3 de fevereiro de 2023. Ontem foi dia de partir, não há mochila ou mala grande o suficiente para colocar todas as experiência e sentimentos vividos nesses trinta e poucos dias.
Da Turquia, carregamos uma bagagem de cultura e história muito pesada, muito mais antiga que a herança deixada pelo império otomano. Mas da Palestina. Ah! Palestina, mãe de todos os mártires e de tantos heróis. Essa carregamos em espaço cativo no coração. Um pouco por causa dos amigos que fizemos; outros tantos pelas histórias que ouvimos; pelas coisas que vimos com os próprios olhos; e claro, por todas as lágrimas que derramamos junto com nossos irmãos palestinos.
É estranho para um mochileiro tão desapegado de raízes falar sobre a terra, independência ou pátria, no entanto, vivemos em um mundo de cultura e valor completamente diferente de todas essas pessoas e não cabe a ninguém, julgar, olhando para nossa própria cultura e valor. Agora, saindo da Palestina, abri o celular para rever as fotos dessa jornada, a primeira foi de quando estava saindo de São José dos Campos para o aeroporto de Guarulhos. Lembrei que tinha anotado um desabafo pessoal que desejo compartilhar:
“Estou cruzando São José dos Campos. Olhando pela janela, percebo como essa cidade mudou nos 13 anos em que já não moro mais aqui. Observo as mudanças externas e reflito como eu também mudei nesses últimos 13 anos. Mas assim como São José, apesar das mudanças, ainda preserva muito do que a torna a cidade que é – seja para bem ou para mal – assim como eu – seja para bem ou para mal. Gosto de pensar que estou completamente desenraizado, principalmente quando deixo São José passar sem olhar para trás, mas como disse, ainda tenho minhas raízes conectadas nesta terra como um cordão umbilical, que não consigo ou não quero que seja cortado.” Lucas Siqueira, 1 de janeiro de 2023.
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Relendo esse pequeno texto, e lembrando desses últimos trinta e poucos dias, percebo porque o palestino não é capaz de se desenraizar de sua terra-mãe, mesmo com todas as dificuldades diárias. Explico: passamos por checkpoints com os palestinos; vimos casas sendo destruídas pela ocupação; sentimos medo durante a noite; viajamos em transporte público; ficamos presos em estradas; fomos humilhados por soldados; choramos juntos por jovens assassinados no meio do dia. Por outro lado, rezamos juntos; jantamos no mesmo prato – como de costume; cuidamos da terra; podamos oliveiras; sorrimos, nos divertimos e, acima de tudo, amamos e nos sentimos amados. Com tudo isso, entendemos todos os motivos daqueles palestinos que saem de seu país; compreendemos o motivo por que muitos deles voltam para sua pátria e, acima de tudo, admiramos profundamente todos aqueles que aqui fincam suas raizes e morrem por elas. Porque a Palestina simplesmente merece ser libertada!
Após viajar por mais de um mês por terras que até então só conhecíamos por livros, filmes e documentários, hoje podemos dizer que nos sentimos como filhos dessa mãe chamada Palestina. Para esse pequeno país enclausurado e violentado, tomamos a liberdade de nos despedirmos com as palavras da autora chilena-palestina, Lina Meruane: “Amanhã ou depois voltarei ao sossego do meu sofá para escrever sobre o desassossego da Palestina.”
Texto dedicado à Ruayda, Mohammad e Ayman, a família Palestina que nos adotou.