A apostasia é uma arma de guerra política recorrente. Perseguir, proibir, destruir e violar locais de culto e do sagrado formam um arsenal de provocações que podem facilmemnte incendiar um país. Quando se trata de ataques contra o sistema de crenças do Islã, não importando seu matiz e ramificação, a situação se torna ainda mais séria, obrigando chefes de Estado e líderes de governo a tomarem posição.
Considerando que a Turquia é governada por um partido islamista desde 2002, é preciso tomar todo cuidado para separar as críticas. Uma dimensão é se posicionar contra ou a favor da política doméstica dos distintos governos de Erdogan. Nesta posição se inclui a delicada situação do sudoeste da Turquia, também chamado de Curdistão Turco. A vitória parlamentar do HDP (partido que congrega a esquerda curda e a turca não xenófoba) foi contundente e a mudança de regra do jogo posterior é condenável. Outra situação, já escrita por este analista, foi o intento de golpe gullemista de julho de 2016. Nesta ocasião, o conjunto de forças políticas turcas (de situação e oposição) declararam não apoiar a tentativa de tomada de poder através da influência do pouco crível “líder religioso” exilado nos EUA.
Ainda neste conjunto complexo, podemos ter posições diversas quanto a atuação da Turquia no Oriente Médio, e como também já escrevemos antes, a urgente e necessária retirada deste país da OTAN e o imediato rompimento de relações com o “Estado Colonial do Apartheid na Palestina Ocupada” (alias, Estado de Israel ou entidade sionista promovida por invasores europeus de alegada fé judaica). Falando em apostasia e perseguição aos lugares de culto, poucos territórios do planeta são mais atacados do que Al Quds (Jerusalém) sob ocupação sionista e a evidente tentativa centenária de expulsar a população árabe-palestina de fé cristã (ortodoxa melquita, orotodoxa grega, católica do oriente e de origem armênia) da cidade sagrada.
Quando Al Quds outrora foi libertada pelas tropas fieis de Yusuf ibn Ayyub ibn Shadhi – o sultão Salahaddin – teve suas igrejas e locais sacros plenamente assegurados e com total direito de uso. A invasão sionista é tão anti-árabe como a dos cruzados, e não é exagero afirmar que se trata de um prolongamento. O próprio recrutamento da população árabe de fé judaica (mizrahim) é uma manobra política fundamental para ampliar o sectarismo. Assim, o inimigo estimula o combate entre brimos e brimas que na Palestina conviviam por três mil anos e sequer sabiam da existência de europeus asquenazis (com forte possibilidade de serem originários da conversão da elite khazar por volta do século 8AD).
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Neste corrente século, a prática mais comum no Ocidente é de dupla cretinice. A primeira modalidade vem do século XIX e ganha proporção global com os crimes da Shoah (holocausto nazista contra eurojudeus), e se trata da contínua alegação de “antissemitismo” contra quem defende a libertação da Palestina e do Bilad al-Sham. Isto se dá na Grande Cananeia, cujos territórios são invadidos há mais de cem anos por europeus que praticam o verdadeiro antissemitismo (pois semitas somos nós, de origem árabe!). A outra prática é a islamofobia, provocada através da apostasia, escondida sob o manto da “liberdade de expressão”.
Islamofobia: arma de guerra política da OTAN
Em 22 de janeiro deste corrente ano o primeiro ministro da Suécia, Ulf Kristersson, criticou a postura do líder da extrema direita dinamarquesa, Rasmus Paludan (à frente do partido Stram Kurs), ao queimar um Alcorão diante da embaixada da Turquia. Segundo o premiê sueco:
“A liberdade de expressão é uma parte fundamental da democracia. Mas o que é legal não é necessariamente apropriado. Queimar livros que são sagrados para muitos é um ato profundamente desrespeitoso. Quero expressar minha solidariedade a todos os muçulmanos que estão ofendidos com o que aconteceu em Estocolmo hoje”.
Reação tímida essa. A manobra de Paludan é relativamente fácil e de baixo custo. Basta provocar criando o sentido de profanação e mais de 1 bilhão e 900 mil seres humanos se verão atingidos de imediato. Ataques semelhantes ocorreram na Dinamarca e na Holanda, sem contar a perversão sádica do jornal “cômico” francês Charlie Hebdo difundida no perfil do Twitter desta publicação. O sadismo aumenta porque a “satirização” se deu justamente após a tragédia humanitária do terremoto que atingiu simultaneamente a Turquia e a Síria.
Diante dessa onda de ataques realizadas em sociedades cujos Estados são países membros da OTAN (com exceção da Suécia, e não se sabe até quando), a Organização de Islâmica de Cooperação se manifestou prontamente, em uma declaração com 15 pontos, contendo orientações diretas de mobilização e contra resposta. Destacamos aqui três destas:
- “Condena veementemente as recentes agressões desprezíveis contra o Sagrado Alcorão Al-Kareem na Suécia, Holanda e Dinamarca, e apela aos respectivos governos para que tomem medidas eficazes para prevenir a repetição desses atos vis”;
- “Convida os embaixadores dos Estados Membros da OIC nas respectivas capitais onde ocorrem atos vis contra o Sagrado Alcorão Al-Kareem e outros símbolos sagrados islâmicos, para fazer esforços coletivamente com relação aos parlamentos nacionais, mídia, organizações da sociedade civil, bem como como as instituições governamentais, a fim de expressar a posição da OIC e induzir as autoridades competentes a tomar as medidas legislativas necessárias para criminalizar tais ataques, cientes de que o exercício da liberdade de expressão acarreta deveres e responsabilidades especiais”;
- “Solicita à Secretaria-Geral da OIC que se envolva com atores, organizações e instituições internacionais para aumentar a conscientização global sobre a islamofobia, o ódio e a intolerância contra os muçulmanos; e combater eficazmente o fenômeno em coordenação com as organizações nacionais e internacionais.”
Diante disso, o cenário doméstico de qualquer país de maioria islâmica é evidente. Todo partido ou força política e religiosa que apoiar tanto a ocupação sionista como a islamofobia deve ser visto como traidor. Isto gera um problema de ordem estratégica dentro da OTAN, pois um dos países potência do Islã em escala global – a Turquia – (os demais são Irã e Paquistão, e em escala regional, Indonésia e Malásia, outrora o Egito de Nasser já teve essa envergadura) – está dentro da “aliança”. É preciso sair da mesma linha com cruzados.
A Turquia fora da OTAN e contra as agressões cruzadas e ocidentais
Qualquer governo de Ankara que não se posicione diante da apostasia islamofóbica estará contra a parede. O líder do AKP, Recep Tayyip Erdogan está confrontando a verdadeira posição dos países da OTAN em relação ao Islã. Se tivesse uma posição mais dúbia e pró-ocidente (como a “dinastia” iventada dos Pahlavi na Pérsia), poderia fazer um jogo de oportunismo. Para quem se pretende líder da Ummah, essa posição é inviável.
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No limite do sistema de crenças dentro da OTAN, suas verdadeiras posições – utilizando seus círculos extremistas – não escondem sua hostilidade ao Islã. Se contarmos as agressões do século XXI, o registro histórico recente aponta agressões desestabilizadoras contra o Iraque, Afeganistão, Líbia, e em todos os lugares que as forças da OTAN entraram (como a França no Mali em 2013, por exemplo).
Qualquer liderança responsável à frente de países de maioria islâmica se vê obrigada a responder e tomar posição. Repito, tanto em relação aos ataques islamofóbicos, como quanto às agressões militares acima citadas e tendo como pano de fundo a permanente ocupação sionista e cruzada na Palestina e no Levante. Com Erdogan e toda liderança política turca ocorre situação semelhante. Ankara fora da “aliança cruzada” é um objetivo estratégic e uma obrigação moral, tanto para o Mundo Islâmico como para o Sul Global.
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