O Brasil tem regras claras para entrada de bens valiosos no país, sejam comprados ou objetos presenteados, há impostos a pagar. No caso da caixa de jóias de cerca de R$ 16,5 milhões trazida da Arábia Saudita e que auxiliares do ex-presidente Jair Bolsonaro tentaram oito vezes resgatar da Receita Federal, esse imposto seria bem salgado. Estima-se uns R$ 12,3 milhões, somando-se a taxa de 50% do preço do bem, mais multa de 25% pela não declaração. Ou seja, mimos desse tipo dão mais dor de cabeça do que alegria ao portador.
Quem viaja ao exterior e volta ao Brasil sabe que qualquer bem em valores superiores a mil dólares deve ser declarado antes. A menos que se aposte na sorte de ver acesa a luz verde do “nada a declarar” na hora de passar pela alfândega.
Foi o que aconteceu com uma outra caixa de presentes chegados do Oriente Médio e que passou direto pela fiscalização. A primeira, retida até agora, continha colar, brincos, anel e relógio de ouro branco femininos cravejados de diamantes, seria destinada à primeira-dama, Michele, segundo declarou o emissário do governo que tentava retirá-la da Receita Federal na véspera da partida de Bolsonaro – do governo e do Brasil. A segunda guardava jóias masculinas para o ex-presidente, que ainda não as devolveu.
São duas caixas na mira das investigações abertas pela Polícia Federal e Ministério Público a pedido do ministro da Justiça, Flávio Dino. Bolsonaro viajou à Arábia Saudita mais de 80 vezes em seu mandato, segundo levantamento do Brasil de Fato e ha vários presentes considerados pessoais registrados em seu acervo.
Fora a sonegação em caso de bens privados, há outra possibilidade de não haver necessidade de imposto: o presente poderia ser destinado ao patrimônio da Presidência brasileira, e não ao presidente ou sua família. Nesse caso, haveria documentação específica e fácil solução. Mas não foi o caso.
A denúncia feita pelo jornal O Estado de S.Paulo mobilizou o restante da mídia atrás de detalhes. Vídeos da Receita Federal registrando a vergonhosa ação de emissários de Bolsonaro desesperados pelo resgate das jóias voltaram a colocar um pouco de adrenalina no noticiário político-policial brasileiro e trouxe de volta uma pergunta que persegue o ex-presidente no seu auto-exílio: no final da história haverá uma voz de prisão?
Em casos assim, não há muito para onde se possa correr. Se o crime não for de peculato, ou seja, tentativa de roubo de um bem público pelo presidente com ajuda de auxiliares, trata-se de milionária sonegação. Mas o que intriga mesmo é o porque de um presente tão valioso, fora dos padrões de cortesia entre governos, ter sido despachado ao Brasil na bagagem da delegação bolsonarista.
O bem que passa a interessar à opinião pública não é tanto o que os sauditas quiseram regalar ao então presidente brasileiro, mas o que o Brasil pode ter dado em troca.
Os petroleiros estão desconfiados de que a gratidão árabe tenha alguma relação com a venda da Refinaria Landulpho Alves (Rlam), na Bahia, para Mubadala Capital, fundo soberano de Abu Dhabi, nos Emirados Árabes, parceiro dos sauditas nos interesses petrolíferos. A venda foi bem generosa ao comprador. Se o valor calculado pelo Instituto de Estudos Estratégico de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis estava entre US$ 3 bilhões e US$ 4 bilhões, porque a mais antiga refinaria do Brasil foi entregue por US$1,8 bilhão logo após a volta dessa delegação?
A pergunta e as suspeitas associadas a ela foram encaminhadas pela Federação Única dos Petroleiros (FUP) ao Ministério Público, com pedido de abertura de inquérito. Outra frente de investigação em cima dessas possíveis ligações deve ser aberta pelo senador Omar Aziz, que recém-assumiu a Comissão de Transparência, Fiscalização e Controle (CTFC) do Senado.
A embaixada da Arábia Saudita, por enquanto, preferiu o silêncio. Espera uma posição oficial de seu governo para manifestar-se. Um pedido de esclarecimentos já foi feito pela deputada federal Luciene Cavalcante, que não vê chance de não haver crime nessa história. Aparentemente, ninguém vê, fora Bolsonaro e sua família. Mas se houve propina, há rastro e o partido de Luciene, o PSol, quer fazer o tira-teima pedindo a quebra de sigilo do casal Bolsonaro.
A caixa forrada de veludo que a TV Globo conseguiu fotografar na Receita Federal exibe valiosos diamantes. Mas o que interessa saber agora é o que ela pode estar escondendo de tenebrosas transações.
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