Nacionalidade e cidadania são conceitos distintos segundo o direito internacional público. O primeiro concerne verdadeiramente ao direito internacional, sendo o vínculo político que liga o indivíduo ao seu Estado. O fato de uma pessoa possuir a nacionalidade de um Estado, permite a esse indivíduo sempre ingressar e permanecer no território do país em questão. Neste aspecto, o Estado não pode deportar ou expulsar seu nacional, o que é vedado. A cidadania representa, por sua vez, tema de direito interno e se refere àquele país cuja pessoa é cidadã. Nesse sentido, a cidadania reflete um conteúdo adicional de direitos de natureza política que permitem a um indivíduo votar e ser votado. No entanto, desde sua criação, em 1948, o Estado de Israel tem sistematicamente manipulado o entendimento desses dois conceitos, impedindo assim, que palestinos em diáspora tenham acesso ao seu direito fundamental de retornar à Palestina quando desejarem.
Atualmente há mais de 7 milhões de palestinos na diáspora que possuem o direito legal de serem considerados nacionais da Palestina, seja por nascimento ou por ascendência, a despeito das políticas racistas de nacionalidade e cidadania de Israel. Esse número inclui os 5 milhões de refugiados registrados na “Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente” (UNRWA) e outros milhares de outros palestinos residentes em outros países os quais possuem uma segunda cidadania.
A maneira em que, no passado quanto no presente, os conceitos apresentados foram utilizados arbitrariamente de maneira intercambiável pelas autoridades coloniais a fim de impedir a concretização de um Estado nacional Palestino é, sem dúvidas, umas das questão mais relevantes na promoção da libertação da Palestina das amarras coloniais que a constrange. O direito de retorno dos palestinos em diáspora está consagrado nas resoluções da Organização das Nações Unidas. Nesse sentido, cabe à comunidade organizada, no Brasil e no mundo, em articulação com as representações políticas do Estado da Palestina em suas respectivas localidades para pressionar as autoridades locais a tomarem atitude frente às frequentes violações de Israel do direito internacional e, consequentemente, a sua responsabilização.
Apontar a diferença entre os conceitos (nacionalidade e cidadania) pode ser a bases da resposta palestina às políticas de apartheid israelense.A cidadania é concedida a indivíduos em razão do local de nascimento (jus soli), nacionalidade os pais (jus sanguinis), ou naturalização por residência (jus domicile), sendo ela determinada pelos Estados afim de garantir direitos aos individuos de um determinado país. Nesse sentido, a aplicação para a cidadania de um Estado deve passar, frequentemente, por um rigoroso processo de verificação do atendimento dos critérios de elegibilidade. Assim, um Estado pode negar o direito à cidadania de acordo com o seu direito interno. A nacionalidade nata, por sua vez, não pode ser revogada pelos Estados, em outras palavras, não se pode desnacionalizar um nacional. Segundo o direito internacional, nacionalidade é definida como a ligação entre o indivíduo e o território, segundo jurisprudência da Corte Internacional de Justiça de 1955, nas circunstâncias do julgamento do Caso Nottebohm. Além disso, a nacionalidade é inata, imutável e protegida: o artigo 15 da Declaração Universal dos Direitos Humanos afirma que “todos têm direito a uma nacionalidade. A ninguém será arbitrariamente privado da sua nacionalidade nem lhe será negado o direito de mudar de nacionalidade.” De fato, esse direito é tão universal que vários estados até estendem a opção de solicitar a cidadania através do jus sanguinis a cidadãos não cidadãos residentes em qualquer lugar do mundo.
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O que Israel tem feito de maneira recorrente é o impedimento dos nacionais palestinos a regressarem ao seu território alegando questões de cidadania. Essa política dúbia em relação a nacionalidade não nasce com o Apartheid em vigor na Palestina. Em verdade essa política remonta a atuação da Grã-Bretanha no Oriente Médio por meio do Mandato Britânico. Após a Primeira Guerra Mundial e o desmembramento do Império Turco-Otomano em 1922, foi ratificado o Tratado de Lausanne de 1923, que reconheceu o direito dos palestinos a pertencer como cidadãos da Palestina de qualquer lugar do mundo. Assim, quando as autoridades britânicas sitiaram Jerusalém em 1917, os residentes da Palestina foram considerados como cidadãos palestinos otomanos até que fosse celebrado um tratado que regulamentasse o que aconteceria com a sucessão de Estado. Esse status foi também estendido a outros milhares de otomanos-palestinos que migraram da Palestina para o continente americano por razões econômicas e políticas desde o século XIX.
No entanto, foi somente em 1923, quando as forças aliadas e o novo governo da República Turca assinaram o tratado de Lausanne, responsável por delimitar os limites da nova república e a renúncia turca por parte dos territórios que outrora foram do Império Turco Otomano, criando assim, mandatos coloniais no Oriente Médio. Consequentemente, todos os árabes tornaram-se apátridas, incluindo aqueles que moravam no exterior. A fim de mitigar esse problema o Tratado de Lausanne em seu artigo 34 permitiu que os indivíduos se declarassem nacionais do território de que eram naturais, assim “nascem” a nacionalidades para fins de direito internacional no Oriente Médio (síria, palestina, libanesa, iraquiana…).
Contudo, os britânicos violaram os tratados uma vez que haviam prometido à Federação Sionista o estabelecimento de um “lar nacional” judeu na Palestina em 1917, mediante a Declaração Balfour. Como resultado, a fim de garantir o fluxo de judeus para Palestina e sua naturalização por residência como palestinos, a primeira ação do Mandato Britânico foi regular a nacionalidade palestina para garantir aos colonos judeus, ainda em 1917, cidadania palestina.
Em 1925, quando a Grã-Bretanha promulga o Conselho de Cidadania Palestina, que regulariza a cidadania palestina durante o mandato, invés das autoridades britânicas concederem a cidadania palestina a todos os requerentes, eles priorizam a concessão desse status a milhares colonos judeus em detrimento de milhares palestinos. Só para se ter uma noção, em 1937, após duas décadas de ocupação britânica na palestina, o governo palestino apontou que mais de 28 mil judeus foram agraciados com a cidadania palestina entre 1931 e 1936, e do total de 4951 cidadanias concedidas em 1936. 4847 foram para judeus. Por outro lado, algo em torno de 9 mil aplicações para cidadania foram feitas por palestinos na América Latina, porém, destes somente 100 foram concedidos.
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Ao longo de seus 30 anos de ocupação da Palestina, a Grã-Bretanha manipulou persistentemente a nacionalidade, negando-a através da cidadania. E embora a Grã-Bretanha tenha violado o Tratado de Lausanne ao fazê-lo, a Liga das Nações deixou a administração da Palestina inteiramente a critério da Coroa Britânica.
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