Palestina, 26 de janeiro de 2022
O dia começou cedo, tinha tudo para ser um passeio tranquilo para conhecermos um pouco da história de resistência palestina. Visitamos o museu do poeta Mahmoud Darwish, autor da Declaração de Independência da Palestina, lida por Yasser Arafat em 1988. Depois, caminhamos pelo centro de Ramallah, na Cisjordânia ocupada, até o museu e mausoléu de Arafat. Enquanto caminhávamos entre entre um ponto e outro da cidade, todos os comércios instantemente começaram a guardar suas mercadorias e fechar suas portas. Ainda não tínhamos a notícia, mas sabíamos que algum assassinato havia sido cometido.
Ontem, antes de dormir, presenciamos a festa da libertação de um prisioneiro palestino. Carros palestinos escoltaram o ex-prisioneiro, finalmente em liberdade após 15 anos de cárcere. Sua recepção foi comovente, mas fomos dormir com a sensação de que o Estado de Israel não permitiria aquela festa a troco de nada, sabíamos que algo de ruim estava para acontecer.
Quando o dia amanheceu, antes de sairmos para rua, o exército israelense invadiu o campo de refugiados de Jenin e colocou em curso mais uma operação de extermínio da população palestina. Segundo reportado pelos veículos de comunicação local, às 7h05 da manhã, soldados invadiram o campo ao norte do território palestino e abriram fogo contra pessoas que protestavam em um salão de encontros da comunidade. Já era por volta das 11h quando soubemos do ocorrido em Ramallah, já que o exército israelense minutos antes havia cortado luz, internet e sinal de telefonia do campo; algo que oficializa que o massacre foi uma operação premeditada.
Como estávamos perto do museu de Arafat, decidimos seguir com a visita, até recebermos informações mais concretas. Basicamente, o museu conta a história Palestina desde o Império Otomano, Mandato Britânico, nascimento do sionismo até a autodeclaração de independência de Israel e a subsequente luta palestina contra a ocupação colonial europeia em suas terras. A visita acaba nas salas da Mukata’a, quartel-general que Arafat ficou enclausurado enquanto o exército israelense o bombardeou de 2001 a 2004, véspera de sua morte – diga-se de passagem, repleta de controvérsias, com fortes indícios de envenenamento.
Logo que saímos do museu, nossos anfitriões palestinos nos ligaram para que retornássemos, pois um massacre, mais cedo, havia assassinado a sangue frio – até aquele momento – nove palestinos e deixado outros 20 feridos, quatro em estado grave. A Autoridade Palestina havia declarado luto oficial de três dias por todo território e o transporte público adotaria, em breve, a greve geral.
Chegando em casa, passamos o restante do dia acompanhando as notícias. Infelizmente, todos na frente da televisão sabíamos que aquele seria o início de mais uma escalada da limpeza étnica promovida pelos israelenses contra a população palestina. Ao fim da noite, participei de uma live com o presidente da Federação Árabe Palestina (FEPAL) para o canal do Monitor do Oriente; embora a conversa estivesse programada, tivemos que alterar o tema para reportar o massacre de Jenin.
Ficamos todos na frente da TV até umas três horas da manhã: nada do que foi transmitido pôde nos dar um pouco de conforto.
Depois de conhecer a história do povo palestino e ver o acervo documentado nos museus de Mahmoud Darwish e Yasser Arafat, fui dormir pensando que aquele episódio que presenciamos com nossos próprios olhos, pela primeira vez de dentro dos muros do apartheid, é algo com que os palestinos aprenderam a conviver diariamente. É lamentável que o genocídio palestino aconteça a tanto tempo, enquanto a comunidade internacional assiste a tudo isso de camarote e os mais oportunistas, aqueles que tanto se beneficiam da ocupação, insistem em chamar aos palestinos de “terroristas”.
A Palestina resiste ainda hoje à escalada de violência. Torcemos para que o mundo olhe para o povo palestino como seres humanos, que são massacrados diariamente.
Texto dedicado às famílias dos mártires de Jenin.
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Nota: Todos os textos do Mochilão MEMO são produzidos em trânsito; por gentileza, peço que compreenda que pode haver falhas ou erros que serão corrigidos ao longo da viagem. Obrigado a todos pela compreensão.
Mochilão MEMO: O roubo de Jerusalém