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A ascensão do Sul Global: Conseguirão os Brics romper com a hegemonia ocidental?

Logotipo do grupo de países emergentes conhecido como Brics [Rafael Henrique/LightRocket via Getty Images]
Logotipo do grupo de países emergentes conhecido como Brics [Rafael Henrique/LightRocket via Getty Images]

Quem imaginaria que o grupo de países emergentes conhecido como Brics pudessem se tornar os rivais em potencial das nações do G7, do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI)? Essa possibilidade uma vez distante parece real, capaz de subverter o próprio equilíbrio da política internacional.

A sigla – acrônimo de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul –, conforme dizem, foi cunhada em 2001 pelo economista-chefe do banco Goldman Sachs, como referência às economias mais promissoras do mundo. A princípio eram somente os “Bric”; a quinta letra veio com a adesão da África do Sul, em 2010.

A primeira cúpula oficial do grupo foi realizada em 2009. Na época, a discussão parecia abstrata. Somente em 2014, os Brics começaram a dar passos mais sérios rumo a uma maior integração, quando a aliança nascente, incluindo África do Sul, lançou o Novo Banco de Desenvolvimento, com capital inicial de US$50 bilhões. A decisão demonstrou que o grupo já estava pronto para dar seus primeiros passos em desafio à hegemonia ocidental sobre as instituições monetárias internacionais – isto é, o Banco Mundial e o FMI.

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O conflito geopolítico global resultante da guerra russo-ucraniana provou ser a força motriz por trás de uma enorme expansão em curso nos Brics, sobretudo porque países ricos e emergentes começaram a mostrar interesse em fazer parte da iniciativa. Entre os quais, Argentina, Emirados Árabes Unidos (EAU), México, Argélia e, principalmente, Arábia Saudita.

Relatórios financeiros recentes sugerem que os Brics já são o maior bloco de produto interno bruto (PIB) do mundo. Atualmente, seus membros contribuem com 31,5% do PIB global, pouco à frente do G7, que contribui com 30,7%.

Uma das maiores oportunidades e desafios enfrentados pelos Brics repousa em sua capacidade de expandir sua base de filiação enquanto mantém seu crescimento atual. A questão de ajudar novos membros a manter a independência política e econômica é particularmente vital.

O FMI e o Banco Mundial são notórios por basearem seu apoio financeiro a países, sobretudo no Sul Global, em condições políticas. Isso frequentemente se justifica sob pretexto de direitos humanos e democracia, embora seja relacionado absolutamente a requisitos de privatização e abertura de mercados a investidores estrangeiros – ou seja, corporações ocidentais. À medida que os Brics se fortalecem, o grupo terá potencial cada vez maior de ajudar países mais pobres sem necessariamente impor sua agenda política ou manipular economias locais.

A inflação atinge hoje muitos países ocidentais, resultando em um crescimento econômico mais lento e agitação social. Neste contexto, nações do Sul Global buscam aproveitar a janela para desenvolver sua própria alternativa econômica. Isso significa que grupos como os Brics devem deixar de ser exclusivamente econômicos, para construir uma nova disputa política.

Por décadas, a maior arma dos Estados Unidos foi o dólar, que com o tempo deixou de ser uma moeda normal e se tornou uma commodity. Guerras foram travadas para garantir que países como Iraque e Líbia permanecessem comprometidos com o dólar. Após a invasão americana ao Iraque, em março de 2003, o governo local voltou a vender petróleo cotado em dólar. A luta pela dominação do dólar também pesou sobre a Venezuela, que possui as maiores reservas em potencial de petróleo do mundo; no entanto, reduzida à miséria por contestar a supremacia de Washington e sua moeda ubíqua.

Embora leve tempo, o processo de reduzir a dependência internacional do dólar está em pleno andamento. Em 30 de março, Brasil e China anunciaram um acordo comercial para que usem suas moedas – o real e o yuan – em suas transações. Trata-se de uma medida com um impacto enorme, ao encorajar outros países sul-americanos e de outras regiões a fazer o mesmo. A mudança não é a primeira do tipo, tampouco a última.

Uma das decisões mais importantes tomadas pelos ministros das finanças e responsáveis pelos Bancos Centrais da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), em sua reunião de 30 a 31 de março, na Indonésia, foi justamente reduzir a dependência do dólar. O grupo concordou em “reforçar a resiliência financeira por meio do uso de moedas locais para apoiar o comércio e o investimento transfronteiriços em sua jurisdição”. Trata-se também de um divisor de águas.

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Os países dos Brics lideram a investida e estão decididos em servir como catalisadores de um rearranjo no mapa financeiro global. Enquanto as nações ocidentais permanecem ocupadas com a flutuação de suas economias, mudanças em curso no Sul Global afligem seus regimes e mecanismos tradicionais. Washington e outras capitais estão apreensivas. E deveriam estar.

Após uma reunião entre o presidente Joe Biden e 40 líderes africanos na Casa Branca, no último mês de dezembro, ficou claro que as nações presentes não se interessam em tomar partido na guerra da Ucrânia. Com efeito, a vice-presidente americana, Kamala Harris, voou para a África em 26 de março para se encontrar com lideranças regionais com a única missão de afastá-los da China e da Rússia – um esforço muito provavelmente fadado ao fracasso.

Uma demonstração perfeita da recusa da África em abandonar sua neutralidade foi evidente na coletiva de imprensa realizada por Harris junto do presidente de Gana, Nana Akufo-Addo, em 28 de março. “Pode haver uma obsessão na América sobre as atividades chinesas no continente, mas não compartilhamos dessa obsessão”, afirmou Akufo-Addo.

Dizer que os Brics são um grupo meramente econômico é ignorar boa parte da história. Tanto o momento de seus esforços expansivos, quanto o discurso harmônico de seus membros atuais e a potencial expansão de seu portfólio – com reiteradas visitas de diplomatas chineses e russos à África e outras regiões – indicam que os Brics se tornaram a nova plataforma do Sul Global para instituir uma postura própria em termos geopolíticos, econômicos e diplomáticos.

Quanto mais bem-sucedido se tornarem os Brics, mais debilitada estará a hegemonia ocidental convencional sobre o Sul Global. Embora políticos, redes de imprensa e empresários ocidentais possam insistir em minimizar os êxitos do grupo em formular uma “Nova Ordem Mundial”, as mudanças estão em curso e parecem concretas e irreversíveis.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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