A proposta foi aprovada nesta quinta-feira (16) pelo Conselho Internacional do Fórum Social Mundial, após apresentação promissora de um grupo de organizações asiáticas para a realização de um próximo evento centralizado em Katmandu, no Nepal, em 2024. A data indicativa é 14 a 19 de fevereiro e as condições objetivas para a realização, incluídas questões logísticas e materiais, serão detalhadas em uma próxima reunião do colegiado internacional dentro de um mês.
Caso avance conforme o calendário e as condições inicialmente discutidas, o maior evento do FSM voltará à Ásia após 20 anos da sua primeira reunião em Mumbai, na Índia. Fóruns regionais ou temáticos próximos estão sendo pensados em diferentes lugares, inclusive em Porto Alegre e Salvador, no Brasil, e também no oeste africano para um futuro retorno do FSM ao continente, talvez em 2026. Mas são vagas as chances de que outra candidatura tire o FSM centralizado da direção ao Nepal em 2024. Eventos regionais como o FS Sul-asiático, o FS Ásia-Pacífico e o próprio FS Nepalês deram musculatura ao processo para que a proposta fosse feita agora.
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O sonho de tornar o Nepal um endereço do FSM vêm desde que o fórum nasceu, em 2001, mas o movimento para concretizá-lo foi interrompido logo no início, em 2002, quando ocorreu um golpe do rei nepalês contra o próprio governo eleito, e o monarca assumiu poder e jogou por terra a conquista formal de um regime democrático de 1990.
Após anos de conflitos e lutas populares e a extinção da monarquia em 2008 – mesmo ano em que Bangladesh sediava um Fórum Social Sul-Asiático – o Nepal promulgou em 2015 a atual Constituição que define o país como uma república secular, com cotas para grupos invisibilizados na política, como mulheres, indígenas e dalits, fruto das lutas travadas por democracia.
Em 2018, organizações da sociedade civil finalmente concretizaram um primeiro Fórum Social Nepales, edição regional, passando depois aos eventos virtuais do FSM nos anos marcados pela pandemia de covid-19. Desigualdade, injustiça e impunidade continuam enraizados na estrutura política e social do Nepal de hoje. A pobreza em um país com altíssima densidade demográfica desafia as políticas públicas. Mulheres se levantam contra uma legislação que ainda as discrimina. O FSM poderá dar impulso aos movimentos que fazem a resistência às pressões neoliberais que avançam sobre os direitos e liberdades no Nepal e no mundo. Mas organizadores locais avaliam que o sistema menos fechado que ainda lida com a recente transição democrática permitirá às organizações dialogar com governos, partidos e instituições para que um evento mundial seja facilitado.
Para além do peso local, a decisão do CI rumo ao Nepal enfatiza a importância da escuta da sociedade civil asiática como interlocutora essencial sobre os rumos da geopolítica mundial e seus impactos sobre as populações. A região deve acrescentar ao FSM sua perspectiva em discussões que hoje são bastante ocidentalizadas.
Como disse um representante do Nepal ao Conselho Internacional, o país sede do próximo fórum é afetado por todas as grandes crises em curso, sejam a repercussões da guerra na Ucrânia, sejam a crise ambiental, energética, e do próprio capitalismo. Ao mesmo tempo, o país é dono de riquezas hídricas e energéticas – vantagem que não elimina as difilcudades trazidas pelas monções que inundam suas terras de junho a setembro. O Nepal está situado entre duas grandes economias do mundo, a Índia e a China, ambas protagonistas em grandes disputas globais e parceiras do Brasil, da Rússia e da África do Sul no BRICS.
As organizações e movimentos que rumarão para o Nepal já começam a preocupar-se com os desdobramentos imprevisíveis de situações que estão ocorrendo agora, inseridas em debates regionais e temáticos do fórum, e que precisarão ter visibilidade na agenda mundia Por exemplo, a reaproximação Irã-Arábia Saudita intermediada pela China é uma novidade hoje, que ainda terá repercussões para além de acordos ou tréguas no Iêmen, e que Estados Unidos e Israel tentam minimizar. Mas para onde as relações terão caminhado dentro de um ano? O FSM no Nepal precisa considerar lutas árabes desde a construção, apontou no CI um representante do Fórum Social Palestino. O povo palestino vive um processo de limpeza étnica violento que precisa ser freado agora. É triste imaginar que em mais um ano a discussão ainda seja a luta contra o apartheid israelense, sem que a comunidade internacional tenha interferido. O Oriente Médio deve estar inserido na mobilização como uma região composta por países da Ásia Ocidental. Trazer esses debates à mesa do Conselho Internacional significa que está dado início à construção política do próximo FSM.
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Um ano é muito pouco tempo para que um evento central do FSM seja organizado. Problemas vão do acesso a vistos à acolhida das delegações, da mobilização mundial às condições de representatividade das organizações mais pobres, marginalizadas ou criminalizadas, da preparação dos territórios à arquitetura de uma comunicação que muda com velocidade. E além da gestão das inscrições de atividades e pessoas em números realmente grandes, existe a dificuldade da busca do financiamento para atividades que questionam o establishment e atacam as certezas com que o poder financeiro governa o mundo.
O maior desafio daqui até lá é a construção coletiva de uma agenda que seja capaz de ter relevância para as lutas sociais do restante do mundo. Assumir responsabilidade pela organização de um fórum social mundial significa no mínimo aos integrantes dos comitês abrir mão de muitas horas e noites de sono pelo ano afora, enquanto a ideia de reunir-se com os povos do Himalaia e do país do Everest instiga gente de todo mundo a querer chegar e compartilhar suas atividades e experiências lá.
Mas, uma vez aceito o desafio, uma primeira decisão está tomada. Com o apoio do Conselho Internacional, o FSM 2024 começa sua caminhada ao Nepal.
(Atualizado em 23 de março de 2023 devido à alteração de data programada para o FSM 2024)
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