto de um mundo multipolar”, ocorreu no auditório Dante Baroni, na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, às 19 horas, e deu ênfase à nova realidade internacional de queda da hegemonia dos EUA e de seus aliados do chamado Ocidente e a entrada em cena de novos atores, como China e Rússia, bem como outras nações que desafiam a hegemonia estadunidense, como o Brasil, o Irã e a Índia, África do Sul, bem como os novos blocos políticos e econômicos fora dos marcos “ocidentais” do pós 2ª guerra Mundial, o BRICS dentre eles.
A mesa, coordenada pelas deputadas estaduais diplomadas Laura Cito e Bruna Rodrigues, reuniu a palestina Mariam Barghouti, o ex-deputado estadual Raul Carrion, Kota Mulanji (autoridade tradicional bantu), o ex-governador do RS e ex-ministro (educação e justiça) Tarso Genro, e a ex-deputada federal e ex-presidenta do Conselho Mundial da Paz Socorro Gomes. A mesa contou, ainda, com as participações, por vídeo gravado, do presidente do Partido Comunista da Federação Russa, Guennadi Ziuganov, e de Ai Ping, vice-Presidente da Associação Chinesa para a Compreensão (Entendimento) Internacional.
Mariam Barghouti, que é escritora, pesquisadora e analista política, com mestrado em sociologia com foco em mudança global, veio da Palestina, onde vive e lugar no qual “você pode ver as maneiras pelas quais o racismo, a supremacia e as ideologias etno-religiosas convergem para limpar etnicamente toda a demografia”, conforme disse na abertura de sua intervenção.
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Ela explicou que o contexto palestino e a realização do imperialismo nesta geografia levou ao exílio forçado de milhões de palestinos, hoje refugiados. Segundo ela, atualmente 50% de toda a população palestina no mundo vive no exílio, em diáspora, devido à limpeza étnica, à perseguição e ao apartheid que Israel e seu regime colonial impõem ao povo palestino.
A pesquisadora palestina apresentou uma série de estatísticas sobre a Palestina, todas consequências da aliança privilegiada de Israel com os EUA, mas fez um alerta antes: “não são estatísticas para nós; nós somos as estatísticas. Somos as histórias de desafio diário da morte. Literalmente”.
Segundo Barghouti, somente neste ano, Israel já assassinou mais de 230 palestinos, “a maioria civis, mortos durantes as operações (das forças de ocupação israelenses) de prisão (de ativistas palestinos). Quase todas estas mortes foram de jovens (idade média de 26 anos) e ocorreram na chamada Cisjordânia, às vezes nas próprias casas das vítimas, outras vezes em confrontos com as forças repressivas. De um lado os palestinos desarmados, de outros as forças de ocupação com equipamento bélico pesado.
Para ela, Israel, desde 1948, quando se autoproclamou estado e promoveu uma das maiores limpezas étnicas da história, recompensa seus solados por estes crimes continuados até os dias de hoje. “Depois, há os tribunais israelenses trabalhando com seus soldados para fornecer cobertura e impunidade enquanto abrem caminho para que colonos armados tomem sobre nossas casas”, explicou.
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Quanto aos palestinos que remanesceram à limpeza étnica de 1948 e acabaram como cidadãos israelenses, não são apenas cidadãos de segunda ou terceira classe em um regime de apartheid, mas “sobreviventes que devem viver entre seus assassinos todos os dias por mais 70 anos”.
Crianças presas por Israel
Anualmente, em média, Israel prende mais de 700 crianças palestinas. Ela citou o caso de Ahmad Manasra, de apenas 13 anos, que foi ferido por soldados israelenses por um suposto esfaqueamento em que teria sido o autor. Ele foi baleado e enquanto estava ao chão, sangrando, um colono judeu gritava para ele “morra, seu filho da p…, morra”, sob o olhar – e proteção – dos solados israelenses.
Para aumentar a violência dirigida contra a infância palestina e seu aprisionamento massivo, Israel chegou a reduzir, em 2015, a idade penal para 12 anos. Entretanto, ela é válida apenas contra crianças palestinas e não aplicável à infância israelense, isto é, judaica.
“Isso faz você pensar e reconhecer que a violência não é simplesmente o número daqueles que foram mortos, as crianças, aquela detenção. É o impacto dessas coisas na comunidade. A taxa de trauma (psicológico) é superior a 90%, o que significa que um futuro inteiro é morto”, observou Miriam Barghouti.
“Ratos de laboratório”
Tudo isso é agravado, segundo Bareghouti, com o grande arranjo entre EUA e Israel para o comércio de armas, munições e sistemas, a principal pauta de exportação do regime israelense. Em suas palavras, “aqui que o investimento em tecnologia e inovação é de matar”.
A impunidade de que goza Israel aumentou, garantida pelo veto permanente dos EUA no Conselho de Segurança da ONU sempre que os crimes israelenses são analisados, tornou isso ainda mais grave. “É flagrante e claro que as armas israelenses (são) ’testadas em batalha’, nas quais os palestinos se tornaram os ‘ratos de laboratório’ do setor destrutivo de desenvolvimento e comércio de armas de Israel”, observa.
Para a pesquisadora, os crimes que vive o povo palestino só serão parados quando Israel sofrer consequências legais. As petições palestinas nos tribunais internacionais (Tribunal Penal Internacional e Corte Internacional de Justiça), segundo ela, buscam alcançar este objetivo. Ela destacou, ainda, a solidariedade internacional, que é capaz, através de campanhas globais de denúncia e apoio à Palestina, levar ao isolamento de Israel e, com isso, à derrota de seu projeto, à semelhança do que aconteceu com o regime de apartheid da África do Sul.
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Na mesa de hoje (24), às 19 horas, também no Dante Barone, o presidente da Federação Árabe Palestina do Brasil (FEPAL), Ualid Rabah, integrará a mesa “Convergência: o novo Brasil que queremos construir”, abordando o tema dos refugiados.
Publicado originalmente em FEPAL