A Organização Mundial de Saúde (OMS) anunciou neste domingo (12) uma ajuda de US$43 milhões para auxiliar as vítimas do terremoto que atingiu territórios na Síria e Turquia. Até 14 de fevereiro, os dois países haviam contabilizado mais de 37 mil mortos, milhares de feridos e centenas de milhares de desabrigados. Na Turquia os dados foram informados pela sua Agência de Monitoramento de Desastres e Emergência (AFAD); já na Síria, os dados foram informados pela emissora Al-Jazeera, como estimativa, já que parte dos territórios atingidos são controlados por rebeldes que lutam contra o governo de Bashar Al-Assad. O abalo sísmico na Síria intensificou um problema preexistente, onde antes do terremoto 15,3 milhões de pessoas já dependiam de ajuda humanitária para subsistência; invisibilizadas essas pessoas aguardam há mais de 12 anos para serem vistas pela comunidade internacional.
Tedros Adhanom, diretor-geral da OMS, chegou à Síria no dia 11 com 110 toneladas de suprimentos médicos, o que nem de longe chega a ser suficiente, visto que apenas 50% das instalações de saúde no país funcionam. Segundo Adhanom, “Não apenas danos físicos à infraestrutura em si, mas o êxodo de profissionais de saúde, perda de salários, perda de treinamento”, agravam ainda mais a situação.
A “Crise em Cascata” na Síria, como chamada pelo veículo de notícias das Nações Unidas (ONU), se originou com a Guerra Civil iniciada em 2011; seguida pela pandemia de covid-19; surtos de doenças; e o declínio da economia causado também pelas sanções internacionais; crise dos combustíveis; e agora, pelos terremotos.
A situação de abandono na Síria é tão profunda que grande parte da população já enfrentou, em uma única existência, mais de uma crise humanitária. É o caso dos palestinos-sírios, que fugiram ou foram expulsos de suas casas na Palestina e se refugiaram no país vizinho. Há ainda milhões de sírios que fugiram da guerra para se refugiar na Turquia.
LEIA: Ajuda entra na Síria, mas não chega ‘nem perto do necessário’
Geir Pedersen, enviado especial da ONU para Síria, após presidir uma reunião da Força-Tarefa Humanitária, em Damasco, foi questionado se já não era hora de levantar as sanções econômicas impostas na Síria para garantir que a ajuda humanitária chegue aos milhões de necessitados. Pedersen respondeu que acabara de discutir tal argumentação “em particular com os representantes dos Estados Unidos e da União Europeia e eles garantiram-me que farão tudo o que puderem para assegurar que não haja impedimentos à chegada de ajuda à Síria para ajudar nesta operação”, disse ele.
Outros países exigiram que os EUA levantassem as sanções contra a Síria para evitar um desastre ainda maior. O Ministro de Relações Exteriores da China enfatizou que a postura americana dificultou os resgates nas primeiras 72 horas após o primeiro tremor, “Exortamos os EUA a abandonar os cálculos geopolíticos, a levantar imediatamente todas as sanções ilegais contra a Síria e a parar de criar desastres humanitários”, disse ele.
O primeiro comboio de ajuda da ONU chegou à Síria no dia 8 de fevereiro, dois dias depois do terremoto. Segundo o escritório de coordenação de ajuda da ONU, Ocha, seis caminhões da Organização Internacional para Migração (OIM) chegaram ao noroeste da Síria. Um segundo comboio com 14 caminhões cruzou a fronteira com a Síria na sexta-feira (8), mas sua entrega foi atrasada por três dias, devido aos danos causados pelo terremoto nas estradas. O terceiro comboio de 22 caminhões chegou no dia seguinte.
Não que o terremoto que arrastou com a Síria e a Turquia pudesse ser previsto ou mesmo evitado, mas muitas vidas poderiam ter sido salvas se não tivéssemos deixado de falar dos problemas na Síria. E sim, é papel do jornalismo salvar vidas antes mesmo de estarem em risco. E não, o jornalismo não é imparcial desde a escolha da pauta. Portanto, ao deixarmos de reportar os problemas enfrentados na Síria, de certa maneira contribuímos para a atual situação.
LEIA: Terremoto Turquia-Síria: ‘É como se alguém tivesse jogado uma bomba nuclear’
A violência, seja em guerras ou crimes comuns, quando prolongada, tende a ser naturalizada, deixando de ser prioridades nas pautas. Há poucos meses, vimos afegãos se agarrarem ao trem de pouso de avião para fugirem do país, mas hoje poucas são as manchetes que falam sobre Cabul ou sobre as violações cometidas por lá. Isso não quer dizer que o Afeganistão esteja a “mil maravilhas”, quer dizer que naturalizamos a situação. No caso da Síria, a guerra foi naturalizada, retirando o peso da comunidade internacional de intervir, ou pior, dando legitimidade para que EUA e Europa embargassem economicamente um país com uma economia já em frangalhos.
A naturalização da violência é terreno fértil para a ascensão dos discursos de ódio e anulação do outro, que por sua vez alimenta regimes totalitários cada vez mais violentos, ou legitima o discurso de intervenção estrangeira.
Em 2022, a agência de notícias Syrian Arab News Agency (SANA), reportou que segundo o Ministro Sírio do Petróleo e dos Recursos Minerais, as forças de ocupação norte-americanas junto com o exército israelense que ocupa as Colinas do Golã (Síria) desde 1967, saquearam em média 66 mil barris de crude (petróleo bruto) por dia durante o primeiro semestre de 2022. No dia 4 de janeiro de 2023, novamente a agência SANA denunciou novo roubo de petróleo “As forças de ocupação dos EUA continuaram saqueando trigo e petróleo sírios enquanto roubavam um comboio composto por 60 caminhões e tanques dos dois materiais que se dirigiam para suas bases no norte do Iraque.”
O Estado de Israel, co-autor no roubo do petróleo sírio também se manifestou após o terremoto. Em uma entrevista, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu anunciou que “aprovou” o envio de ajuda à Síria, após um pedido de Damasco por meio de canais “diplomáticos”. “Recebemos um pedido de uma fonte diplomática para ajuda humanitária na Síria, e eu o aprovei” disse ele. No entanto, a informação foi desmentida pelo governo sírio, que negou qualquer canal diplomático com Israel. A única notícia anessa história foi sobr um rabino israelense ter declarado publicamente que o terremoto que matou dezenas de milhares foi “justiça divina”.
Não só os EUA e Israel criaram polêmicas quanto à ajuda humanitária para a Síria. A revista francesa Charlie Hebdo também se manifestou de forma deprimente. Por meio de uma charge com prédios destruídos, a revista publicou a mensagem “não há necessidade de enviar tanques”. Como se os editores da Charlie Hebdo já não soubessem que “piadas” desse tipo não acabam bem!
ASSISTA: Sírios inconsoláveis pela perda de bebê para o terremoto
Muito do que hoje acontece na Síria poderia ser prevenido se tivéssemos dado mais atenção aos discursos opostos às narrativas de ódio propagadas por agências submissas ao capital imperialista. Poderíamos ter ampliado nossos discursos em defesa de seres humanos, mas paramos de falar da Guerra na Síria e dos 6,8 milhões refugiados que esta gerou até o momento.
O diretor regional da OMS para a Região do Mediterrâneo Oriental, Ahmed Al Mandhari, que esteve em Aleppo esta semana, alertou que a futura geração do país corre risco. Na capital, a estimativa é de mais de 200 mil pessoas desabrigadas, sendo que mais de 25 milhões foram impactadas.
“Não podemos, como seres humanos, tolerar sírios sofrendo múltiplas crises e perdendo vidas. Estamos perdendo crianças. Estamos perdendo a futura geração da Síria, como eu disse, independentemente de onde eles estejam localizados. Portanto, vamos chamar a atenção da comunidade global e garantir que realmente participemos do salvamento das vidas de todos os sírios. Sem afiliações políticas, religiosas, culturais, sociais e econômicas, você sabe que os seres humanos são iguais, independentemente de onde vivam”, disse Ahmed Al Mandhari.
Hoje, o segundo o subsecretário-geral da ONU para Assuntos Humanitários, Martin Griffith, declarou que a fase de resgate às vítimas do terremoto na Síria e Turquia está chegando ao fim, “agora, inicia-se a fase de disponibilização de abrigo, alimentação, educação e atendimento psicossocial.” completou.
Que bom que a comunidade internacional resolveu olhar para o povo na Síria, mesmo que tardiamente e a partir de consequências de um desastre natural. Me faço a pergunta: Caso esse terremoto tivesse atingido apenas o território sírio, sem causar grandes danos à Turquia, a resposta teria sido a mesma?
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.